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Mísia: “Hoje já sei que pertenço à família dos que não pertencem”

‘Animal Sentimental’ é um projecto autobiográfico que se explica em onze canções. Mísia fala de todas elas, uma por uma.

Escrito por
João Pedro Oliveira
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Diz que decidiu escrever a partir da cicatriz. Não para esconder feridas, que não hesita em falar delas. Apenas para não atropelar outros de caminho e chegar a um lugar mais sereno para si. A vida pessoal e artística, as aventuras e os amores, o fado, os poetas, as dores, o desencontro com o país que escolheu mas onde sente que nunca foi escolhida, a doença que fez da morte um tema obsessivo em vida – tudo isso será tema do livro autobiográfico a editar no início de Junho e onde cada capítulo está indexado a uma música deste disco. Chama-se Animal Sentimental, assinala 30 anos de carreira de Mísia e soa a balanço dos 66 anos de vida de Susana Maria Alfonso de Aguiar. Os arranjos e a direcção musical são de Ricardo Dias, a produção é do alemão Wolf-Dieter Karwatky, engenheiro de som com seis Grammys no currículo, e a capa é um retrato assinado pela pintora francesa Anne-Sophie Tschiegg. Nesta entrevista, limitamo-nos a seguir o alinhamento, canção por canção, para tentar decifrar o projecto maior, feito de várias peças, incluindo um espectáculo único com cenografia de Tiago Torres da Silva, esta sexta-feira, 27 de Maio, no Museu do Oriente. O resto é conversa que vai acontecendo.

1. Vou Pedir-te Um Coração

Letra: Tiago Torres da Silva / Música: Fado Perseguição

Podia ser dedicada ao público. Há certas coisas que não são tão evidentes quanto parecem à partida, não é? Vou pedir-te um coração, vou pedir-te que sejas sensível, vou pedir-te que sintas. Todo este projecto está à volta do sentimento, do Animal Sentimental, do que sentir significou para mim, uma espécie de ferramenta para viver. E daí este poema do Tiago Torres da Silva, sobre um fado tradicional tocado com piano, como se usava tocar o fado nos salões… Essa ideia forte, “Vou pedir-te um coração/ O meu caiu-me no chão/ E quebrou-se em mil pedaços (...)/ Tinha a forma dos teus braços”. O Tiago faz estas metáforas lindas. É uma invocação à capacidade de sentir dos outros.

De pedir que a compreendam?
Não é bem isso…

Deixe-me perguntar de outra maneira. Lembro-me de a ouvir lamentar que a sua carreira tivesse trilhado caminhos inéditos, indo onde só a Amália antes tinha ido, sem que isso se soubesse cá. Sente que não se fez justiça à sua carreira?
[Pausa] Não era nada contra mim, sei disso. Era outro tempo, a comunicação não era a que é hoje. Mas o meu coração sofreu bastante nessas alturas. Às vezes penso que com as minhas escolhas poéticas, estéticas, éticas e outras que fiz, até tenho muito público. Mas sim, houve uma altura em que sofri, porque havia um contraste enorme entre o êxito estrondoso que tinha lá fora, numa altura em que não havia internet, nem o fado estava na moda, não era património, não havia interesse sobre o que uma senhora andava a fazer sozinha com dois guitarristas pelo mundo. E não andava a cantar “Uma Casa Portuguesa” – com todo o respeito pelo tema – andava a cantar Saramago, Lobo Antunes, coisas que eram difíceis para o público estrangeiro. E aqui era uma falência. Não por culpa do público, mas porque não havia divulgação, não havia agentes que quisessem contratar concertos meus. Eu nunca encarei a minha vinda para Portugal desde Espanha como uma decisão profissional. Encarei-a como uma decisão afectiva, de pertença. Repare, não me sinto vítima, porque eu sempre fiz o que queria. Mas nesse tempo aquilo magoava-me mesmo.

Hoje já não?
Hoje em dia não, que eu já sei que pertenço à família dos que não pertencem [riso]. Já não sofro com isso, nem me permitiria a mim mesma sofrer com isso. Tenho outras coisas mais importantes, não tenho tempo para sofrer com isso.

2. Qué He Sacado Con Quererte?

Letra e Música: Violeta Parra

É uma pergunta que eu poderia fazer a todos os meus erros de casting. E foram bastantes. É um tema da grande Violeta Parra, um tema, digamos, romântico, sentimental. Cantei-o pela primeira vez em Buenos Aires. É um tema que, no livro, está indexado ao capítulo dos amores, que é um capítulo – e eu acho isto cómico – que é curto. Para uma fadista é curto. Porque eu decidi que este livro… estive muito tempo para o escrever, e depois de decidir escrevê-lo estive muito tempo em conflito: saber se ia escrever desde a ferida aberta, com os dramas suculentos, sórdidos, que vão criar voyeurismo – porque há motivos para isso –, ou se ia escrever desde a cicatriz. Decidi escrever desde a cicatriz.

“Havia um contraste enorme entre o êxito estrondoso que tinha lá fora, numa altura em que não havia internet, nem o fado estava na moda, não era património, não havia interesse. E aqui era uma falência.”

Quis resguardar-se?
Não tanto a mim.

Implicava outras pessoas…
Exacto. E pessoas mortas, pai, mãe… não sei porquê… são pessoas de quem eu gosto, mas nem sequer foram um exemplo de pai ou um exemplo de mãe. Sou filha de dois forinhas que nunca garantiram nenhuma segurança, nada… Mas não sou capaz de fazer isso. Não consigo quebrar esse elo que tenho com eles, de uma certa lealdade. Então escrevi a partir da cicatriz.

Mas e sobre os outros amores, resguardou-se?
Para falar dos meus amores, falei de episódios, alguns cómicos. Não falei de coisas sórdidas... excepto no caso do marido. Não dou nomes a ninguém: é o marido, o cantor, o fotógrafo, o intelectual… E no caso do marido sou mais concreta, porque houve violência doméstica, violência física. Achei que o meu caso poderia talvez ajudar alguém. Não é mais do que isso, apenas contar como reagi, como foi… mas é sempre história contada a partir da cicatriz.

Essa violência já cicatrizou?
Ah, sim! Nem sequer é das questões mais importantes da minha vida, não, não… eu venho de uma matriz assim, de drama, espanhola, a minha mãe e a minha avó eram ambas espanholas, portanto eu tenho assim um drama vivido à espanhola, que é muito mais expressivo que o drama português, que é mais secreto, escondido… a canção seguinte é…

3. As Palavras Vestem Luto

Letra: Tiago Torres da Silva / Música: Fado Zé António, de José António Sabrosa

O Tiago diz que eu sou a musa das musas e acho que ele não poderia ter escrito este poema a mais ninguém. Corresponde a um capítulo no livro onde eu falo de uma doença. Só falo aí. E este tema começa da morte. “É da morte que te escrevo/ (...) É da morte que te falo/ (...) que te escuto/ (...) que te canto”. Todas as passagens partem da morte. Estou a falar desde a morte e tem a ver com isso, com a morte que ficou para sempre ao meu lado, depois dessa doença, e que estará sempre aí. Está ao lado de todos nós, mas ainda bem que nem todas as pessoas têm de pensar nisso todos os dias como eu, que é o primeiro pensamento ao acordar.

A morte tornou-se central na sua vida?
Completamente. Ocupa muito espaço. Mas tem vindo a ocupar de diferentes maneiras.

Estamos a falar de uma doença oncológica. A pergunta aqui é inevitável: como é que a Mísia está?
Eu no livro não digo como estou, realmente. Falo daquilo porque passei. Como estou…? Estou viva! O que já é muito no meu caso. E este poema do Tiago permite-me dizer o que quero dizer.

4. Dança de Mágoas

Letra: Fernando Pessoa / Música: Mário Pacheco

Neste disco há vários poemas que foram retomados em músicas diferentes e com arranjos diferentes. O “Dança de Mágoas”, que eu tinha cantado no disco Garras dos Sentidos, aqui surge cantado numa outra música de fado e com um arranjo completamente diferente. É um dos trabalhos que eu faço neste disco, olhar para trás. É como se eu fosse um ceramista que faz uma peça, que a acha muito bonita, mas que depois a parte e com os cacos torna a fazer outra.

Que tipo de peça quis fazer aqui?
Uma peça tranquila. Quase como um lago. Só que depois há profundidade no lago, há mais do que se vê à superfície. É diferente do disco anterior [Pura Vida, 2019], que é um disco cheio de energia, de quando eu julgava que tinha vencido tudo, que o mal já tinha passado e que estava de volta para a vida… achei uma coisa que não era, pronto, a vida traz surpresas. Este é um disco de calma, de aceitar as coisas que não se podem mudar.


5. Da Vida Quero os Sinais

Letra: Mário Cláudio / Música: Fado Tango, de Joaquim Campos da Silva

O Mário Cláudio escreveu isso para o Garras dos Sentidos [disco de 1998]. Parecendo triste, é um poema que fala de vida. “Da vida quero os sinais/ De uma gaivota na areia/ O aroma dos laranjais/ E a morte em que durar mais/ O amor sem eira nem beira”... é lindo! Este poema ficou colado à minha pele desde a primeira vez que o li. E agora decidi cantá-lo com outro arranjo, só com piano e voz, mais calmo… eu não estou preocupada em mostrar se tenho voz, em mostrar se sou fadista… aquelas preocupações que eu podia ter antes desapareceram, já não tenho nada a provar, já fiz quase tudo o que tinha a fazer. Este tema fala disso.

Em 2016 já tinha feito Do Primeiro Fado ao Último Tango, um disco que apresentou como um auto-retrato de 25 anos de carreira. Agora tem este projecto, com uma declarada intenção autobiográfica. Sente a urgência de fixar a sua história?
É uma coisa que me acontece… é mais visto de fora do que dentro. Há um crítico francês, que hoje é meu amigo, e que segue a minha carreira desde o início, que fez um comentário depois do Pura Vida: “Mísia já não canta o fado, canta a sua vida.” Ora, havia uma coisa que eu proclamava antes, a ideia que eu não chorava as minhas lágrimas, essas chorava-as na cozinha, e que quando ia para o palco procurava qualquer coisa mais transcendental com o público. Mas desde que em 2016 me caiu aquele Boeing 747 na cabeça, e que tive esse encontro com outro lado da vida, que eu não consigo evitar a contaminação. Estes últimos discos estão muito ligados ao que eu estou a viver no momento. Por isso tornam-se autobiográficos, claro. E há muitas maneiras de se olhar para uma autobiografia.

6. E Se a Morte Me Despisse

Letra: Natália Correia / Música: Fado Hilário, de Augusto Hilário

É outro poema que eu também já cantei noutro disco. Pego num fado de Coimbra, muito masculino, e canto um poema da Natália Correia. Já tinha cantado neste mesmo fado um poema da Florbela Espanca. Gosto muito desse tema porque é a primeira vez que gravo com guitarristas de Coimbra. É uma energia musical diferente do resto.

Está sempre a remeter para os discos anteriores. Nos últimos 30 anos editou 15. É um ritmo impressionante.
Sim, consegui, nem sei como [riso]. Às vezes olho para trás e não percebo como consegui trabalhar tanto. Sobretudo porque fui fazendo projectos paralelos. O Maria de Buenos Aires [peça de teatro musical], do Piazzolla, aqui no São Carlos [2007]; A História do Soldado, de Stravinsky, no Festival el Grec [Barcelona, 2008]; Os Sete Pecados Capitais, do Kurt Weill e do Bertold Brecht, em Munique [2007]; a participação no filme do John Turturro [Passione, 2010]; um projecto que se chamava Saudades Sinfónicas, com uma orquestra sinfónica [também 2007]. Portanto, fui fazendo muitas outras coisas ao mesmo tempo.

7. De Alguna Manera

Letra e Música: Luis Eduardo Aute

Também já tinha cantado isso no segundo disco, que foi produzido pelo Vitorino. Eu tinha uma relação pessoal e de grande carinho por Luis Eduardo Aute, que morreu há dois anos, e esta canção está indexada ao capítulo em que eu conto como estive em Madrid na época da pós-movida, como estava atenta à evolução da nova copla, do novo flamenco, do novo tango, tudo isso. Vivia num hostal, na Porta do Sol, chegava a casa às onze da manhã, de óculos escuros, depois de tomar o pequeno-almoço num café onde às vezes estava o Almodôvar. Tive uma vida muito movida… e então decidi voltar a cantar este “De Alguna Manera”, também com um arranjo diferente.

“Eu fiz psicoterapia 15 anos e o meu psi disse-me uma vez: como é que alguém que é contratada pelo [maestro] William Christie, que é o génio da música barroca, fica preocupada por o João Braga não gostar dela?!”

Falou do Vitorino. Podia falar do Jorge Palma, da Amélia Muge… sempre andou muito ligada a cantautores, gente de fora do fado…
Eu fui a primeira pessoa que convidei a Amélia a compor sem ser para si. Depois disso ela foi muito solicitada no mundo do fado, é uma pessoa de um grande talento. E o primeiro fado que eu cantei inédito escrito para mim foi o “Liberdades Poéticas”, do Sérgio Godinho. Depois o Vitorino fez “Ciúmes de um Coração Operário”, depois o Jorge Palma fez “Algum Dia (Hás-de Ser Meu)”. Sempre procurei para o fado pessoas de universos que não eram o do fado. E quando os grandes poetas, de que temos estado a falar, e depois também os grandes cantautores, me emprestaram a sua criatividade, fiquei imbuída de uma responsabilidade. Foi aí que deixei de fazer outras piroseiras que fazia, os trabalhos alimentares, e me dediquei inteiramente ao meu caminho. Essa responsabilidade nunca mais me abandonou.

8. Fico a Cismar

Letra: Ana Carolina Costa / Música: Rodrigo Leão

O título é uma frase lindíssima do poema que eu escolhi para título. Todo o poema é muito bonito. Não é um fado. Mas o que eu fiz até agora também não foi tudo fado. É uma música – o adjectivo não se usa muito – bela. É um descanso depois de me estarem a ouvir dizer “é da morte que te falo” [riso]. Às vezes tenho medo de fazer sofrer alguém, com esta presença permanente da morte. Tenho amigos meus que já me disseram que não conseguiram ouvir o disco todo de seguida, que se comoveram com isso. Mas este é um tema bom, amável com as pessoas, luminoso. E eu estou agradecida por o terem composto e escrito especialmente para este trabalho.

Acha que, lendo o livro, onde fala, por exemplo, da doença e da relação com a morte, as pessoas vão ouvir o disco de forma diferente?
Sim, acho inevitável. Acho que isso pode criar também uma aproximação com o público português. Vai haver, espero eu, enfim esta aproximação. É uma necessidade afectiva da minha parte.

9. Valsa das Sombras

Letra: Vasco Graça Moura / Música: Gonçalo e Artur Paredes

Fazia parte do disco Canto [2003]. É um disco que eu penso reeditar, todo inspirado pela música do Carlos Paredes. É uma valsa lindíssima [no título original, “Valsa de Outros Tempos”], aqui tocada com piano e voz, muito íntimo e orgânico. E eu estou ali ao serviço do poema do Vasco Graça Moura, que era o meu poeta. Escreveu muito para mim. Andam aí pessoas a cantar coisas que foram escritas pelo Vasco Graça Moura para mim e nem sabem. Porque ele era tão prolífico… eu mandava-lhe uma frase qualquer e aquilo desenvolvia num poema. Às tantas era tanta coisa que eu não podia gravar tudo e ele publicava ou dava a outras pessoas. Mas nasciam das nossas conversas. Tinha uma colaboração muito estreita e divertida com o Vasco Graça Moura. Compreendiam-nos bem.

Teve sempre essa relação muito próxima com poetas.
Sim. Não foi nada de novo, a Amália já o tinha feito. Aliás, depois da Amália, acho que ninguém pode dizer que fez algo realmente novo. Podemos dizer que fez diferente, muito bom… Mas pronto, salvaguardando isso, sim, eu criei uma relação própria com poetas. A palavra é que me leva a cantar e por isso tenho assim alguns pontos de que me orgulho muito…

Ter um poema da Agustina Bessa-Luís, por exemplo.
Leu-me o pensamento. Ter um poema da Agustina é para mim uma coisa valiosíssima. Não é uma coisa que venda muitos discos, que dê muitos concertos, mas é algo mágico. E contributos de outros poetas também. Para mim essa é uma parte do trabalho que podia terminar já e estava feita, a colaboração com os poetas. É evidente que não vou fazer isso, mas a visão que eu tinha quando comecei, que estava relacionada com isso, está cumprida.

10. Volta Atrás

Letra: Tiago Torres da Silva / Música: Fado Cunha e Silva, de Armando Machado

É o que este disco é! [riso] Volta atrás, olha para trás… este tema foi decidido pela música, porque eu adoro-a. E quando falei desta música ao Ricardo Dias, ele disse que me ficava muito bem… então o Tiago Torres da Silva fez o poema para o Fado Cunha e Silva. Não estava programado, é a única música verdadeiramente alegre neste trabalho. É um fado daqueles picadinhos. Mas aqui faz sentido falar em conjunto com a música seguinte, o “Fado Gigante”…

Vamos a isso.

11. Fado Gigante

Letra: Lídia Jorge / Música: Fado Alexandrino, de Jaime Santos

Também é um poema inédito e faz o contraste com o fado menor que se ouviu antes. Embora a maioria das pessoas não vá perceber, que isto hoje ouvem-se os discos no telemóvel, não fazem o percurso, não se tem noção porque começa de uma maneira e acaba de outra… é nisso que estamos, música no elevador, no autocarro, no cabeleireiro. É uma banalização da música, é triste… E isto que nós estamos aqui a fazer, a olhar para um disco peça por peça, mas compreendendo-o como uma obra, é importante. Mas enfim, voltando ao fado, é uma música muito melodiosa, quase encantatória do Jaime Santos, um grande músico de fado. E o poema acaba a dizer “eu não quero um fado menor, quero um fado gigante”. Achei que era positivo acabar assim. Espero que gostem dessa ideia.

Continua à espera de aprovação.
[Riso.] Eu continuo a precisar desse encontro afectivo com o público português, reconheço. Mas já não é o mesmo. Eu vivia obcecada com essa ideia, queria que em Portugal achassem que eu era fadista. Mas isto a sério! Eu fiz psicoterapia 15 anos e o meu psi disse-me uma vez: como é que alguém que é contratada pelo [maestro] William Christie, que é o génio da música barroca, fica preocupada por o João Braga não gostar dela?! [riso]. Repare: eu não tenho qualquer problema com o João Braga, o meu problema é que não era aceite. O mais importante era a opinião da minha vizinha, não importava que eu tivesse trabalhado com a Fanny Ardant nem com a Miranda Richardson. O que eu queria mesmo era que a minha vizinha gostasse de mim.

Foi, portanto, a sua vizinha que a levou ao divã.
[Riso.] Eu precisava muito desse reconhecimento de Portugal. Voltando ao psi: Portugal, papá, mamã, era tudo o mesmo álbum de imagens. Precisava dessa validação. Foi um erro da minha parte. Nunca devia ter encarado essa falta de reconhecimento… não era pessoal, nada contra mim. Se formos a 1991 e virmos o que eu falava e o que eu dizia, é normal, as pessoas não estavam preparadas para isso nem tinham que estar. Nem é mérito meu, não foi nenhum esforço para chocar, eu era como era. Mas sinceramente, durante muito tempo as dificuldades que eu vivi foram as entrevistas…

Hoje ninguém diria.
[Riso.] Mas era. Porque me perguntavam sempre “mas como é que explica que tem tanto êxito lá fora e aqui não?”. E eu não sabia como havia de explicar sem ser queixando-me… Para dar um exemplo, eu fiz três tournées nos Estados Unidos, nos grandes auditórios das universidades, UCLA, etc. Ninguém soube. Eu fui a primeira a fazer o Womad, em Adelaide [Austrália]. Ninguém soube. Depois da Amália, fui a primeira pessoa a ter um comentário na Billboard. Idem. Mas não era nada contra mim. Hoje em dia já vejo isso com distância. Já é cicatriz, não é ferida aberta.

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