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Augusto Abelaira publicou o seu primeiro romance em 1959. Escrito num registo muito próximo do teatro, ou até do cinema, A Cidade das Flores encena as vidas de um grupo de jovens que, na luta pelos seus ideais, se debate com as inevitáveis contradições entre os seus impulsos juvenis e as limitações impostas pelo governo de Benito Mussolini, na Itália dos anos 30. Decorrido mais de meio século, a força da sua mensagem revela-se tão necessária quanto à data da publicação, em plena ditadura salazarista. “Li este livro pela primeira vez devia ter 13 anos, e nunca mais me esqueci”, confessa Joana Craveiro, que regressa ao Teatro Nacional D. Maria II com o seu Teatro do Vestido e um espectáculo sonhado desde a adolescência. Juventude Inquieta, uma reflexão sobre a resistência e a luta activa contra os sistemas autoritários, estreia-se a 16 de Outubro, na Sala Garrett, onde fica até ao final do mês, antes de seguir para o Teatro Viriato, em Viseu (12 e 13 de Nov, Sex 21.00 e Sáb 17.00).
“Se fosse português talvez não chegasse a ser livro, ficava como folha dactilografada por Abelaira. Fazio era italiano e isso garantia-lhe a possibilidade de existir”, narra Simon Frankel, um dos 13 intérpretes e co-criadores de várias gerações, que se vão cruzando em cena – S. (assim se lê no guião de Juventude Inquieta) está a referir-se a Giovanni Fazio, personagem principal do romance de Abelaira, que no pós-25 de Abril admitiu ter pensado em Lisboa e em Salazar quando escreveu sobre Florença e o auto-denominado Il Duce, em 1959 já “morto e enterrado”. “O livro foi escrito [por volta de 1957, dois anos antes de ser editado pelo próprio autor] numa época em que a ditadura portuguesa se eternizava. Abelaira reflecte a desesperança, que depois vimos a encontrar noutras obras, como num diário de Miguel Torga, que também fala desse sentimento, de impotência, e do que é agir perante o regime fascista, ditatorial”, esclarece Joana Craveiro.
Mais uma vez devota a questionar a relação entre os acontecimentos históricos e as suas representações no presente, a encenadora – que nasceu em 1974, com a Revolução de Abril – insiste na eterna pertinência de aprendermos com o passado colectivo e, sobretudo, de descobrir o que é que podemos fazer, como avançar daqui para a frente. “Vai sempre haver causas pelas quais lutar”, diz-nos, denunciando sem hesitar “uma ascensão das extremas-direitas, por essência fascistas”, que se alimentam oportunisticamente dos rancores, dos ressentimentos, das ignorâncias, dos preconceitos e do nacionalismo extremo de uma franja da população. “É [uma ideologia] volátil, viscosa, assume diferentes identidades, adapta-se, transmuta-se, mas não desaparece. O combate de ideias, que se deve realizar de forma militante, tem de ter em conta isto, que o opositor vai estar sempre a mudar.”
Ancorada num extenso trabalho de campo, que incluiu uma viagem a Florença, residências de escrita e entrevistas a resistentes anti-fascistas, Joana Craveiro lança um olhar sobre as utopias, os sonhos e as aspirações políticas de jovens de diferentes épocas. Num exercício de memória e projecção, que traz a literatura e o cinema para dentro do teatro, inclusive com a “quebra da quarta parede” e um dispositivo de vídeo em directo, Juventude Inquieta fala-nos de resistência e de combate, de conformismo e de revolução, de estar sozinho e de ser colectivo, de amor e de intimidade, de lugares de fala e da (im)possibilidade de emancipação, de desalento e de fé. “O pessimismo é um veneno, tira-nos a capacidade de lutar. Não acredito num optimismo milagroso ou irresponsável, de wishful thinking, mas no que cada um pode fazer individualmente e em conjunto.” A esperança, assegura-nos, anima o espírito. É preciso fomentá-la hoje para que possamos ganhar amanhã as batalhas que ontem perdemos.
Teatro Nacional D. Maria II. De 16 a 31 de Outubro. Qua-Sáb 19.00 e Dom 16.00. 9€-16€.
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