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André Henriques
©Melissa VieiraAndré Henriques

André Henriques: “Este disco é um óvni”

‘Cajarana’, a estreia a solo do vocalista dos Linda Martini, é um disco feito sem olhar para trás. Falámos com André Henriques sobre esta viagem.

Escrito por
Tiago Neto
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Dizem-nos que um curso superior é importante, que formar família é imprescindível, que o trabalho não é condenação se gostarmos do que fazemos. Mas se temos um curso, um emprego, uma família, se em todos os aspectos somos o tijolo perfeito de um enorme muro social, então, por que haveríamos de querer fazer tremer as fundações?

André Henriques fê-lo; a medo, deixou o trabalho na área da consultoria, em grande medida pelo que sempre esteve do outro lado da porta, a música. “Ao fim de uns anos começas a pensar se mereces mais vinte e tal anos daquilo até te reformares, ou se os teus filhos merecem que chegues a casa infeliz e sem vontade de ir trabalhar na segunda-feira. O que fiz foi um risco do caraças mas foi mesmo aquela coisa de ‘vou saltar’. Olhar ao espelho e perceber que não posso fazer uma coisa que me deixa infeliz.”

Cajarana, título do disco e alcunha de infância, é o seu primeiro álbum fora dos Linda Martini, chegou em Março e está voltado para uma imagem sem necessidade de representação de outros. A família, a música, os dias cabem todos na escrita, crus, como um diário. “Sempre fui muito observador, gosto de estar na mesa do café e de encontrar no quotidiano coisas mundanas em que a maioria não consegue ver beleza. Gosto de pegar nisso.”

No grupo, diz, há sempre uma preocupação, mesmo que inconsciente, de ser a voz do todo. “Com o meu nome estampado na bolacha não há disso.” A falta dos companheiros assustou-o mas, contas feitas, resultou num disco mais pessoal, mais exposto. “Os meus filhos, a ideia de trabalho. Porque não tenho essa preocupação de representar outras pessoas.”

Deu-se um reencontro com os muitos Andrés que tem dentro. Ele, que se dilui na banda, que escreve para outros intérpretes, tinha agora pela frente um livro em branco, com duas canções de sobra atadas às páginas, sem saber o que lhes fazer. “Tinha acabado de responder a umas quantas encomendas e fiquei com duas canções, a ‘Platão Pediu Um Gin’ e a ‘Para Me Aleijar’. Pela primeira vez, olhei para elas e pensei ‘não faz muito sentido levar já isto para o contexto de banda’ e ao mesmo tempo foi aquela vontade de ‘e se fosse eu a cantar?’”. Foi o rastilho. Daí em diante, aconteceu tudo sem retrovisor.

A ajudá-lo esteve o brasileiro Ricardo Dias Gomes, que já havia trabalhado com Caetano Veloso e a quem agradece. “A cena com o Ricardo surgiu porque percebi logo a ideia de não querer ser o cantor romântico a apelar ao coração das quarentonas para fazer música triste com acordes menores. Não me apetecia isso, cair naquele lugar comum de um gajo e uma viola. Queria ter alguém que tocasse coisas que não toco, instrumentos de teclas, sintetizadores, mas também alguém que me ajudasse na fase de registar as canções de forma mais profissional.”

O resultado foi um conjunto de 12 faixas, bordadas com simplicidade mas não necessariamente limpas. Em “Pai e Mãe e Bichos”, por exemplo, ecoa: “quem pode ser livre se domesticar os sonhos”. Mas não é assim a realidade? “Sim, foi o que fiz muitos anos. Não me permitia fazer coisas que queria fazer por questões financeiras, familiares, âncoras que vais semeando ao longo da vida. Essa canção e a ‘Casa na Praia’ falam muito sobre o facto de trabalhar em consultoria e recursos humanos tantos anos e, se foi a música que me balançou, também foi ela que acabou por ter peso para sair.” E a faixa de abertura, “Espelho Meu”, é quase uma síntese do músico, um elogio à forma como o que não está planeado pode florescer.

Cajarana pode não ser o disco que os fãs de Linda Martini carregam ao peito, pode não ser consensual dentro da indústria, mas tem coragem. “Este disco é um óvni. Fiz isto em dois meses sem olhar para trás, ou seja, a canção estava feita, vamos para a próxima. Foi um exercício diferente e eu sou um gajo ansioso. Quando me meto numa coisa, fico absorvido. Às vezes sou um chato do caraças com quem gravita à minha volta. Foi uma coisa meio toca e foge. Preciso de deixar marinar, que os outros o ouçam, que as pessoas escrevam sobre ele”. Mas o precedente, esse, já está aberto. “Não sei se vai ter mais discos dentro, mas é uma coisa gira.”

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Dedilhares, riffs intercalados a voz, apontamentos suaves na bateria, ajustes a tempos e a deixas e o silêncio do recomeço, ainda a quente. A mecânica dos Linda Martini na pequena sala de ensaios do Haus, o estúdio em Santa Apolónia que serve de laboratório também a Paus, Capitão Fausto ou You Can’t Win Charlie Brown, é semelhante a um Rorschach sem guia; cada pequeno nada serve para construir os momentos que, ao vivo, podem valer tudo.

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