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Glassjaw: "Continuamos irritados, talvez mais do que nunca"

Os Glassjaw vão finalmente estrear-se em Lisboa no domingo. Falámos com o vocalista Daryl Palumbo.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Os Glassjaw foram uma das mais destacadas bandas da cena pós-hardcore dos anos 2000. Mas nunca tinham tocado em Lisboa. Até agora. Domingo sobem ao palco do Lisboa Ao Vivo, e antes quisemos falar com o vocalista Daryl Palumbo sobre o mais recente álbum, Material Control, sobre os discos que vieram antes e sobre a forma como encaram hoje o que escreveram quando eram mais novos, incluindo algumas letras mais misóginas do álbum de estreia, Everything You Ever Wanted to Know About Silence, de 2000.

O vosso terceiro álbum, Material Control, saiu finalmente em 2017, mas vocês andavam a falar nele desde 2007. Estiveram estes anos todos a trabalhar no disco?
Não, de todo. Escrevemos quase tudo pouco antes de começarmos a gravar, há coisa de três anos. As canções foram ganham forma ao longo de uns meses, quando eu e o Justin [Beck, o guitarrista e o único outro membro permanente do grupo] nos encontrávamos para tocar aos fins-de-semana. Não há nada no disco que não tenha aparecido nessa altura.

Não é bem assim. A “Citizen”, por exemplo, é uma canção muito antiga. Lembro-me de vocês a tocarem há mais de 15 anos, quando ainda se chamava "Neo Tokyon".
Tens alguma razão. As letras são as mesmas, se bem que instrumentalmente esta versão é diferente daquela que tocávamos em meados dos anos 2000. É mais directa.

Passaram-se 15 anos entre a edição do Worship and Tribute, em 2002, e a chegada do Material Control. Se não estiveram a trabalho no disco o que andaram fazer?
Gravámos alguns EPs e demos concertos. Como não tínhamos uma editora nem nada disso muitas pessoas não se aperceberam do que andávamos a fazer, porém estivemos sempre ocupados. E também desenvolvemos alguns projectos paralelos.

O vosso primeiro álbum, Everything You Ever Wanted To Know About Silence, era um disco de separação, que vinha na ressaca de uma ou mais relações. O segundo era sobre o 11 de Setembro e as suas consequências imediatas. Qual dirias que é o tema central do Material Control?
Diria que não tem um tema central. Acho que, quando és mais novo, te deixas influenciar muito pelo que se passa à tua volta. Especialmente quando és um tipo criativo, como eu ou o Justin. Talvez por isso, os primeiro discos reflectem mais aquilo por que estávamos a passar na altura em que os gravámos. São quase como um anuário do liceu ou um álbum de fotografias desse período. Mas agora somos mais velhos. Eu tenho 40 anos e o Justin faz 40 este ano, por isso a nossa vida tem outras nuances. Se houver um tema central é capaz de ser precisamente o facto de estarmos mais velhos e mais sensatos. O que não quer dizer que o disco seja menos violento e imediato. Basta ouvi-lo para perceber que continuamos irritados, talvez mais do que nunca.

O que é que te irrita agora?
Ui. Não sei se quero responder a isto. Tenho medo de soar mesquinho, porque na verdade não tenho grandes razões para estar irritado e não quero parecer um velho resmungão como o Woody Allen ou assim. Mas irritam-me as mesmas coisas que irritam toda a gente: a desigualdade, o racismo, o ódio, o preconceito, as guerras sem fim em que estamos envolvidos. Tudo o que o meu presidente faz irrita-me. Sei que isto é tudo um bocado óbvio, no entanto não tenho mesmo uma resposta melhor para te dar. Desculpa.

Quem é que vai aos concertos dos Glassjaw? É o pessoal que vos ouvia há 15 ou 20 anos e cresceu com a banda, ou também há malta mais nova?
Acho que há de tudo, mas não tenho a certeza. Nunca deixámos de tocar, e sempre vi pessoas com um ar jovem nos concertos. Se calhar é pessoal mais velho, mas que ainda parece jovem [risos]. Continuamos a ter muito mosh nos nossos concertos.

Vocês praticamente já não tocam canções do Everything You Ever Wanted To Know About Silence. Porquê?
Porque são velhas. E nós somos mais velhos. Acho que não fazem sentido ao lado do material mais recente. Evoluímos muito musicalmente. E é claro que liricamente essas canções não reflectem aquilo em que acreditamos nem o que defendemos hoje. Dizia coisas muito estúpidas e misóginas. Era tudo meio teatral, e não acreditava verdadeiramente naquilo, mas agora então não me revejo mesmo nas coisas que cantava. Cresci enquanto pessoa e a minha vida mudou. Hoje sou mais maduro, sou um pai. Fico mesmo irritado com misoginia e com o sexismo em geral.

Imagino que tenham muitas fãs femininas que cresceram a ouvir o Everything You Ever Wanted To Know About Silence sem questionarem o quão erradas eram certas letras, e hoje se sintam desconfortáveis com aquilo.
Claro. É como te digo, cantava muitas coisas parvas e imaturas. Hoje eu – e uso a palavra “eu” porque fui eu que escrevi aquelas letras – sei que estava a dizer coisas estúpidas. Muitas das pessoas que me ouviam eram adolescentes, eram ainda muito novas, e talvez não se apercebessem do quão errado aquilo era. Era paleio de rapazinho ignorante, era lixo. Espero que as raparigas que ouviram aquilo, agora que são mais velhas, pensem e digam que eu era um animal. Porque é verdade. Eu mereço isso.

Estou a ver que tu próprio te sentes desconfortável com isto.
Não me sinto desconfortável. Disse aquilo, e tenho de assumi-lo. Só que agora não me identifico com aquele disco e acho que as pessoas não devem falar como eu falava. Nem a brincar. Hoje nunca o faria. Porque não deves falar assim de uma pessoa, não deves dizer coisas horríveis sobre raparigas. Escrevi coisas que hoje nem sequer me consigo imaginar a sentir, contudo a verdade é que as escrevi e partilhei com as pessoas, e elas cresceram a ouvir essas merdas. Nunca pensei no futuro e em como é que isso podia afectá-las mais tarde. Não era muito inteligente. E hoje acho que sou. Ou pelo menos tenho outra noção das coisas.

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