Sean Riley w/ The Legendary Tigerman
Mariana Valle LimaSean Riley w/ The Legendary Tigerman
Mariana Valle Lima

As canções andaluzas de Sean Riley (e The Legendary Tigerman)

Em Novembro passado, Sean Riley e The Legendary Tigerman foram à Andaluzia. De recuerdo, trouxeram um disco que lembra os primórdios de Sean Riley & The Slowriders.

Luís Filipe Rodrigues
Publicidade

Afonso Rodrigues, o cantor, compositor e líder de banda que conhecemos como Sean Riley, e Paulo Furtado, o carismático rockeiro com coração de bluesman que veste a pele de The Legendary Tigerman, são amigos de longa data. Uma amizade que, em 2018, se traduziu em California, o primeiro disco a solo de Sean Riley, gravado por Paulo Furtado durante uma road trip que ambos fizeram por aquele estado americano, e que agora voltou a dar-nos um disco-viagem, Andaluzia, nascido em plena pandemia no sul de Espanha. 

Desta vez, Furtado não foi apenas produtor. Fez os arranjos, tocou em todas as faixas e, por isso, o nome do seu alter-ego felino surge na capa do disco – primeiro Sean Riley, claro, em letras maiores; depois “w/ The Legendary Tigerman”, em letras mais pequenas. E, também por isso, Paulo quer tocar estas canções ao vivo com Afonso sempre que a agenda o permita. Sabe, porém, que não vai ser fácil. É um homem ocupado. Por exemplo, esta quinta-feira, na ZDB, The Legendary Tigerman não vai poder subir ao palco, porque tem outro concerto marcado. Mas na próxima quinta, 2 de Junho, no Passos Manuel (Porto), talvez se junte a Sean Riley – não sabe ainda, mas “gostava muito”.

O teu primeiro disco a solo foi gravado na Califórnia, durante uma road trip com o Paulo Furtado. Agora fizeram um disco na Andaluzia. Porque decidiram ir para lá?
Afonso Rodrigues: Na verdade, a minha primeira proposta até foi Tânger. Porque o disco dos Estados Unidos estava muito ligado à beat generation, pelo facto de ser uma coisa on the road, pelo itinerário que fizemos, e pela própria temática. Até temos um excerto de um poema do Allen Ginsberg. E Tânger foi também um ponto de passagem para a beat generation. E um sítio icónico da cultura.

O [William] Burroughs foge para lá depois de matar a mulher.
AR: Certo. E assim havia uma espécie de linha histórica, de continuidade do projecto. Mas depois estávamos em pandemia ainda. E o Furtado conhecia algumas pessoas que tinham feito viagens e produções em Marrocos e disseram que estava complicado viajar para lá. Não podíamos ir de carro, tínhamos de ir de avião.
Paulo Furtado: Especialmente com material, era muito complicado entrar e sair.
AR: Era muita confusão, e nós queríamos era descanso. Já tínhamos muitos problemas na cabeça. Então começámos à procura de casas no sul de Espanha, e apaixonámo-nos por uma antiga barraca de pescadores que foi renovada para Airbnb, as you do em 2022. Achámos que aquilo era a cara do projecto, metemo-nos no carro e fomos para lá.

Para onde, exactamente? 
AR: Para Matalascañas.

Estiveram lá quanto tempo? 
AR: Estivemos no total quatro dias, salvo erro. Em Novembro.
PF: Três dias, vá. Chegámos numa sexta-feira à noite, já quase de madrugada.
AR: E voltámos numa segunda. Três dias, ya.

Foi muito diferente do que fizeram na Califórnia, portanto. Da outra vez estavam a gravar em motéis, ali estiveram sempre na casinha, quase como num estúdio.
AR: Foi completamente diferente, mesmo do ponto de vista técnico. O Furtado foi para os Estados Unidos com o estúdio num trolley, um setup extremamente reduzido. Desta vez, chegámos a uma casa minúscula, montámos o estúdio e ele ficou montado.

Quão minúscula?
AR: Não sei. Talvez 30 metros quadrados.
PF: Era um T0. Tinha uma mezzanine, onde estava a cama onde [o Afonso] dormia, e depois tinha a kitchenette em baixo, onde eu dormia. Basicamente, tinha o estúdio montado aos pés da cama.

Vi fotos desse “estúdio” no Instagram.
PF: Aquilo era levantar à vampiro e começar a trabalhar. Mas sim, o pressuposto era um bocadinho diferente. Da outra vez, só gravei. Aqui a ideia era fazer arranjos por cima do que o Afonso tinha feito, ou em diálogo com o que ele tinha feito. E na realidade acabei por levar muitas coisas. Synths analógicos, modulares... Misturar um bocadinho linguagens que achei que podiam servir as canções do Afonso. Não fizemos muita coisa a nível de arranjos antes, porque queria reagir, na hora, ao local e aos takes e ao que o Afonso estava a fazer.

O Afonso levou as canções prontas para lá, ou foram feitas durante a residência? 
AR: Foram prontas. Quer dizer, foram prontas do meu lado: tudo o que era estruturas de canções, acordes e letras. Acho que só houve uma letra que fechei lá, que foi a da última música do EP, a “Randomly”. A parte dele é que não ia absolutamente nada definida. Gravávamos uma música e a seguir ele começava a trabalhar os arranjos.
PF: Quando estava a fazer estes arranjos, pensei muito no início de Slowriders. Não por querer voltar atrás de alguma maneira, porque não foi o que aconteceu, nem a sonoridade do disco tem nada a ver com isso. Mas tentei recuperar uma coisa que acontecia ao início, que era haver mais espaço para a voz e para a guitarra do Afonso, algo que gradualmente foi desaparecendo. E bem, e sempre em direcções muito fixes. Mas sentia a falta disso.

Dizes que não tem nada a ver com o início de Slowriders, mas por acaso uma das primeiras coisas que o EP me lembrou foi o Farewell, de 2007, o primeiro disco deles.
PF: Provavelmente é por haver mais espaço para a voz e para a guitarra, como digo. Uma aparente simplicidade. Quis fazer arranjos que fossem densos e que acrescentassem algo à música, mas que ao mesmo tempo fossem discretos o suficiente para quase pensares que eles não estão lá, que aquilo é só a voz e a guitarra do Afonso. Foi isso que guiou a escolha da instrumentação e da própria harmonia que depois fiz em torno da voz e da guitarra.

Como é que a Andaluzia afectou este disco? Se tem sido gravado, sei lá, na Penha de França, achas era igual?
PF: Acho que não. Até porque, no sítio onde estávamos, em todos os microfones, o mar e o vento entravam sempre que o Afonso fazia um take.

Na última faixa, por exemplo, isso ouve-se muito.
PF: E entre faixas. Porque no final ficámos a gravar durante talvez duas horas. Enquanto arrumávamos as coisas, pusemos os microfones lá fora. Depois fui ouvir e achei que queria também captar o som lá de dentro. E ficámos ali mais meia-hora em silêncio, enquanto se gravava o mar e o vento e as pessoas a andar na praia e tudo isso. Portanto, eu acho que o sítio acabou por influenciar muito [o disco]. Até nos arranjos. Construí as coisas quase como se fossem ondas que vão entrando e saindo e isso dialoga muito com o local onde estávamos. Se fôssemos para outro sítio qualquer, para uma montanha ou qualquer coisa, se calhar o tipo de arranjos teria sido diferente. Aliás, tenho a certeza absoluta disso.

Mais conversa afinada

  • Música

Benefício da Dúvida, o quarto registo a solo de Maria Reis, entre mini-álbuns e EPs, é o mais recente marco de uma carreira que não dá sinais de perder o fôlego, a inventividade, a relevância. Houve quem lhe chamasse um “álbum pós-traumático”, antes sequer de o podermos ouvir. Não é exactamente isso que as suas sete canções revelam, mas foi feito no limite, e até possivelmente à beira de um burnout que ficou por diagnosticar. “Estava a sentir bastante a pressão.”

  • Música

Pete Kember, mais conhecido por Sonic Boom, é um nome histórico do rock e da música experimental anglo-americana. Ainda não tínhamos falado com ele desde que veio viver para Portugal há meia dúzia de anos – a última conversa com a Time Out foi em 2014 – e aproveitámos uma actuação em Lisboa para dar dois dedos de conversa. Pete parece entusiasmado com um novo projecto, que define como uma espécie de clube social, e vai ocupar o espaço do Santo, um restaurante na Praia das Maçãs, duas vezes por mês.

Publicidade
  • Música

Rui Carvalho, o músico que se auto-intitula Filho da Mãe, passou a última década a dedilhar uma guitarra acústica. Mas as suas escolas foram o rock, o punk, o hardcore, e a guitarra eléctrica foi o primeiro instrumento que o ouvimos tocar, em bandas como If Lucy Fell ou I Had Plans. No seu novo disco, Terra Dormente, além da guitarra clássica, voltou a pegar na eléctrica – e, simultaneamente, começou a segurar o mesmo instrumento em Linda Martini. Falámos sobre os “dois mundos” em que caminhou e gravou nos últimos dois anos.

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade