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Há muito que Atsumi Fujita, directora da Sokyo em Quioto, procurava abrir uma galeria de arte contemporânea na Europa. Mas foi apenas em 2019, após uma visita a convite de um coleccionador português, que a curadora encontrou em Lisboa a cidade perfeita para o fazer. A exposição inaugural da Sokyo Lisbon, patente até 12 de Dezembro, é da célebre japonesa Mishima Kimiyo, que através das suas obras de cerâmica nos põe a reflectir sobre a sociedade de consumo.
O espaço não é propriamente amplo, mas a luz natural e a serenidade impressa pelo branco das paredes e estruturas de exposição confunde o olho, que não resiste a entreter-se com as impressionantes obras tridimensionais de Kimiyo. Desde um conjunto de latas de diferentes marcas de refrigerante até uma pilha colorida de revistas de manga, as peças de cerâmica da artista japonesa, com pintura feita à mão, são versões altamente realistas do chamado “material impresso quebrável”.
“Escolhemos inaugurar com a Mishima Kimiyo, porque a sua obra está presente em colecções privadas e institucionais em todo o mundo, desde o Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, no Japão, até ao British Museum, em Londres”, esclarece Joana Costa Pessoa, responsável pelo dia-a-dia da Sokyo Lisbon. “Além da técnica, a sua obra é reconhecida sobretudo pelo tema abordado, relacionado com tudo o que consumimos e que é descartado. Esta questão do desperdício é muito actual, mas ela começou a pensar nisto muito antes.”
Oriunda de Juko, Osaka, onde nasceu em 1932, Mishima Kimiyo sonhava em ser médica, mas devido à oposição da mãe acabou por se dedicar à pintura, muito influenciada pelo seu futuro marido Shigeji Mishima (1920-1985), que na altura estudava com o pintor Jiro Yoshiwara, co-fundador do movimento artístico japonês de vanguarda Gutai. Inicialmente, Kimiyo comunicou a sua ansiedade em relação à sociedade de consumo sobretudo através de colagens, com técnicas mistas de impressão, que faziam uso de materiais como jornais, folhetos de propaganda, revistas e até bilhetes, mas em meados dos anos 70 começou finalmente a trabalhar com cerâmica, aplicando os materiais impressos que já usava numa fina camada de barro através da técnica de serigrafia.
“Esta colagem, feita com bilhetes de apostas de cavalos, é a obra mais antiga que temos da Kimiyo. O marido dela apostava imenso e até conseguimos ver as indicações [marcadas a caneta vermelha] que ele fazia”, conta Joana, apontando para um quadro. “É uma característica muito interessante da obra dela. É que, como ela usa materiais impressos reais, temos sempre uma ligação directa ao período durante o qual viveu e à experiência por que passou, neste caso é a vivência do marido, mas que ela também experienciou.”
Desde Memory II (1969) até às Work 20-Tag A (2020), a exposição inaugural da Sokyo Lisbon inclui obras de diferentes fases da carreira de Kimiyo, onde a cerâmica se destaca, “por ser um dos materiais com maior durabilidade, que não vai ser reciclado e que, de certa forma, se recusa a ser consumido”. Mas há mais para ver. Numa outra zona resguardada da galeria, é possível encontrar trabalhos de outros artistas japoneses, como as peças azuis de Saturo Hoshino ou as delicadas “ondas” de Machiko Hashimoto.
Para o futuro, o objectivo é inaugurar novas exposições de dois em dois meses e mostrar a versatilidade dos artistas que trabalham com a marca Sokyo. “Não fechamos a porta a outras possibilidades, mas como temos esta relação forte com o Japão iremos apostar muito na cerâmica japonesa, porque é esse também o nosso foco e porque sentimos também que é um mercado com potencial em Portugal, mas não tem muita ou nenhuma concorrência.”
Rua de São Bento 440. Ter-Sex 11.00-19.00 e Sáb 10.00-14.00.
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