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Goethe
©Johann Heinrich Wilhelm Tischbein[Goethe nos campos perto de Roma, por Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, 1787]

Sete obras musicais inspiradas por escritores românticos alemães

Muitos foram os compositores que usaram textos de grandes escritores do Romantismo germânico ou neles colheram inspiração.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Um texto de superior qualidade literária não é garante do valor musical da obra que a ele recorre ou nele se inspira. E, reciprocamente, é possível que uma obra-prima nasça de um texto de um autor menor – como provam a Viagem de Inverno que Schubert ergueu sobre os poemas de Wilhelm Müller ou os Lieder que Hugo Wolf compôs a partir dos poemas de Eduard Mörike. Mas os grandes escritores românticos germânicos – Goethe, Heine, E.T.A. Hoffmann, Jean Paul, Hölderlin, Eichendorff – estiveram frequentemente atrás de algumas obras-primas dos grandes compositores do século XIX e do início do século XX.

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Sete obras musicais inspiradas por escritores românticos alemães

Meeresstille und Glückliche Fahrt op.112, de Beethoven

Estreia: 1815
Fonte/inspiração: Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)

A cantata para coro e orquestra de Beethoven utiliza dois poemas que Goethe dedicara ao compositor, “Meerestille” (“Mar calmo”) e “Glückliche Fahrt” (“Viagem afortunada”), e a música segue de perto as imagens sugeridas pelos poemas. No primeiro, um navio é apanhado na calmaria: “Uma profunda calma reina sobre as águas/ Imóvel se queda o mar/ E triste o marinheiro mira/ A superfície espelhada que o rodeia/ De lado algum sopra uma brisa!/ Mortal e terrível é a calmaria!/ Até onde a vista alcança/ Nem uma onda se agita”.. Na segunda parte, tudo se anima: “A névoa dissipa-se/ O céu resplandece/ E Eolo desfaz/ Os temíveis laços/ Os ventos murmuram/ Anima-se o marinheiro [...] A distância encurta-se/ Já vejo terra!”.

[Pelo Monteverdi Choir e a Orchestre Révolutionnaire et Romantique, em instrumentos de época, com direcção de John Eliot Gardiner]

Der Atlas D957/8, de Schubert

Composição: 1828
Fonte/inspiração: Heinrich Heine (1797-1856)

A poesia lírica dos primeiros anos de actividade de Heine serviu de base a dezenas de canções dos cinco principais compositores de Lieder do Romantismo germânico: Schubert, Schumann, Mendelssohn, Brahms e Wolf.

Der Atlas é a canção n.º 8 de O Canto do Cisne (Der Schwanengesang), uma colecção de canções sobre poemas de Heinrich Heine, Ludwig Rellstab e Johann Gabriel Seidl, compostas por Schubert nos seus derradeiros meses de vida. As canções não têm relação entre si e Schubert nunca pensou em reuni-las numa só colecção – a iniciativa, póstuma, foi do seu irmão e do editor – pelo que não constitui verdadeiramente um “ciclo de canções”, ainda que assim seja designado usualmente.

A personagem que se exprime no poema Der Atlas compara-se ao gigante da mitologia grega, que suportava o mundo sobre os ombros – já ele lamenta-se por carregar toda a mágoa do mundo: “Coração orgulhoso, assim o desejaste!/ Quiseste ser feliz, infinitamente feliz/ Ou infinitamente desgraçado, coração orgulhoso!/ E agora, desgraçado és!”.

[Por Dietrich Fischer-Dieskau (barítono) e Gerald Moore (piano), ao vivo no Festival de Salzburgo de 1956]

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Kreisleriana op.16, de Schumann

Composição: 1838, revista em 1850
Fonte/inspiração: E.T.A. Hoffmann (1776-1822)

Embora Ernst Theodor Wilhelm Hoffmann seja hoje lembrado sobretudo como escritor, sobretudo no domínio do fantástico, foi um competente compositor – e também desenhador, caricaturista, jurista e crítico musical – embora a sua produção neste domínio seja raramente tocada. A paixão de Hoffmann pela música e, em particular, por Wolfgang Amadeus Mozart, era tal que no seu nome artístico substituiu “Wilhelm” por “Amadeus” (daí o “E.T.A.”).

A música permeia também muita da sua produção literária, nomeadamente os três romances que têm o excêntrico e caprichoso mestre de capela Johannes Kreisler como personagem: Kreisleriana (1813), Os sofrimentos musicais do mestre de capela Johannes Kreisler (1815) e A vida e as opiniões do Gato Murr (1822, inacabado). As oito fantasias para piano que Robert Schumann compôs em apenas três dias de actividade febril, em 1838, reflectem a natureza multifacetada, efervescente, ousada e pouco convencional de Kreisler.

[I Andamento (Äusserst Bewegt), por Elisso Virsaladze, ao vivo no Festival de La Roque d’Anthéron, 2004]

Canção do Destino op.54, de Brahms

Estreia: 1871
Fonte/inspiração: Friedrich Hölderlin (1770-1843)

“Não nos está reservado/ Um refúgio onde repousar/ Vacilam e perecem/ Os pobres mortais sofredores/ Cegamente, como o momento/ Sucede ao momento/ Como água que, de montanha/ Em montanha é impelida/ Destinada a perder-se no desconhecido” – é neste tom lúgubre que termina a Canção do Destino de Hyperion (Hyperion Schickalslied), de Friedrich Hölderlin, um poema que surge interpolada no seu romance epistolar Hyperion, publicado em 1797-99, e que Johannes Brahms descobriu por acaso na biblioteca de um amigo.

Brahms, embora apreciasse a beleza do poema, não se identificava com o seu pendor fatalista e a sua ausência de esperança e consolo, pelo que encarregou a música do seu op.54 de transmitir um sentido contrário ao das palavras do poeta.

[Pelo Collegium Vocale Gent e a Orquestra Sinfónica da Rádio de Frankfurt (hr-Sinfonieorchester), com direcção de Philippe Herreweghe, ao vivo na Alte Oper, Frankfurt, 2013]

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Os Contos de Hoffmann, de Offenbach

Estreia: 1881
Fonte/inspiração: E.T.A. Hoffmann (1776-1822)

A ópera Os Contos de Hoffmann consiste em três actos (mais um prólogo e um epílogo), adaptando, com muita liberdade, outros tantos contos de E.T.A. Hoffmann – “Der Sandmann”, “Rath Kresper”, “Die Abenturer der Silvester-Nacht”. Não só os contos têm temas comuns – o engano, a traição e a morte – como a adaptação faz com que o próprio Hoffmann surja como traço de união e personagem principal dos cinco actos.

O libreto francês, de Jules Barbier, adapta uma peça que este escrevera em parceria com Michel Carré e que estreara em Paris em 1851 e a que Jacques Offenbach assistira. Offenbach, que nascera em Colónia, numa família judia, em 1819, mudou-se em 1833 para Paris, onde começou por notabilizar-se como violoncelista. Porém, o que o ergueu aos píncaros da fama foi a série de operetas que levou ao palco na década de 1860 e que geraram entre os parisienses uma frisson sem precedentes. Foi talvez para corrigir o seu lugar na história da música como fabricante em série de operetas popularuchas e de escassa substância, que Offenbach se lançou na composição de Os Contos de Hoffmann.

Todavia, a ópera, iniciada em 1876, foi sendo interrompida pela necessidade de dar atenção a encomendas várias, pelo que quando faleceu, em 1880, deixou inacabada a partitura, que seria orquestrada por Ernest Guiraud.

[A “Barcarolle”, o trecho mais célebre de Os Contos de Hoffmann, por Anna Netrebko (soprano), Elina Garanca (mezzo-soprano) e a Filarmónica de Praga, com direcção de Emmanuel Villaume, do álbum Souvenirs (Deutsche Grammophon)]

Die Nacht, de Wolf

Composição: 1889
Fonte/inspiração: Joseph Freiherr von Eichendorff (1788-1857)

Embora seja pouco conhecido fora do mundo germânico, Eichendorff foi um dos maiores vultos do Romantismo, quer na qualidade de escritor quer na de crítico e tradutor. Muitos dos seus poemas forma musicados por Mendelssohn, Schumann, Brahms e Richard Strauss, mas nenhum compositor lhe devotou tanta atenção como o austríaco Hugo Wolf (1860-1903), que começou a compor Lieder sobre poemas de Eichendorff logo aos 18 anos.

Estas obras de juventude perderam-se, mas Wolf musicou pelo menos mais 26 poemas de Eichendorff, 20 dos quais foram reunidos numa colecção publicada em Viena em 1889. “Die Nacht” (“A Noite”), não foi incluído nesta edição, mas seria readmitido – com toda a justiça – na reedição de 1904.

Reza assim o poema: “A noite é como um mar silencioso/ Alegria e dor e lamentos de amantes/ Misturam-se e confundem-se/ Na suave ondulação// Os desejos como nuvens são/ Flutuando na quietude do espaço/ Quem pode dizer na doce brisa/ Se são pensamentos ou sonhos// Embora agora eu cerre coração e lábios,/ Que tanto gostam de queixar-se às estrelas,/ Sinto ainda no fundo do coração/ O suave pulsar das ondas”.

[Por Dietrich Fischer-Dieskau (barítono) e Gerald Moore (piano, numa gravação de 1960]

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Sinfonia n.º 1, de Mahler

Estreia: 1889 (1.ª versão)
Fonte/inspiração: Jean Paul, pseudónimo literário de Johann Paul Friedrich Richter (1763-1825)

A gestação da Sinfonia nº. 1 de Mahler foi demorada e complexa, com várias revisões e cortes, quer na música, quer no título e textos programáticos. Na revisão efectuada em 1893 a obra ganhou o título Titan, pedido emprestado ao romance homónimo de Jean-Paul, um dos autores favoritos do compositor e cuja mescla de tragédia e ironia e realismo e fantástico tem eco na música de Mahler. Titan, publicado em 1797, narra a vida de um herói que faz face ao mundo malévolo armado apenas com um carácter indómito, alimentado pela pureza dos seus ideais, e Mahler identificou-se provavelmente com esta personagem.

Todavia, o programa que o compositor fez imprimir para acompanhar a estreia da versão revista, em Hamburgo (1893), nada tinha a ver com o enredo do romance e, por outro lado, os títulos nele atribuídos aos andamentos da sinfonia provinham de outro romance de Jean Paul, Siebenkäs (1796-97). A sinfonia foi publicada em 1898, numa versão que suprimia um andamento (Blumine), o programa e o título Titan, mas, num gesto ainda mais desconcertante, antes da estreia da sinfonia em Viena, em 1900, Mahler fez chegar a um crítico musical um texto em que, após rejeitar o título Titan, ou qualquer “título ou inscrição, por poder ser, como todos os programas, mal interpretado”, voltava a delinear um programa semelhante ao de 1893...

[III andamento, pela Filarmónica de Los Angeles, com direcção de Gustavo Dudamel]

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