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Play Planet
© Ricardo LopesAs fundadoras da Play Planet

A arte do parque. “Se os miúdos dão duas voltas e já se fartaram, qualquer coisa não está bem”

Correr, saltar, brincar: num parque infantil, faz-se isto e muito mais. Estivemos à conversa com a equipa da Play Planet, que tem dado vida aos espaços de jogo e recreio mais originais – em Portugal e no mundo.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Houve um tempo em que o recreio era a rua, árvores e estradas incluídas. Agora, a brincadeira faz-se muito mais vezes frente aos ecrãs. Com o frenesim da vida urbana e a tecnologia por todo o lado, o ócio – um momento de descanso da labuta diária – é hoje sinónimo de ver televisão e jogar consola. Mas a verdade é que há (desde a Grécia Antiga, viva o Aristóteles!) quem defenda o direito e a importância de não fazer nada – isto é, só o que nos apetece –, e o que não falta por aí são projectos a promover a vivência da infância, a idade perfeita para fazer zero, nada, nicles batatóides, ao ar livre e em liberdade.

O programa Brincar de Rua, por exemplo, tem inspirado e recrutado, por todo o país, Guardiões do Brincar, adultos voluntários que criam oportunidades para as crianças brincarem no exterior de forma não estruturada (traduzindo: sem os crescidos a dar ordens). À sua maneira, as fundadoras da lisboeta Play Planet – especialistas em projecto, construção e manutenção de espaços de jogo e recreio – também são uma espécie de guardiãs da brincadeira. Há mais de uma década que dão vida a alguns dos parques mais bonitos e originais de Portugal e do mundo (para o Kuwait, por exemplo, mandaram um dragão cuja língua é um escorrega), e se há coisa que os miúdos gostam, é da clássica ida aos baloiços. Os olhos até brilham quando lhes dizemos as palavras mágicas: “Queres ir ao parque?”. Claro que sim, ninguém resiste a tantas atracções num só sítio.

Parque dos Cascalitos
© Play PlanetProjecto do Parque dos Cascalitos

“Quando criámos a Play Planet, já tínhamos em mente a marca Play in Art [que, numa tradução literal, significa “o jogo na arte” ou “brincar na arte”], porque trabalhámos anos no sector, mas numa empresa onde os projectos eram feitos com equipamentos standard. Como arquitecta paisagista, achava um contra-senso”, confessa Milva Maggioni, sócia-gerente e co-fundadora da Play Planet, juntamente com as amigas Ana Correia e Mafalda Antunes. Encontramo-nos com as três num barco muito especial, aquele que elas mesmas fizeram dar à costa, na Quinta de São Gonçalo, em Cascais. “Sempre defendi o desenho do projecto à medida do espaço em questão. As soluções têm de ser pensadas tendo em conta a localização e história do local e, claro, a população a servir. Por exemplo, para este parque, pensámos em fazer algo emblemático e sabíamos que tínhamos de incorporar os Cascalitos [as mascotes da região]: o João e a Bia.”

O Parque Inclusivo Farol dos Cascalitos não é dos projectos mais recentes da Play in Art – a sua inauguração remonta a 2018 –, mas continua a ser um dos mais frequentados. Até à devida manutenção acontecer, Milva, Ana e Mafalda consideram as muito evidentes marcas de uso (da relva sintética amachucada às pinturas na cabeça do João Cascalito, que em tempos serviu de áudio-guia aos utilizadores com incapacidade visual) a medida do seu sucesso – e o sucesso, garantem, foi imediato. Talvez por evocar o mar, com um barco com mais de três funções, um baloiço de corda, um tentáculo de polvo, que serve para tudo o que for capaz de imaginar, e uma réplica do Farol de Santa Marta (o verdadeiro encontra-se a 21 minutos de carro do parque), que incorpora um escorrega com uma curva jeitosa – o ponto de aterragem é prova viva do estrago que causam os tantos pés que ali põem os travões.

Parque dos Cascalitos
© Ricardo LopesParque dos Cascalitos, em Cascais

“O conceito é o primeiro passo, só depois nascem os equipamentos, mas percebe-se perfeitamente que pensámos isto para aqui. Para Vila Verde, por exemplo, fizemos [para o centro urbano] uma boneca namoradeira”, diz Milva, sobre a peça de 2021, que é ao mesmo tempo escorrega e obra de arte. É, explica-nos, uma forma de elevar o património local, por um lado; e, por outro, de “atrair a população e os turistas”, criando uma dinâmica activa também na envolvente. “Não é só um espaço giro onde as crianças podem estar. Por isso é que, pessoalmente, não pensamos neles como parques: são espaços de jogo e recreio, porque são para todas as idades. A ideia é que sejam multigeracionais, que um pai, uma mãe ou um avô também tenha alguma coisa para fazer, porque se não vai ficar aborrecido. No escorrega, se conseguirem subir e descer, esperamos que o façam.” Tal como Mafalda fez durante o nosso encontro. Diz que foi para a fotografia, mas nós sabemos a verdade: nenhum adulto desperdiça uma oportunidade de voltar a ser criança.

Ser criança é brincar, brincar é ser livre

Há quem ache que existe uma data de validade para a diversão. Terminado o prazo, tornamo-nos sisudos e responsáveis. Regra geral, à medida que crescemos, há cada vez menos espaço para a aventura. Mas a liberdade para explorar – absolutamente essencial na primeira infância, entre os 15 e os 36 meses – também faz falta aos mais velhos. Mexer o corpo, puxar pela cabeça, gerir o confronto com o outro, são tudo coisas que as crianças podem aprender num parque ainda antes de terem idade para ir à escola e que nós, adultos, devemos continuar a praticar mesmo depois de sair da escola. Por falar nisso, a filósofa Hannah Arendt, uma das mais influentes do século XX, evoca muitas vezes no seu trabalho, a palavra grega “skholè”, que significa “ócio, tempo livre” e é também, que curioso!, a raiz da palavra “escola”, do latim schola.

“Enquanto se brinca também se pode treinar”, garante Milva. “Um parque inclusivo também é para todos nesse sentido, porque tanto serve crianças com diferentes incapacidades [e que são desafiadas e se desafiam a superá-las], como adultos em reabilitação ou idosos a perder mobilidade, que beneficiam do exercício.” É preciso respeitar as normas e legislação em vigor, mas o objectivo é tentar não replicar a “chapa 5”, que se vê aos molhos por aí e deixa pouco à imaginação. Quando uma criança brinca num parque, espera-se que experimente, resolva problemas, pense criativamente, decida como e com quem fazer. “Se está muito bonito, mas os miúdos entram lá, dão duas voltas e já se fartaram, é porque qualquer coisa não está bem. Este barco tem bancos para descansar, tem um leme para rodar, umas escadas para subir e descer, um mini-escorrega e é, só por si, um convite a inventar.”

Artigo originalmente publicado na edição de Verão 2023 da revista trimestral Time Out Lisboa.

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