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A nova criação do Teatro da Cidade é uma falésia do amor

Escrito por
Miguel Branco
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‘que boa ideia, virmos para as montanhas’, nova criação do Teatro da Cidade que estreia esta quarta-feira no CAL – Primeiros Sintomas, é o amor em cena, uma visita tardia. Ainda que tenhamos ficado cheios de vertigens, dizemos-lhe que isto é imperdível. A encenação e o texto são de Guilherme Gomes. 

Nem sempre conseguimos dormir. Um barulho qualquer, lá fora, cá dentro, são espanta-espíritos, rajadas, vultos sonoros. E André está tão determinado a adivinhar-lhes o berço que até veste a camisa, até aperta o cinto, como se isso o deixasse mais pronto. Estamos numa casa despida – janela, telefonia, sofá, candeeiro – embora Leonor se apresente de pijama desportivo, calças largueironas, acordada pelo barulho de André, não por aquele que fez André sair da cama. 

Estamos no sítio do bem-bom, no aroma da intimidade, que logo aí nos coloca no mapa do desconforto. que boa ideia, virmos para as montanhas é a nova criação do Teatro da Cidade, pela primeira vez com texto e encenação de Guilherme Gomes, um dos elementos do grupo que desta vez assume o olhar exterior. Estreia esta quarta-feira no CAL – Primeiro Sintomas e por lá fica até 29 de Abril.

A terceira peça do Teatro da Cidade começou por ser um processo mais individual de Guilherme Gomes que, já nos ensaios de Topografia, com uma guitarra em cena, aprendeu a tocar e cantar “Famous Blue Raincoat”, de Leonard Cohen. Se a isto juntarmos os Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes, temos a ideia do amor em cena, tentar reflecti-lo, explicar o inexplicável. “O poema do Cohen, no início diz: ‘Aqui tens os amantes, não têm nome, as suas histórias só para eles. Aqui tens o quarto, a cama e as janelas.’ É uma óptima definição do que está aqui a acontecer. Isto é uma casa, uma idealização de uma casa, a janela é uma citação de uma janela, o chão é uma citação de um chão e estas pessoas são também citações, ideais de pessoas”, explica Guilherme.  Resumindo, temos Leonor e André, que recebem uma visita tardia que não traz boa água no bico.

E se já antes os silêncios se assumiam como parte do elenco, aqui, nas montanhas, onde estas personagens passam um oceano de tempo a pensar, agora, com a visita de Isabel, até o sofá parece querer praticar o silêncio, vincular a inquietação. O lúcia-lima vem quente quando se precisava dele em iceberg, para, mais friamente, diluir esta tensão triangular: “Não me interessa perceber exactamente o que se passou entre a Isabel e o André, não me interessa saber se eles foram para a cama, se tiveram uma conversa muito íntima, se assaltaram um banco juntos, interessa-me que eles atingiram uma intimidade tal que poderia ser uma traição”, afirma Guilherme. E daqui em diante segurem-se que se a casa, a citação da casa, já ia bamba, agora pode bem ir deitada. É a berlinda da complexidade humana, a inevitabilidade de sucumbirmos ao tempo e o dever, o direito, o remédio da solidão. É assim. Não se está bem, nem se está mal, está-se nas montanhas. Bela ideia. 

CAL - Primeiros Sintomas. Qua-Sáb 21.30. Dom 16.30. 8€

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