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Cinema Paradiso
Cinema Paradiso (1988)

O jazz vai ao cinema: dez versões de bandas sonoras famosas

As bandas sonoras dos clássicos do cinema têm sido fonte de inspiração para os músicos de jazz, com abordagens que vão da relativa fidelidade à completa subversão

Escrito por
José Carlos Fernandes
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O jazz vai ao cinema: 10 versões de bandas sonoras famosas

“Spartacus: Love Theme” por Ahmad Jamal

Compositor: Alex North
Filme: Spartacus (1960), de Stanley Kubrick
Álbum: Genetic Walk (1975, 20th Century)

[O original]

Spartacus está longe de ser um filme típico de Kubrick, que só foi chamado para o dirigir porque Kirk Douglas, que acumulava o papel de Spartacus com o de produtor, se incompatibilizou com o realizador Anthony Mann e o despediu ao fim de apenas uma semana de rodagem. O filme era o mais caro até então na história do cinema americano e tornou-se também um dos seus maiores êxitos de bilheteira – só seria destronado em 1977 por outra mega-produção, Aeroporto.

A banda sonora de Alex North, um compositor com experiência em Hollywood (ao longo da carreira foi nomeado para seis Oscars) não fez qualquer tentativa de reconstituir a música da Roma do século I a.C., mas incorporou grande variedade de instrumentos exóticos e um Ondioline, um precursor do sintetizador. Yusef Lateef foi um dos primeiros jazzmen a apropriar-se do “Love Theme” de Spartacus, logo em 1961, no álbum Eastern Sounds. Esta é a versão do pianista Ahmad Jamal, em trio com John Heard (contrabaixo) e Eddie Marshall (bateria) e é um raro e inspirado momento acústico no pouco feliz álbum Genetic Walk, dominado por teclados electrónicos e que resulta da colagem de várias sessões de gravação com diferentes músicos.

[A versão de Ahmad Jamal]

“Amarcord”, pelos Sex Mob

Compositor: Nino Rota
Filme: Amarcord (1973), de Federico Fellini
Álbum: Cinema, Circus & Spaghetti (2012, The Royal Potato Family)

[O original]

Os Sex Mob são um quarteto liderado pelo trompetista Steve Bernstein, com Briggan Krauss (saxofone), Tony Scherr (baixo eléctrico) e Kenny Wollesen (bateria) que, há cerca de duas décadas, se diverte a subverter êxitos do pop-rock e bandas sonoras de filmes.  Como o título completo indica, o álbum Cinema, Circus & Spaghetti: Sex Mob Plays Fellini: The Music of Nino Rota é preenchido na íntegra com composições de Rota para filmes de Fellini. Atendendo ao tipo de humor patente nos filmes de Fellini, é provável que o realizador aplaudisse as versões dos Sex Mob.

Nota: Usualmente as trompetes são de pistões e os trombones são de varas, mas há também trombones de pistões, cujo executante mais afamado, na área do jazz, terá sido Bob Brookmeyer, e trompetes de varas, que tem em Steve Bernstein um dos seus maiores virtuosos.

[“Amarcord” pelos Sex Mob, numa muito expandida e exuberante versão ao vivo no A38, Budapeste, 2016]

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“Cha Cha Cha”, por Antonio Faraò

Compositor: Carlo Rustichelli
Filme: Mamma Roma (1962), de Pier Paolo Pasolini
Álbum: Takes on Pasolini (2005, CamJazz)

[O original]

A versão do pianista italiano Antonio Faraò, com os veteranos Miroslav Vitous (contrabaixo) e Daniel Humair (bateria), remove todo o balanço e calor cubano do original, impregna-o de melancolia e converte-o em algo radicalmente diferente. Faz parte de um álbum dedicado na íntegra às bandas sonoras dos filmes de Pasolini.

[A versão de Antonio Faraò]

“Chariots of Fire: Titles”, pelos The Bad Plus

Compositor: Vangelis
Filme: Momentos de Glória (Chariots of Fire, 1981), de Hugh Hudson
Álbum: Suspicious Activity (2005, Columbia)

[O original]

A banda sonora de Vangelis já não era uma obra-prima, mas contribuía para insuflar clima épico num engomado filme britânico “baseado em factos reais”, ocorridos nos Jogos Olímpicos de 1924, que foi distinguido com quatro Oscars, um dos quais para Vangelis. Este não tentou aproximar-se da música da década de 20 e ateve-se ao muzak electrónico que era a sua imagem de marca. Não viria daqui mal ao mundo se o sucesso do filme não tivesse convertido seu tema de abertura num sucesso planetário, passando a ser usado ad nauseam como pano de fundo para anúncios televisivos, apresentação pública de produtos comerciais e entrada em cena de políticos em comícios. Os canastrões da música instrumental aproveitaram a voga e multiplicaram o mal, sobretudo através das muito difundidas e altamente tóxicas versões de The Shadows, Richard Clayderman e Zamfir.

Quando, passadas duas décadas sobre a febre Chariots of Fire, os iconoclastas The Bad Plus – Ethan Iverson (piano), Reid Anderson (contrabaixo) e Dave King (bateria) – pegaram no tema, só podia ser para o maltratar.

[A versão de The Bad Plus, ao vivo no Festival de Jazz de Newport, 2006]

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“Chinatown: Love Theme”, pelos Naked City

Compositor: Jerry Goldsmith
Filme: Chinatown (1974), de Roman Polanski
Álbum: Naked City (1989, Elektra/Nonesuch)

[O original]

O film noir estava em franca decadência em meados dos anos 70 quando Roman Polanski rodou esta brilhante actualização do género, com Jack Nicholson e Faye Dunaway nos papéis principais. A banda sonora de Jerry Goldsmith – que foi nomeada para um Oscar – recupera o ambiente do noir clássico e dá primazia à trompete de Uan Rasey.

15 anos depois, o quinteto Naked City de John Zorn apropriou-se do tema principal da banda sonora para o seu álbum de estreia, homónimo. As influências do film noir estão patentes no nome da banda, proveniente do filme realizado em 1948 por Jules Dassin, e na foto de capa de Weegee (Arthur Fellig), fotógrafo especializado em crimes e na fauna dos bas fonds nova-iorquinos das décadas de 1930 a 1950.

Os Naked City – John Zorn (saxofone), Bill Frisell (guitarra), Wayne Horvitz (teclados), Fred Frith (baixo) e Joey Baron (bateria) – tinham uma sonoridade única, que triturava e mesclava, a uma velocidade vertiginosa, hard bop, bandas sonoras de filmes, thrash metal, surf music, noise, country e grind core, numa lógica de colagem desvairada devedora das bandas sonoras de Carl Stalling para os Looney Tunes. A sua versão de “Chinatown” é atípica e representa uma ilha de calmaria num oceano de frenesim e fúria, retendo o ambiente meditativo e melancólico do original e acrescentando-lhe uma introdução ambiental.

[A versão dos Naked City]

“Cinema Paradiso”, pelo Marcin Wasilewski Trio

Compositor: Ennio Morricone
Filme: Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore
Álbum: January (2007, ECM)

[O original]

O trio formado pelos polacos Marcin Wasilewski (piano), Slawomir Kurkiewicz (contrabaixo) e Michal Miskiewicz (bateria) fez o seu tirocínio, no início do século XXI, como banda do trompetista Tomasz Stanko e estreou-se por conta própria com Trio (2004, ECM). A sua sonoridade pauta-se pela depuração, pela contenção e pelo understatement e a sua versão remove do original de Morricone as gorduras orquestrais e o excesso de ênfase, colocando em relevo a beleza da melodia. Serve também para se meditar sobre a fina linha que separa sentimento de sentimentalismo.

[A versão de Marcin Wasilewski]

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“Ecstasy of Gold”, pelos Oddjob

Compositor: Ennio Morricone
Filme: O Bom, o Mau e o Vilão (Il Buono, il Brutto, il Cattivo, 1966), de Sergio Leone
Álbum: Clint (2009, ACT)

[O original]

Os Oddjob nasceram na Suécia em 2002 e lançaram nove álbuns até à data. Clint, o quinto, é uma homenagem a Clint Eastwood e inclui peças das bandas sonoras de clássicos como O Bom, o Mau e o Vilão, Por Mais Alguns Dólares, O Justiceiro Solitário ou Dirty Harry. Os Oddjob alinham o trompetista de ascendência sérvia Goran Kajfes, o saxofonista Per “Ruskträsk” Johansson, o teclista Daniel Karlsson, o baixista Peter Foss e o baterista Janne Robertson (e têm como convidado, em “Ecstasy of Gold”, o guitarrista Johan Lindstöm).

[A versão dos Oddjob]

“Goldfinger”, por Dave Douglas’s Charms of the Nightsky

Compositor: John Barry
Filme: 007 Contra Goldfinger (Goldfinger, 1964), de Guy Hamilton
Álbum: A Thousand Evenings (2000, RCA Victor)

[O original, cantado por Shirley Bassey]

O estrepitoso e tórrido tema principal da banda sonora de John Barry para o terceiro filme da saga James Bond foi transformado numa meditação nocturna, de pungente melancolia, no segundo álbum do projecto de jazz de câmara Charms of the Nightsky, liderado pelo trompetista Dave Douglas, em associação com Guy Klucevsek (acordeão), Mark Feldman (violino) e Greg Cohen (contrabaixo). O resultado é, claro, inadequado a sonorizar qualquer filme de James Bond, mesmo que um dia ele deixe de tomar o seu martini “shaken, not stirred”.

[A versão do quarteto Charms of the Nightsky]

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“La Strada” por Enrico Rava Electric Five

Compositor: Nino Rota
Filme: La Strada (1954), de Federico Fellini
Álbum: Electric Five (1994, Soul Note)

[O original]

O “quinteto eléctrico” do trompetista Enrico Rava recebeu este nome pela presença das guitarras eléctricas de Roberto Cecchetto e Domenico Caliri, a que somavam o contrabaixo de Giovanni Maher e a bateria de U.T. Ghandi, mas na verdade, em várias faixas – nomeadamente em “La Strada” – o grupo era um sexteto, pois contava com o saxofone alto e clarinete baixo do convidado Gianluigi Trovesi. Também esta versão aligeira a textura e suprime o excesso de ênfase da banda sonora original, preservando a bela melancolia da melodia.

[A versão de Enrico Rava]

“In Heaven” (Lady in the Radiator Song)”, pelo Michael Wollny Trio

Compositor: Peter Ivers/David Lynch
Filme: No Céu Tudo É Perfeito (Eraserhead, 1977), de David Lynch
Álbum: Weltentraum (2013, ACT)

[O original, num excerto de Eraserhead]

O título português de Eraserhead recupera a letra desta desconcertante canção que proclama que “In heaven everything is fine” e acaba por dar do céu uma imagem muito inquietante. A versão do pianista alemão Michael Wollny, com Tim Lefébvre (contrabaixo) e Eric Schaefer (bateria), logra um efeito de estranheza pelo ritmo desconjuntado e perturbado por acessos de arritmia e pelos tratos de polé dados à sua singela melodia. Weltentraum foi o primeiro disco de Wollny com o seu novo trio, após a dissolução do trio que manteve durante sete anos com Schaefer e Eva Kruse.

[A versão do trio de Michael Wollny] [Nota: as datas indicadas junto aos discos referem-se à gravação, não à edição]

Mais música no grande ecrã

  • Música
  • Jazz

Apesar da proliferação de festivais de jazz e do sucesso planetário de cantores pop que se apresentam sob o rótulo de “jazz”, o género está hoje longe de desfrutar da popularidade que atingiu na década de 1950 e nos primeiros anos da década de 1960. A prova disso é que hoje o cinema mainstream não corre o risco de ter como banda sonora jazz “puro e duro”. Na selecção que se segue privilegiam-se as bandas sonoras originais compostas e executadas por músicos de jazz.

  • Filmes

Alguns, como John Williams, alinham Óscares uns atrás dos outros com grandiloquência. Outros, como Nino Rota ou Henri Mancini, são mais discretos. E Ryuchi Sakamoto, então, cria ambientes como poucos, ou talvez só como Max Steiner outrora o fez. Sete exemplos excepcionais e bastante distintos seguem já a seguir. São bandas sonoras inesquecíveis – e premiadas pela Academia de Hollywood com o Óscar. 

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  • Música
  • Clássica e ópera

Nesta lista consideram-se apenas compositores que começaram por conquistar reputação no meio “erudito” e depois estenderam as actividades ao cinema, não aqueles que, embora empregando uma linguagem “sinfónica” clássica, são conhecidos sobretudo como compositores de música de filmes, como é o caso de Bernard Herrmann, Max Steiner, Miklos Rosza, Alfred Newman, Elmer Bernstein, John Williams ou Howard Shore (autor da banda sonora da trilogia O Senhor dos Anéis e de mais 80 filmes). 

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