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Sete concertos para violino do século XIX

O jovem prodígio Daniel Lozakovich traz à Gulbenkian o Concerto para violino de Tchaikovsky, o que serve para recordar seis congéneres seus do Classicismo e Romantismo.

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Quando se fala de concertos para violino oitocentistas, há quatro que costumam ser consensuais entre o público e os violinistas – Beethoven, Mendelssohn, Bruch e Brahms – mas é preciso não esquecer a revolução operada por Paganini, o lirismo do concerto de Tchaikovsky e o concerto “censurado” de Schumann.

Enquanto os mais activos compositores de concertos para violino do século XVIII foram também violinista virtuosos – foi o caso de Vivadli, Locatelli, Leclair, Pisendel ou Tartini – ou, pelo menos, competentes – Bach, Telemann –, no período clássico as funções de compositor e violinista tenderam a separar-se e no século XIX os violinistas-compositores foram mais raros – com Paganini a ser a excepção mais óbvia.

Tchaikovsky por Lozakovich

Fundação Gulbenkian. 5 de Dezembro (Qui) 21.00, e 6 de Dezembro (Sex) 19.00. 18-34€.

Sete concertos para violino do século XIX

Concerto op.61, de Beethoven

Composição: 1806
Estreia: 1806, Theater an der Wien, Viena, por Franz Clement (violino e direcção)

Beethoven terminou o Concerto para violino dois dias antes da estreia, a 23 de Dezembro de 1806, e consta que, nesta ocasião, o solista, Franz Clement, tocou a sua parte à vista, sem ter antes tido contacto com a partitura. A ser verdade, terá sido um feito notável, já que o concerto de Beethoven é obra exigente, complexa, inovadora e também desgastante, já que se estende por três quartos de hora (só o primeiro andamento dura 25 minutos, superior à duração média total dos concertos para violino compostos até então).

Se havia no mundo alguém à altura do desafio era Franz Clement (1780-1842), que, como Mozart, palmilhara a Europa em criança, acompanhado pelo pai, exibindo os meus mirabolantes dotes musicais – aos dez anos, já tocara um concerto para violino de sua lavra, como atracção especial num dos concertos londrinos de Haydn. Foi em 1794, numa destas tournées, que Clement, então com 13 anos, teve o primeiro encontro com Beethoven. Em 1806, Clement era primeiro violino e director musical do Theater an der Wien e foi ele quem encomendou a obra a Beethoven. Na estreia do concerto de Beethoven, como encore, Clement brindou o público com uma série de variações tocadas com o violino invertido.

Ou por a crítica ter manifestado reservas em relação à obra ou por se ter difundido a ideia de que a parte solista era impossível de executar, o concerto de Beethoven foi tocado apenas esporadicamente, até que em 1844, Joseph Joachim, que tinha então apenas 12 anos, o tocou em Londres, com Mendelssohn a dirigir a Philharmonic Society. A apresentação foi um sucesso e Joachim – que viria a tornar-se num dos maiores violinistas da segunda metade do séc. XIX – tornou-se no seu mais empenhado advogado.

[III andamento (Rondo), por Hilary Hahn e a Orquestra Sinfónica de Detroit, dirigida por Leonard Slatkin]

Concerto n.º 1 op.6, de Paganini

Composição: c. 1817-18
Estreia: local e data desconhecidos, Niccolò Paganini (violino e direcção)

O genovês Niccolò Paganini (1782-1840) construiu uma reputação só comparável à das estrelas pop do século XX e amealhou uma fortuna (que depois dissiparia ao montar um casino que foi à falência) e coleccionou honrarias com as suas tournées regulares pela Europa. Possuía uma técnica extraordinária e quase todas as suas composições foram concebidas para ele a poder exibir, mesmo à custa de tudo o mais – e os concertos para violino não são excepção. Do n.º 4, o seu contemporâneo (e rival) Louis Spohr opinou que era uma mescla de “génio, infantilidade e mau gosto”, que provocava, alternadamente, sentimentos de “sedução e repulsa”. Apreciem-se ou não os excessos “pirotécnicos” de Paganini, a sua abordagem ao violino revolucionou a maneira de tocar o instrumento e inspirou muitos músicos – e alguns deles não eram violinistas nem compuseram para o violino, como é o caso de Chopin e Liszt.

Embora Paganini tenha composto seis concertos para violino, apenas os dois primeiros são executados regularmente.

[Excerto do I andamento (Allegro maestoso), por Sarah Chang (violino) e a Filarmónica de Berlim, dirigida por Zubin Mehta, ao vivo no Palazzo Vecchio, Florença, 1995]

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Concerto op.64, de Mendelssohn

Composição: 1844
Estreia: 1845, Gewandhaus, Leipzig, por Ferdinand David (violino) e Orquestra da Gewandhaus, sob a direcção de Niels Gade

Mendelssohn já tinha composto um concerto para violino na sua juventude – em 1822 – , mas quando se menciona “o concerto para violino de Mendelssohn”, é do op.64 que se fala. Dizia Joseph Joachim (1831-1907) que “os alemães têm quatro concertos para violino” – e depois de tecer elogios aos concertos de Beethoven, Brahms e Bruch (para Joachim, o barroco não contava), acrescentava: “Mas o mais íntimo, a jóia do coração, é o de Mendelssohn”. Joachim conhecia a fundo estes quatro concertos – inclusive estreou os concertos de Brahms e Bruch e colaborou com os compositores na preparação e revisão das obras – e teve por mentor o violinista Ferdinand David (1810-73), que não só foi quem estreou o concerto de Mendelssohn, como esteve intimamente envolvido na sua composição, dando indicações a Mendelssohn sobre aspectos técnicos.

[I andamento (Allegro molto appassionato), por Julia Fischer (violino) e a Orquestra do Festival de Budapeste, dirigida por Iván Fischer (sem relação de parentesco)]

Concerto WoO 23, de Schumann

Composição: 1853
Estreia: 1937, Berlim, por Georg Kulenkampff (violino) e a Filarmónica de Berlim.

Joseph Joachim foi, com Paganini, a figura central do violino oitocentista, tendo inspirado vários compositores a compor para ele. Entre estes esteve Robert Schumann, que o ouviu a tocar o Concerto de Beethoven em Düsseldorf, em 1853, e ficou maravilhado com as qualidades do violinista de 22 anos. Entusiasmado, Schumann compôs para Joachim um concerto para violino em apenas três semanas, mas o dedicatário não ficou agradado com a obra e, após a ter ensaiado com a orquestra da corte de Hannover (de que era então concertino), não voltou a tocá-la. Na verdade, foi mais longe do que isso: ficou com o manuscrito e, após a tentativa de suicídio de Schumann, em 1854, e o subsequente internamento e morte, Joachim ficou convencido de que a obra espelhava as perturbações mentais de Schumann e entendeu que ela não deveria ser divulgada. Impediu a execução ou publicação do concerto e a obra caiu no esquecimento, só sendo redescoberta na década de 1930, após peripécias rocambolescas.

[II andamento (Langsam), por Frank Peter Zimmermann (violino) e a Orquestra Sinfónica da WDR, de Colónia, dirigida por Jukka Pekka Saraste]

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Concerto n.º 1 op.26, de Bruch

Composição: 1866-67
Estreia: 1866, por Otto von Königslow (violino), sob a direcção do compositor; estreia da versão revista em 1868, em Bremen, por Joseph Joachim (violino), sob a direcção de Karl Martin Rheinthaler

Eis mais um concerto para violino oitocentista em que Joseph Joachim esteve envolvido: após a estreia de uma primeira versão, em 1866, Joachim deu preciosos conselhos ao compositor Max Bruch, que resultaram numa nova versão, dedicada a Joachim. Quando pediram a este para avaliar os méritos dos quatro grandes concertos para violino do século – de Beethoven, Mendelssohn, Bruch e Brahms – Joachim considerou o de Bruch como “o mais rico e sedutor”. Mesmo que tais superlativos sejam discutíveis, a verdade é que o Concerto n.º1 de Bruch é um dos mais populares de sempre, ofuscando obras estimáveis dos seus contemporâneos e os outros dois concerto para violino do compositor, a ponto de muitos melómanos ficarem surpreendidos ao saber da existência de um n.º2 (1878) e de um n.º3 (1891). Na verdade, a fama do op.26 consegue apagar os noventa e tal números de opus do prolífico catálogo de Bruch: a Fantasia Escocesa para violino e orquestra op.46 vem num muito distante segundo lugar no apreço dos melómanos e o resto da obra raramente é ouvida.

[II andamento (Adagio), por Janine Jansen (violino) e Orquestra Sinfónica da NHK, com direcção de Edo de Waart, ao vivo no Suntory Hall, Tóquio, 2012]

Concerto op.77, de Brahms

Composição: 1878
Estreia: 1879, Leipzig, por Joseph Joachim (violino) e Orquestra da Gewandhaus, sob a direcção do compositor

Dos vários concertos para violino a que Joseph Joachim ficou associado, o de Brahms é talvez aquele com o qual tem relação mais íntima. Para começar porque Brahms e Joachim eram amigos chegados (uma amizade que já tinha mais de um quarto de século), depois porque quando o primeiro entregou a partitura ao segundo, este levantou numerosas objecções quanto à parte solista, obrigando o compositor a fazer profundas revisões (ainda que contrariado).

Também por imposição de Joachim, o programa da estreia emparelhou a nova obra com o consagradíssimo concerto de Beethoven, um escolha que talvez tivesse por intenção prestigiar o recém-chegado, mas que também poderia servir para fazer comparações desfavoráveis. Brahms não era então um compositor consensual, pelo que as críticas negativas acabariam sempre por surgir – e, com efeito, houve quem sugerisse que era menos um concerto “para violino” do que “contra o violino”.

É verdade que a obra coloca temíveis dificuldades técnicas ao solista, o que terá contribuído para que só lentamente fosse aceite, apesar de Joachim se ter empenhado na sua promoção.

[Por Sergey Khachatryan e a Orquestra do Capitólio de Toulouse, com direcção de Tugan Sokhiev, 2013]

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Concerto op.35, de Tchaikovsky

Composição: 1878
Estreia: 1881, Viena, por Adolf Brodsky (violino), sob a direcção de Hans Richter.

O concerto de Tchaikovsky foi composto durante uma estadia em Clarens, na Suíça, onde o compositor se refugiara após o colapso do seu efémero casamento de fachada com Antonina Miliukova. Na verdade, o compositor preferia a companhia de homens mais novos (embora vivesse atormentado por isso) e ficou agradado quando o jovem violinista Iosif Kotek, seu aluno de composição, se veio juntar a ele na Suíça. Kotek deu preciosos conselhos a Tchaikovsky quanto à parte solista do concerto – e ter-se-á tornado seu amante, especulam os biógrafos – de forma que o compositor considerou dedicar-lhe o concerto. Acabou por recuar, receando acicatar rumores sobre a sua relação com Kotek; pelo seu lado, Kotek, temendo que a obra não fosse bem recebida, recusou-se a estreá-la. Ofendido, Tchaikovsky rompeu relações com Kotek e dedicou o concerto a Leopold Auer – para quem já compusera a Sérénade Mélancolique – mas também este violinista recusou estreá-lo, alegando que era “impossível de tocar”. Só Adolf Brodsky aceitou o desafio – o que, face à popularidade de que o concerto hoje goza, entre público e intérpretes, pode parecer surpreendente.

[II andamento (Canzonetta), por David Oistrakh (violino) e a Filarmónica de Moscovo, com direcção de Gennady Rozhdestvensky, ao vivo em Moscovo, 1968]

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