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Arte, Pintura, Goethe na campagna romana, ohann Heinrich Wilhelm Tischbein, 1787
©DRGoethe na campagna romana, por Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, 1787

Sete visões de Itália por compositores românticos estrangeiros

Enquanto não é aconselhável andar em turismo pelo mundo, podemos viajar nas asas da imaginação dos grandes compositores.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Itália foi a superpotência musical dos séculos XVII e XVIII, exportando estilos, formatos, compositores, instrumentistas e cantores para lugares (então) tão remotos quanto Lisboa, Dublin e São Petersburgo. Mas foi com o Romantismo que a Itália – o país, com as suas cidades, património artístico e arquitectónico, cultura, costumes, gentes e paisagem – passou também a ocupar um lugar de relevo no imaginário dos compositores um pouco por toda a Europa. No século XVII, surgiu o hábito, entre os aristocratas da Europa do Norte, de, pelo menos uma vez na vida, empreender uma viagem pela Península Itálica, a fim de contactar in loco com os vestígios das culturas da Antiguidade Clássica e do Renascimento. Esta prática recebeu a designação de Grand Tour e tornou-se numa espécie de “prova de passagem” à idade adulta dos filhos das famílias aristocráticas.

Johann Wolfgang von Goethe deu decisivo contributo para implantar Itália no imaginário dos criadores românticos: em 1786, aos 37 anos, empreendeu uma viagem por Itália que se estendeu até 1787, e da qual deu conta no livro Italienische Reise (Viagem a Itália), redigido com base nos diários e cadernos de notas que manteve durante a viagem e que foi publicado em 1816-17, com grande sucesso. Mas antes dessa edição já a Itália pulsava nos seus poemas, entre os quais o célebre “Mignon”, onde pergunta: “Conheces a terra onde crescem os limoeiros,/ Entre folhas escuras resplandecem as douradas laranjas,/ Uma suave brisa sopra do puro azul do céu,/ A murta queda-se silente o loureiro ergue-se ao alto?”.

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Sete visões de Itália por compositores românticos estrangeiros

Sinfonia n.º 4 Italiana, de Mendelssohn

Ano: 1833
Nacionalidade do compositor: alemã

Foi inspirada “pelas ruínas, pelas paisagens e pela alegria da natureza” com que o jovem Felix Mendelssohn (1809-47) se deparou nas etapas italianas da longa viagem pela Europa entre 1829 e 1831. Os primeiros esboços foram realizados durante a estadia em Roma, em 1830, e a obra estreou em Londres em 1833, num concerto promovido pela London Philharmonic Society. O II andamento (Andante con moto) inspira-se, supostamente, numa procissão a que Mendelssohn assistiu em Nápoles.

[II andamento (Andante con moto), pela Orquestra Sinfónica de Londres, com direcção de Claudio Abbado (Deutsche Grammophon)]

Le Carnaval Romain op.9, de Berlioz

Ano: 1844
Nacionalidade do compositor: francesa

Esta abertura orquestral resulta da reciclagem de trechos da ópera Benvenuto Cellini (1838), inspirada na vida do escultor florentino, que tinha tido uma recepção nada entusiasmante, quer na estreia quer nas raras vezes em que foi reposta em vida do compositor. A abertura recebeu a sua designação por alguns desses trechos provirem de cenas que, no enredo da ópera, dizem respeito aos festejos de Carnaval em Roma. Ao contrário da obra-mãe, foi bem recebida pelo público.

[Pela Orquestra Sinfónica de Londres, com direcção de Colin Davis (Philips)]

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Aux Cyprès de la Villa d’Este I S.163/2, de Liszt

Ano: c.1867-77
Nacionalidade do compositor: húngara

A peça faz parte do III caderno dos Années de Pèlerinage, de Ferenc Liszt (1811-1886). O caderno foi publicado em 1883 e que colige peças compostas em 1867-77, que são, em parte, uma reelaboração do muito anterior Album d’un Voyageur. As peças do caderno III não têm localização geográfica definida, à excepção das três que foram inspiradas pelos jardins da Villa d’Este, em Tivoli, perto de Roma.

Aux Cyprès de la Villa d’Este I é, como a sua irmã S.163/3, uma peça de tom sombrio e inquietante, inspirada pelos imponentes ciprestes do jardim deste palácio seiscentista em que Liszt viveu durante algum tempo, a convite do Cardeal Hohenlohe, que foi quem resgatou a villa e os seus jardins ao abandono e restaurou parcialmente o seu antigo esplendor. Liszt ficou alojado num pequeno estúdio no piso superior, onde mal cabia um piano vertical, mas cuja janela oferecia uma vista privilegiada para os jardins.

[Por Zoltran Kocsis (Philips)]

Sinfonia n.º 2 Roma WD.37, de Bizet

Ano: 1868
Nacionalidade do compositor: francesa

Georges Bizet (1838-1875) é conhecido sobretudo pelas óperas, mas também deixou algumas obras orquestrais, pouco conhecidas, entre as quais está uma sinfonia composta em 1855, quando tinha 17 anos, e outra que foi iniciada em 1860, quando da “residência artística” do compositor em Roma, decorrente da sua vitória no Prix de Rome de 1857. Na concepção original de Bizet, cada um dos seus quatro quadros diria respeito a uma cidade italiana diferente – Roma (I), Veneza (II), Florença (III) e Nápoles (IV) – mas durante a complicada gestação da obra, que só seria terminada oito anos depois, essa intenção foi alterada: o I andamento alude a uma caçada na floresta de Ostia, o II é um scherzo sem alusão programática, o III a uma procissão, e o IV ao Carnaval romano.

Bizet designou-a, na estreia (parcial), em 1869, como Fantaisie Symphonique: Souvenirs de Rome e a verdade é que, do ponto de vista estrutural e formal, se situa entre a sinfonia e a suíte, o que leva a que hoje seja também designada como “Suíte Sinfónica n.º 3”.

[IV andamento (Allegro vivacissimo), pela Orquestra da Rádio de Munique, com direcção de Lamberto Gardelli (Orfeo)]

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Capriccio Italien op.45, de Tchaikovsky

Ano: 1880
Nacionalidade do compositor: russa

É mais uma obra inspirada pelos festejos carnavalescos em Roma, onde Piotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893) esteve no ano de errância pela Europa que se sucedeu ao colapso do seu breve e insensato casamento com Antonina Miliukova, em 1877. O início deste ano de “fuga” foi marcado pelo bloqueio criativo, mas depois a imaginação soltou-se e Tchaikovsky terminou a ópera Evgeny Onegin e a Sinfonia n.º 4 e compôs o Concerto para violino e esta obra a que deu a designação de “fantasia para orquestra”. Em carta à sua mecenas Nadezhda von Meck, Tchaikovsky prognosticou que a fantasia seria bem acolhida, “graças às deliciosas melodias populares [italianas] que eu consultei em antologias ou ouvi quando andava pelas ruas”.

[Pela Orquestra Sinfónica de Chicago, com direcção de Daniel Barenboim (Deutsche Grammophon)]

La Lugubre Gondola I S.200, de Liszt

Ano: 1882-83
Nacionalidade do compositor: húngara

Veneza tende a ser associada a festejos carnavalescos, mas a cidade do Adriático inspirou a Ferenc Liszt (1811-1886), então já com 72 anos, uma das peças mais sombrias e perturbadoras da sua obra – e de todo o século XIX. La Lugubre Gondola ou Die Trauergondel, que se afasta das convenções musicais da época e se aventura por territórios no limite da tonalidade, foi composta em Veneza no Inverno de 1882-83. Liszt não poderia adivinhá.lo, mas poucos meses depois morreria nessa mesma cidade o seu genro e amigo Richard Wagner, cujo corpo seria transportado de gôndola até ao comboio que o levou até Bayreuth.

[Por Maurizio Pollini (Deutsche Grammophon)]

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Aus Italien op.12, de Strauss

Ano: 1886
Nacionalidade do compositor: alemã

O Strauss que compôs este poema sinfónico foi Richard (1864-1949), não Johann II (1825-1899), o rei da valsa vienense, embora também este seja autor de uma obra inspirada em Itália, a valsa Rosen aus dem Süden (Rosas do Sul), que faz parte da opereta Das Spitzentuch der Königin (1880).

Aus Italien (Da Itália) foi a primeira incursão de Strauss, então com 22 anos, no poema sinfónico, um género de que viria a ser central na sua produção. Começou a ser esboçada durante uma visita a Itália e cada um dos seus andamentos tem um título e um programa que remetem para situações ou paisagens específicas: Na Campagna Romana (I), Nas Ruínas de Roma (II), Numa Praia em Sorrento (III) e Vida Popular Napolitana (IV).

[I andamento (Auf der Campagna: Andante), pela Staatskapelle Dresden, com direcção de Rudolf Kempe (EMI/Warner)]

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