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Ponte Vasco da Gama em 1998
Rosa ReisPonte Vasco da Gama em 1998

A história da Ponte Vasco da Gama: “Como homens pequeninos conseguem fazer algo gigantesco”

É uma exposição inédita, a que arranca esta quinta-feira, 7 de Março, na galeria IMAGO. A fotógrafa Rosa Reis mostra como se ergueu aquela que era a maior ponte da Europa.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
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Rosa Reis tinha 46 anos e trabalhava como secretária no departamento de Medicina da Lisnave, em Almada, quando soube que Portugal ia assistir à construção de uma das mais importantes obras de engenharia civil das últimas décadas. "Comecei a ver aqueles cilindros grandes, de cimento, no estaleiro e fui perguntar para que eram. Contaram-me que era para construir a ponte. Na altura, eu trabalhava com um médico que tinha um irmão na gestão da obra. Era o engenheiro Vístulo de Abreu. Fui falar com ele, porque queria fotografar, e ele autorizou", conta a fotógrafa, em conversa com a Time Out. Daqui se formou um largo conjunto de fotografias, parte das quais fazem a exposição "Pulsar da construção – Ponte Vasco da Gama", que arranca esta quinta-feira, 7 de Março, na Galeria IMAGO, em São Vicente. Em 17 imagens, vamos da terra plana às cofragens, passando pelos pilares, elevadores de obra e tabuleiros, e também vemos como mais de 3000 homens ergueram a então maior ponte da Europa.

Ponte Vasco da Gama em 1997
Rosa ReisPonte Vasco da Gama em 1997

Foi também a construção da Ponte Vasco da Gama (1995-1998) o acontecimento que levou Rosa Reis a apresentar o pedido de reforma antecipada e a sair da Lisnave, onde tinha trabalhado desde sempre, para se dedicar inteiramente à fotografia. "A trocar o certo pelo incerto", diziam-lhe. O trabalho, tal como a obra, durou três anos e ficou guardado até hoje (à excepção de uma pequena mostra que aconteceu num recinto privado). "É a primeira vez que mostro este trabalho ao público. É um dos muitos trabalhos que estão de lado", conta a artista de 75 anos, que começa, agora, a querer dedicar-se ao seu arquivo pessoal, com o objectivo de o organizar, mostrar em exposições e em livros. 

Uma mulher nos estaleiros

Mas voltemos a 1995. Nos estaleiros da Lisnave, do Seixal, do Samouco e de Beirolas, na margem Norte, a fotógrafa andou "sempre sozinha, a fazer o que queria", uma mulher num mundo quase exclusivamente de homens (houve apenas quatro mulheres envolvidas na empreitada da Vasco da Gama, segundo Rosa Reis: duas técnicas de segurança, uma engenheira e uma profissional da cozinha), que se interessava por registar a transformação do espaço e a força do trabalho. "Dou-me bem com eles", diz Rosa, que apesar de ter escolhido sempre cenários de maquinaria pesada e betão nunca gostou do risco. "Se queria fotografar, tinha de ser", simplesmente. Mas fazia-o (e continua) com um "olhar feminino", acredita. Que diferença faz isso? "Acho que há uma sensibilidade diferente", analisa a fotógrafa, adiantando que, no seu caso, acrescenta-se uma originalidade, um outro ângulo e associações inesperadas, como se as imagens fixas da matéria nos pudessem fazer pensar para além disso. Ou, pelo menos, é isso que ela tenta.

Ponte Vasco da Gama em 1996
Rosa ReisPonte Vasco da Gama em 1996

Sempre a impressionou a transformação total da paisagem e "como homens pequeninos conseguem fazer algo tão gigantesco". "Gosto muito de ver o homem a fazer as coisas, da alteração do espaço", conta Rosa Reis. Com a Vasco da Gama, o contraste elevou-se ao máximo. Erguia-se, nos anos áureos da construção pública, com a Expo 98 como exemplo, a maior ponte da Europa (destronada, em 2018, pela Ponte da Crimeia, que foi entretanto parcialmente destruída), cuja edificação culminou com a mítica feijoada disposta numa mesa de cinco quilómetros, provada por 15 mil pessoas e que entrou para o livro do Guinness, sob a histeria das televisões. Os 12,3 quilómetros de comprimento (11,5 quilómetros em viadutos) envolveram o trabalho de 3300 pessoas, para se criar uma alternativa à muito congestionada Ponte 25 de Abril e ligar a "nova Lisboa" da Expo à margem Sul do Tejo. 

Projectos sempre longos

Como em todas as obras públicas, ali, a segurança era máxima, mas, apesar disso, os acidentes não eram uma impossibilidade. Dos episódios que mais marcaram Rosa Reis, a fotógrafa recorda os trabalhadores que morreram num acidente num carro de obra, em 1997. "Conhecia um deles, e aquilo marcou-me muito." Rosa não conheceu todos os operários que estiveram na construção da ponte, mas o tempo que lá passou – manhãs e tardes inteiras, durante três anos, depois ou antes de ir levar e buscar os filhos à escola – foi uma das principais armas de aproximação aos rostos do trabalho. "Nunca fotografo ninguém contra. As pessoas autorizam-me verbalmente ou às vezes basta o olhar. Mas sei que, com o tempo, vou conquistando as pessoas. E acabo por dar fotografias a muitas. É o mínimo que posso fazer", diz a artista. Por outro lado, os seus projectos (à excepção, talvez, dos concertos de jazz que acompanhou nos últimos anos) são quase sempre de longo curso, meses ou anos. 

Ponte Vasco da Gama em 1997
Rosa ReisPonte Vasco da Gama em 1997

Quando, em 1998, a Ponte Vasco da Gama ficou pronta, Rosa Reis foi à procura de mais para fotografar. E continuou, até hoje. Do portefólio fazem parte imagens de edifícios marcantes como a Fábrica da Pólvora de Vale Milhaços, no Seixal, do desmantelado Bairro 6 de Maio, na Amadora, ou da construção monstruosa da Fundação Champalimaud. "São todos projectos pagos por mim, das deslocações à revelação. Sou completamente independente, nunca recebi um tostão por estas fotografias", conta a autora. É um privilégio poder fazê-lo e Rosa Reis sabe-o. "A fotografia é um prazer", "uma experimentação absoluta". Poder partilhá-la com os outros é a outra face dessa experiência. 

Galeria IMAGO (São Vicente). 7-30Mar. Qua-Sáb 14.30-18.30. Entrada gratuita 

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