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Gianandrea Noseda
©DRGianandrea Noseda

10 versões do Requiem de Mozart

O mais célebre Requiem de sempre é uma obra inacabada, o que proporciona aos maestros mais oportunidades para exprimir a sua visão pessoal. Além da versão de Gianandrea Noseda, que poderá ser ouvida a 12 de Dezembro, propomos outras 10

Escrito por
José Carlos Fernandes
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O Requiem de Mozart está envolto numa névoa de lendas e rumores, parte dela resultante de haver quem julgue que o filme Amadeus, de Milos Forman, é uma biografia rigorosa e não uma ficção a partir de uma peça de Peter Shaffer, que, por sua vez, se inspirou uma peça de Aleksandr Pushkin.

[A composição do Requiem segundo o filme Amadeus, de Milos Forman, com Tom Hulce (Mozart) a ditar o “Confutatis” a F. Murray Abraham (Salieri): uma fantasia que resulta numa magnífica cena de cinema mas não tem qualquer relação com a realidade]

Os factos sobre o Requiem são os seguintes: Mozart recebeu a encomenda através de um emissário do conde Walsegg, em Julho de 1791, na mesma altura em que também lhe foi encomendada a ópera La Clemenza di Tito. Foi a esta última que deu prioridade – pois destinava-se às cerimónias de coroação do imperador Leopoldo II como rei da Boémia – e deslocou-se a Praga para dirigir a sua estreia. De regresso, dedicou-se à finalização e revisão de A Flauta Mágica e do Concerto para clarinete e só a partir de 8 de Outubro começou a trabalhar no Requiem. Porém, adoeceu em meados de Novembro e faleceu a 5 de Dezembro, deixando o Requiem muito incompleto. Constanze, a viúva, que precisava desesperadamente do resto do pagamento combinado com Walsegg, tentou que Joseph Leopold Eybler, um amigo e ex-discípulo de Mozart, terminasse a obra, mas, após ter orquestrado alguns trechos, este desistiu da empresa. Foi Franz Xaver Süssmayr, assistente de Mozart (a quem é atribuída a composição dos recitativos de La Clemenza di Tito), que acabou por fazê-lo. A partitura só foi entregue em Dezembro de 1793 a Walsegg, que a fez tocar no seu castelo de Stuppach, em memória da falecida esposa.

Süssmayr teve a sensatez de intervir o mínimo possível, reutilizando trechos da primeira metade da obra para completar as partes em que Mozart não deixara qualquer esboço. É a versão que usualmente se ouve nos discos e salas de concertos, mas, sobretudo a partir da década de 1970, têm sido vários os musicólogos a apresentar as suas próprias reconstruções do Requiem, baseadas nos esboços de Mozart.

O Requiem por Gianandrea Noseda

Com Christina Poulits (soprano), Katarina Bradic (mezzo-soprano), Steve Davislim (tenor), Tommi Hakala (barítono), o coro Amici Musicae, a Orquestra de Cadaqués e direcção de Gianandrea Noseda. Noseda dirige a Orquestra de Cadaqués desde 1994 e tem prestigiada discografia na Chandos à frente da Filarmónica da BBC. O programa inclui a fresca e despreocupada abertura da ópera A Flauta Mágica, uma acoplagem pouco congruente, mas que não há-de prejudicar a fruição.

Fundação Gulbenkian, terça-feira 12 de Dezembro, 21.00, 20-40€.

Recomendado: Os melhores concertos de jazz e clássica da semana

10 versões do Requiem de Mozart

Karl Böhm

Ano e editora: 1971, Deutsche Grammophon
Intérpretes: Edith Mathis, Julia Hamari, Wieslaw Ochman, Karl Ridderbusch, Konzertvereinigung Wiener Staatsopernchor, Wiener Philharmoniker.

O maestro austríaco Karl Böhm (1894-1981), um dos maiores mozartianos de sempre, tinha 77 anos quando registou esta versão, mas não será só a idade a explicar os tempos ponderosos (que poderão mesmo soar pastosos aos entusiastas da “interpretação historicamente informada”. Esta é uma leitura “romântica”, solene, densa e monumental, recorrendo a uma massa coral e orquestral várias vezes mais numerosa do que era uso no tempo de Mozart.

[“Lacrimosa”, numa versão ao vivo]

Nikolaus Harnoncourt

Ano e editora: 1981, Teldec (TDK na versão em DVD)
Intérpretes: Rachel Yakar, Ortun Wenkel, Kurt Equiluz, Robert Holl, Konzertvereinigung Wiener Staatsopernchor, Concentus Musicus Wien, em instrumentos de época.

Esta versão da maestro austríaco Nikolaus Harnoncourt (1929-2016), registada ao vivo no Musikverein de Viena, utiliza a edição preparada por Franz Beyer, que recorre a uma orquestração um pouco mais despojada do que a de Süssmayr. Harnoncourt voltou a usar a edição Beyer quando, em 2003, gravou o Requiem para a Deutsche Harmonia Mundi, desta feita com Christine Schäfer, Bernarda Fink, Kurt Streit, Gerald Finley e o Coro Arnold Schoenberg.

[“Introitus”]

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Christopher Hogwood

Ano e editora: 1984, L’Oiseau-Lyre/Decca
Intérpretes: Emma Kirkby, Carolyn Watkinson, Anthony Rolfe Johnson, David Thomas, Westminster Cathedral Boys, Academy of Ancient Music Choir, Coro e Orquestra da Academy of Ancient Music, em instrumentos de época.

A versão do maestro britânico Christopher Hogwood (1941-2014) foi uma das primeiras a seguir os preceitos da “interpretação historicamente informada”, mas continua, 33 anos depois, a estar entre as primeiras escolhas, graças ao seu carácter muito vivo e incisivo. Hogwood empregou rapazes nas vozes agudas do coro, como era usual no tempo de Mozart, e seguiu a edição de Richard Maunder, que descarta os acrescentos de Süssmayr e faz a sua própria reconstrução, supostamente mais afim do estilo de Mozart.

[“Rex Tremendae”]

Leonard Bernstein

Ano e editora: 1988, Deutsche Grammophon
Intérpretes: Marie McLaughlin, Maria Ewing, Jerry Hadley, Cornelius Hauptmann, Chor & Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks

Uma interpretação de grande intensidade, gravada ao vivo em Diessen, na Baviera, e dedicada por Leonard Bernstein (1918-1990) à sua esposa, Felicia Montealegre, falecida 10 anos antes.

[“Dies Irae”]

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Jordi Savall

Ano e editora: 1991, Auvidis/Fontalis, reedição Alia Vox
Intérpretes: Montserrat Figueras, Claudia Schubert, Gerd Türk, Stephan Schreckenberger, La Capella Reial de Catalunya, Le Concert des Nations, em instrumentos de época.

Uma das versões mais urgentes e excitantes, com um “Confutatis” inexorável e tumultuoso como nuvens negras a rolar num céu em fogo. Os efectivos parecem magros – um coro de 20 elementos, uma orquestra de 25 músicos – mas vendem pujança e os ganhos de transparência e agilidade são miraculosos. As madeiras e os metais, libertos do manto das cordas, soam esplendorosos e até o órgão, habitualmente submerso na massa orquestral e coral, ganha voz distinta. A qualidade sonora da gravação é exemplar.

[“Benedictus”]

John Eliot Gardiner

Ano e editora: 1991, Philips
Intérpretes: Barbara Bonney, Anne-Sofie von Otter, Anthony Rolfe Johnson, Alastair Miles, The Monteverdi Choir, The English Baroque Soloists, em instrumentos de época.

Esta versão gravada ao vivo no Palau de la Musica, em Barcelona, é a segunda de Gardiner, que em 1986 registara o Requiem em Londres, com efectivos similares mas com Hans-Peter Blochwitz e Willard White no lugar de Rolfe Johnson e Miles.

[“Introitus” e “Kyrie”]

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Philippe Herreweghe

Ano e editora: 1996, Harmonia Mundi
Intérpretes: Sibylla Rubens, Annette Markert, Ian Bostridge, Hanno-Müller Brachmann, La Chapelle Royale, Collegium Vocale, Orchestre des Champs Elysées, em instrumentos de época.

O maestro belga Philippe Herreweghe lidera vários grupos de “interpretação historicamente informada”, a que recorre consoante a época e natureza das obras – para o repertório Clássico e Romântico a Orchestre des Champs Elysées é a formação convocada e quem reprove as orquestras de instrumentos de época por terem um som pouco pujante verá aqui cabalmente desmentido tal preconceito. Gravação ao vivo no Auditório Igor Stravinsky de Montreux.

[“Confutatis”]

Claudio Abbado

Ano e editora: 1999, Deutsche Grammophon (EuroArts na versão em DVD)
Intérpretes: Karita Mattila, Sara Mingardo, Michael Schade, Bryn Terfel, Coro da Rádio Sueca, Filarmónica de Berlim.

Gravação ao vivo na catedral de Salzburgo, assinalando o 10.º aniversário do falecimento de Herbert von Karajan, com um quarteto solista de luxo. Em 2012, o maestro italiano Claudio Abbado (1933-2014) registaria uma outra versão ao vivo em DVD (Accentus), com Anna Prohaska, Sara Mingardo, Maximilian Schmidt, René Pape, Coro da Rádio Sueca e a Orquestra do Festival de Lucerna.

[“Tuba Mirum”]

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Bruno Weil

Ano e editora: 1999, Sony Vivarte
Intérpretes: Marina Ulewicz, Barbara Hölzl, Jörg Hering, Harry van der Kamp, Tölzer Knabenchor, Tafelmusik, em instrumentos de época.

A versão do maestro alemão Bruno Weil emprega um coro de rapazes e recorre não à usual versão de Süssmayr mas à edição que H.C. Robbins Landon realizou a partir de fragmentos de Süssmayr, Eybler e mão anónima (talvez Franz Jakob Freystädtler, outro discípulo de Mozart).

[Um “Dies Irae” de uma veemência invulgar]

Christoph Spering

Ano e editora: 2002, Opus 111/Naïve
Intérpretes: Iride Martinez, Monica Groop, Steve Davislim, Kwangchul Youn, Chorus Musicus Köln, Das Neue Orchester, em instrumentos de época.

O maestro alemão Christoph Spering levou o rigor musicológico a um extremo inaudito: além de o CD conter uma interpretação do Requiem na versão de Süssmayr, numa leitura com efectivos reduzidos e muito transparente, inclui também fragmentos do Requiem tal qual Mozart os deixou, com a orquestração incompleta e trechos que terminam sem aviso. Um disco recomendado a quem goste de espreitar as oficinas dos criadores e ver as peças ainda em bruto.

[“Lacrimosa”, na versão inacabada]

Mais clássica

  • Música
  • Clássica e ópera

Há quem prefira não pensar nisso e há quem entenda que a sua saída de cena deve merecer cuidadoso planeamento e que este inclui, necessariamente, banda sonora na cerimónia. As 11 alternativas que em seguida se apresentam são diversificadas, quer no tom, do resignado ao angustiado, do grandiloquente ao discreto, quer nos custos, que se ajustam a diferentes bolsas [de € (económico), a €€€€€ (os seus herdeiros irão rogar-lhe pragas)]. Num mesmo concerto, dois célebres Requiem, um sereno (o de Fauré), outro pleno de dramatismo (o de Mozart), pelo Coro & Orquestra Gulbenkian e um elenco solista de luxo, com Sandrine Piau (soprano), Helena Rasker (mezzo-soprano), Christophe Einhorn (tenor), Marcos Fink (baixo). O maestro será Michel Corboz, que gravou ambas as obras para a Erato e é um dos maiores especialistas em música sacra. Fundação Gulbenkian, terça-feira 11 de Abril, 21.00, e quarta-feira 12 de Abril, 19.00, 20-40€. Noutro concerto, os Graindelavoix de Björn Schmelzer cantam dois Requiems de Duarte Lobo (um a seis vozes e outro a oito), o Requiem de Orazzio Vecchi e a Missa Praeter Rerum Seriem, de Georges de la Hèle, obras impressas por volta de 1600 na tipografia Plantin, de Antuérpia. Igreja de S. Roque, sábado 8 de Abril, 21.00, 25€

10 De Profundis para rogar misericórdia
  • Música
  • Clássica e ópera

“Das profundezas clamo a ti, ó Senhor/ Senhor, escuta a minha voz, estejam os teus ouvidos atentos à voz das minhas súplicas/ Se tu, Senhor, observares as iniquidade, quem subsistirá?”. O Salmo 130 (129 na numeração da Septuaginta), o n.º 6 dos Salmos Penitenciais, instaura um clima de desolação e angústia, em que o pecador clama pela atenção de Deus. Todavia, à consciência da gravidade das suas “iniquidades”, o pecador alia a fé na ilimitada misericórdia divina, pelo que o salmo termina num tom redentor. Muitos têm sido os compositores que compuseram De Profundis, quase sempre para cerimónias fúnebres e por vezes em complemento a um Requiem. Pinho Vargas na Fundação Gulbenkian Neste concerto do ciclo Ciclo Música em S. Roque, o Coro Gulbenkian e o maestro Paulo Lourenço apresentam um programa que, cronologicamente, parte da Renascença (Miserere, de Gregorio Allegri), passa pelo Barroco (Crucifixus, de Antonio Lotti) e pelo Romantismo (Ave Maria, de Giuseppe Verdi) e tem a sua parte mais substancial no nosso tempo (De Profundis, de Pinho Vargas, Missa Sine Nomine, de Eurico Carrapatoso, Magnificat, de Eriks Esenvalds e Virgem Mãe de Deus, de Arvo Pärt). Igreja de São Roque, Sexta 20, 21.30.

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  • Música
  • Clássica e ópera

Na Lisboa setecentista vigorava a tradição de executar um Te Deum no dia 31 de Dezembro, em sinal de reconhecimento por tudo o que de bom se recebera durante o ano, prática que também era seguida noutros países católicos. Além disso, os Te Deum eram também tocados quando da coroação de reis, nascimento de príncipes ou celebração de tratados de paz. A tradição cristã atribui a autoria do texto aos santos Agostinho de Hipona e Ambrósio de Milão, no ano de 387 (o que explica que seja também conhecido como “hino ambrosiano”), mas alguns especialistas apontam antes para Aniceto, bispo de Remesiana (hoje Bela Palanka, na Sérvia), que também viveu no século IV. Seja qual for o autor, o certo é que o texto inflamou a imaginação dos compositores ao longo dos séculos.

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