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A juventude de São Miguel ou "O Narcisismo das Pequenas Diferenças"

Escrito por
Clara Silva
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Das famílias mais abastadas de São Miguel à crescente comunidade gay e trans de Rabo de Peixe. Pauliana Valente Pimentel fotografou os jovens da ilha açoriana numa exposição para ver no Arquivo Municipal.

Até 11 de Janeiro, “O Narcisismo das Pequenas Diferenças”, da fotógrafa Pauliana Valente Pimentel, põe jovens da ilha de São Miguel nas paredes do Arquivo Municipal de Lisboa. A exposição, inaugurada esta quinta-feira, resulta de um trabalho de um ano na ilha, feito a propósito dos festivais Tremor e Walk & Talk. Um ano depois, chega a Lisboa com os melhores retratos dos jovens da comunidade queer da vila piscatória de Rabo de Peixe.

De onde surgiu a ideia para este trabalho?
A minha ideia foi retratar a juventude de São Miguel no seu contexto social e paisagístico, como nos trabalhos que tenho vindo a desenvolver nos últimos anos. Interessou-me a questão insular, perceber como se move a juventude, que grupos existem, o tipo de abertura e a liberdade que têm e como se manifestam. Desenvolvi o trabalho num ano, com idas e vindas por forma a conseguir ganhar confiança e intimidade com os retratados.

Pauliana Valente Pimentel

Como entrou nas suas vidas?

Conheci, por exemplo, o Julian a andar a cavalo no Centro Hípico de Santana e ele levou-me a conhecer outros jovens. A Sofia deu-me a oportunidade de conhecer a sua casa incrível.

Interessou-se também por outra comunidade mais desfavorecida.
Em Rabo de Peixe, uma comunidade piscatória muito pobre, bastante fechada e com famílias numerosas, encontrei jovens fascinantes que trabalham árduo na pesca mas que também dançam. Aqui também conheci jovens transgénero que são aceites, como é o caso da Nina, que tem o sonho de ser bailarina.

Rabo de Peixe tem má fama. Como foi trabalhar ali?
É aquele local que sempre foi estereotipado como sendo um local muito perigoso, com assaltos e drogas pesadas. Quando comecei a ir para lá percebi que mesmo as pessoas da ilha têm medo de lá ir. Há um enorme preconceito. Nunca senti perigo, fui muito bem tratada e acolhida. Obviamente, não cheguei lá e comecei logo a fotografar tudo e todos... Na realidade, esse é que é o problema. Muitos chegam lá tipo National Geographic, para fotografar o exótico. Habituaram- -se a ver-me e já me chamavam de “loirinha” sempre que aparecia. Aos poucos fui aceite no bairro.

Já sabia que existia ali uma grande comunidade gay?
Existe uma comunidade gay não só em Rabo de Peixe como em toda a ilha, mais visível na classe média-baixa. A ilha é muito religiosa e conservadora e os jovens de classe alta têm medo de se assumir perante as suas famílias. Um aspecto curioso é que em Rabo de Peixe, com uma sociedade muito machista, onde as mulheres, por exemplo, não podem ir ao café e tomam banho de mar vestidas, foi onde encontrei um maior número de jovens LGBT. Orgulhosos, que não se escondem e que são aceites pela comunidade.

Como explica essa maior abertura para estas questões LGBT?
Questionei-me muito sobre isso e acho que tem também a ver com o isolamento. Rabo de Peixe é uma freguesia muito pobre e isolada, por isso os habitantes acabam por proteger-se uns aos outros. É uma população muito jovem, as mentalidades mudam mais rápido, cada um é como é, e isso é aceite. Encontrei lá um grupo considerável de jovens trans que se sentem mulheres ou que gostam de se vestir como mulheres e usam nomes femininos.

Alguma história em particular que a tivesse marcado?
Quando comecei a fotografar em Rabo de Peixe fui de madrugada ao cais e vi chegar um barco com três pescadores que tinham passado a noite no mar. Um deles vinha carregado de pequenos tubarões e, quando olhei melhor, percebi que estava maquilhado como se fosse uma mulher.

Optou por fotografar jovens de vários estratos sociais. Porquê?
Só fazia sentido fazer um trabalho sobre jovens micaelenses se fotografasse as várias posições na hierarquia, pois a sociedade é bastante estratificada e não se mistura. O único local de encontro é o liceu.

Encontraram-se também na inauguração da sua exposição, o ano passado, durante o festival Tremor.
Sim, a inauguração aconteceu na Galeria Fonseca Macedo e fiz questão de convidar todos os retratados e suas famílias e eles vieram. Estava a mostrar a sua terra, a sua realidade e o diálogo que se criou foi muito, muito positivo. Apercebi-me de que afinal o que é preciso é haver encontros, pois na realidade, não há diferenças nos jovens.

Em “Quel Pedra” também acompanhou a juventude trans de Cabo Verde. Encontrou algumas semelhanças com esta comunidade queer de São Miguel?
Sem dúvida, sobretudo em Rabo de Peixe. A semelhança é tão impressionante que eu poderia ter “repetido” o mesmo trabalho que fiz em São Vicente, e em vez de chamar “Quel Pedra” chamarlhe “Quel Calhau” [risos]. Mas é verdade, ambas as comunidades são muito jovens e pobres, vivem em grupo, o que as torna mais fortes, corajosas e sem medo de mostrar quem são.

Inauguração esta quinta, 18.30, Arquivo Municipal Fotográfico

Sair do armário – o melhor da agenda LGBT em Lisboa

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