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Claudio Monteverdi
©DRClaudio Monteverdi

Dez obras de Monteverdi que precisa de ouvir

Assinalando os 450 anos do nascimento de Claudio Monteverdi, o CCB dá a ouvir algumas das suas obras mais marcantes num festival que vai de quinta-feira 14 a domingo 17. Aqui se deixam 10 exemplos do seu génio

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Claudio Monteverdi nasceu em Cremona, Itália, em 1567 e foi aluno do mestre da catedral da cidade, Marc’ Antonio Ingegneri. Mostrou muito cedo o seu talento, ao publicar, com apenas 15 anos, a colecção Sacrae Cantiunculae (1582), seguida pelos Madrigali Spirituali (1583) e pelas Canzonette (1584). Estreou-se no madrigal – a prova de maturidade artística para os compositores do Renascimento – com a publicação do I Livro (1587). Os madrigais pontuaram toda a sua vida e serviram como laboratório para as muitas inovações que trouxe à linguagem musical. Publicaria mais sete livros, com o VIII a surgir em 1638, e após a sua morte ainda seria compilado um IX Livro (1651), com obras de diferentes períodos da sua carreira.

Monteverdi foi também um dos pioneiros da ópera, com L’Orfeo (1607), mas boa parte da sua produção posterior perdeu-se e só chegaram aos nossos dias – e, ainda assim, em forma incompleta – duas óperas do fim da sua vida, Il Ritorno d’Ulisse in Patria (1640) e L’Incoronazione di Poppea (1642). O seu contributo para a música sacra também foi marcante e tem como pontos máximos as Vespro della Beata Vergine (1610) e a Selva Morale e Spirituale (1641).

Faleceu em Veneza em 1643, com a provecta idade – para a época – de 76 anos.

Festival Monteverdi no CCB
O programa do Festival Monteverdi oferece uma amostra representativa da obra de um compositor que revolucionou a história da música, definindo, quase sozinho, muitos dos moldes do período Barroco. Os oito concertos serão assim distribuídos:

Vespro della Beata Vergine: Ludovice Ensemble, Fernando Miguel Jalôto: quinta-feira 14, 21.00, 7.5€-25€

III + IV Livros de Madrigais: Coro Ricercare: sábado 16, 11.00 e 14.30, 10€

L’Orfeo: La Venexiana, Claudio Cavina: sábado 16, 21.00, 10-30€

I + II Livros de Madrigais: Officium Ensemble: domingo 17, 11.00 e 14.30, 10€

VI Livro de Madrigais: Grupo Vocal Olisipo: domingo 17, 17.00, 10€

Excertos dos VII + VIII Livros de Madrigais: La Venexiana: domingo 17, 21.00, 10€.

Dez obras de Monteverdi que precisa de ouvir

I Livro de Madrigais (1587)

Ainda não há aqui sinais das revoluções que Monteverdi iria desencadear, mas trata-se de uma obra de admirável maturidade para um rapaz de 20 anos – aliás, nunca um compositor publicara um livro de madrigais com tão tenra idade.

[“Cantava la Più Vaga Pastorella”, pelo Sidonia Ensemble, ao vivo na Igreja Evangélica de Heinsberg, Alemanha, 2016]

V Livro de Madrigais (1605)

É o livro que marca a transição do Renascimento para o Barroco e serviu para Monteverdi afirmar que sabia muito bem o caminho que estava a tomar. O livro abre com “Cruda Amarilli”, um madrigal que terá sido composto por volta de 1600 e que terá chegado aos ouvidos do teórico Giovanni Maria Artusi, irredutível guardião dos moldes do madrigal renascentista. as liberdades tomadas por Monteverdi levaram Artusi a publicar em 1600 o panfleto Sobre as imperfeições da música moderna, em que denunciava os “erros” de composição de Monteverdi. O compositor respondeu-lhe no prefácio do V Livro, defendendo as suas opções estéticas, em que a primazia é dada à expressão do texto.

[“Cruda Amarilli”, pelo Concerto Italiano, dirigido por Rinaldo Alessandrini]

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L’Orfeo (1607)

Composta a pedido do seu patrão, Vincenzo Gonzaga, duque de Mântua, que, com Monteverdi, assistira em Florença, em 1600, à Euridice de Jacopo Peri, que foi a primeira ópera da história a ter sobrevivido (antes Peri compôs uma Dafne que se perdeu). Euridice serviu para abrilhantar o casamento de Maria de’ Medici com o rei Henrique IV de França e Vincenzo, que se orgulhava de ter uma das mais esplendorosas cortes da Europa, não quis ficar atrás dos Medici e logo pôs o seu director musical a trabalhar em algo similar.

[“Possente Spirto”, pelo barítono Nicholas Achten (Orfeo) e o ensemble Scherzi Musicali, incluído no CD Il Pianto d’Orfeo (Deutsche Harmonia Mundi). Esta ária representa um momento decisivo na ópera, pois corresponde ao momento em que Orfeu, que desceu ao mundo dos mortos para resgatar a sua amada Eurídice, convence, através do seu canto e da sua lira, o barqueiro Caronte a deixá-lo atravessar o Hades e entrar no Inferno; “Possente Spirto” é, portanto, um símbolo do poder da música]

Vespro della Beata Vergine (1610)

As 14 peças das Vespro foram publicadas em Veneza, quando Monteverdi estava ao serviço dos Gonzaga, e exploram os mais diversos estilos e combinações vocais e instrumentais e são uma esmagadora demonstração de inventividade e métier composicional. Desconhece-se o fim a que se destinaram, mas há quem suponha que Monteverdi, que estava descontente com as condições de trabalho na corte de Mântua, as terá feito publicar como candidatura a um posto na catedral de S. Marcos, em Veneza. Em 1613, Monteverdi acabaria efectivamente por tornar-se mestre de capela em S. Marcos – um dos mais prestigiados cargos em Itália – já que após a morte de Vincenzo Gonzaga, em 1612, o seu ingrato sucessor, Francesco, dispensou os músicos da corte.

[Moteto “Nigra Sum”, pelo tenor português Fernando Guimarães e a Cappella Mediterranea, dirigida por Leonardo García Alarcón, no Festival de Ambronay de 2013. A sensualidade do texto extraído do Cântico dos Cânticos inspirou uma virtuosística e expressiva peça para tenor solo]

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VII Livro de Madrigais (1619)

O entendimento que Monteverdi faz do madrigal continua a expandir-se. O género, que, na sua origem era polifónico e vocal passou a poder ser também monódico (uma só voz) e a dar papel de relevo aos instrumentos, que deixam de providenciar apenas uma discreta ornamentação ou de assegurarem o baixo contínuo para partilharem o protagonismo com as vozes. No VII Livro convivem madrigais em vários estilos e até o ballo “Tirsi e Clori”, um bailado cantado.

[“Con Che Soavità”, por Jennifer Ellis Kampani (soprano) e Voices of Music]

Scherzi Musicali (1632)

É bom lembrar que a música profana de Monteverdi não se cingiu aos livros de madrigais: em 1607 e 1632 fez publicar duas colecções de Scherzi Musicali. Embora o título possa ser traduzido como “Brincadeiras Musicais”, não devem ser subestimadas pois são peças tão inspiradas e sofisticadas como os madrigais e “Zefiro Torna” conta-se mesmo entre os cumes da arte de Monteverdi.

[“Zefiro Torna”, por Gianpaolo Fagotto e Luca Dordolo (tenores) e Il Complesso Barocco, dirigido por Alan Curtis (Virgin Classics/Erato). Esta mesma peça voltaria a surgir no IX Livro de Madrigais, compilado, algo atabalhoadamente, oito anos após a morte do compositor pelo editor veneziano Alessandro Vincenti]

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VIII Livro de Madrigais (1638)

O VIII Livro, que compila obras compostas num período alargado, vai ainda mais longe do que o VII na ousadia e no desprezo pelas convenções: madrigal é agora aquilo que Monteverdi bem entender. Entre os seus muito tesouros está “Il Combattimento di Tancredi e Clorinda”, uma mini-ópera estreada em 1624 e que possui uma intensidade e um dramatismo inauditos.

O VIII Livro divide-se entre “madrigais guerreiros” e “madrigais amorosos”, embora as “guerras” de que tratam os primeiros acabem por ser as guerras amorosas. É o caso de “Gira el Nemico, Insidioso Amore”: “O inimigo, o insidioso amor/ Sitia a fortaleza do meu coração/ Depressa, que ele já está perto/ Às armas!// Não o deixemos acercar-se/ nem transpor a fraca muralha/ Façamos uma surtida/ Todos a cavalo!”. São, porém, vãos os esforços do sitiado: “É demasiado tarde, ai de mim, pois de um só golpe/ Ele fez-se senhor do meu coração”.

[“Gira el Nemico, Insidioso Amore”, por Claudio Cavina (contratenor), Luca Dordolo (tenor), Salvo Vitale (baixo) e La Venexiana, dirigidos por Claudio Cavina, ao vivo no festival Lavaux Classic 2011.

Il Ritorno d’Ulisse in Patria (1640)

Estreada em Veneza no Teatro Santi Giovanni e Paolo. O libreto provém da parte final da Odisseia e narra o regresso de Ulisses a casa, em Ítaca, após dez anos de aventuras, derivas e contratempos. Por esta altura a ópera deixara de ser exclusivamente um sumptuoso entretenimento de corte e tornara-se num empreendimento comercial e Veneza era então o mais fervilhante centro operático da Europa.

[“Superbo È l’Uom”, por Hans Franzen (Nettuno) e o Monteverdi Ensemble, dirigido por Nikolaus Harnoncourt, com encenação de Jean-Pierre Ponnelle (DVD Unitel). Neptuno protesta junto de Júpiter por os feácios terem ajudado o seu inimigo Ulisses, depositando o seu corpo adormecido numa praia de Ítaca; Júpiter dá-lhe razão e concede-lhe o direito de se vingar: na cena seguinte (não incluída neste excerto) os marinheiros feácios exaltam o livre arbítrio do homem quando são subitamente transformados por Neptuno em pedra, juntamente com o seu navio]

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Selva Morale e Spirituale (1641)

Nesta colecção, que contém cerca de quatro horas de música em diversos registos e para variadas combinações de vozes e instrumentos, Monteverdi reuniu a nata da música sacra que compôs para a catedral de S. Marcos desde 1613.

[“Pianto della Madonna”, por Bernarda Fink (mezzo-soprano, Vittorio Ghielmi (viola da gamba) e Luca Pianca (tiorba). Para Monteverdi o que importava era a expressão das emoções humanas e as fronteiras entre música sacra e profana pouco lhe importavam: a música este “Pianto della Madonna”, em que Maria exprime a sua dor perante a crucifixão de Jesus, servira, em 1608, para exprimir a desolação de Ariana ao ver-se abandonada por Teseu, em L’Arianna, a segunda ópera que Monteverdi compôs para a corte de Mântua. Infelizmente, a ópera perdeu-se e só restou o fragmento conhecido como “Lamento d’Arianna”, por Monteverdi o ter publicado separadamente em 1623. O compositor tinha a peça em grande apreço, pois retrabalhou-a como madrigal a cinco vozes em 1614 e como “Pianto della Madonna” em 1641]

L’Incoronazione di Poppea (1642)

Os libretos das primeiras décadas da história da ópera usaram como matéria-prima a mitologia greco-romana. L’Incoronazione di Poppea (1642) foi a primeira ópera sobre um tema histórico: apesar de estar casado com Octávia, o imperador romano Nero apaixonou-se a tal ponto por Sabina Popeia, esposa do seu amigo Otão, que não hesitou em renegar Octávia (alegando que ela era infértil) e em forçar Otão a divorciar-se de Popeia (e para remover o ex-marido de Roma, nomeou-o governador de uma província distante: a Lusitânia).

[Excertos da versão dirigida por René Jacobs no Festival de Schwetzingen de 1993, com Patricia Schumann (Poppea), Richard Croft (Nerone), Kathleen Kuhlmann (Ottavia), Jeffrey Gall (Ottone) e o Concerto Köln, encenação de Michael Hampe (DVD Naxos)]

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