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“Eu também digo a verdade. Só que, às vezes, pinto por cima como nos desenhos”, explica um irmão à irmã, sem saber que, afinal, farta de o ouvir contar tantas aldrabices, a rapariga também resolveu mentir. Mas como distinguir as mentiras que parecem verdade de verdades que parecem mentira? E as verdades que não se dizem de mentiras que se dizem por simpatia? Das descaradas às muito bem escondidas, há mentiras (e verdades) para todos os gostos. E aprender a lidar com o seu papel na vida e nas relações com os outros faz parte de crescer. Quem o diz é a encenadora Catarina Requeijo, que nos convidou a ver Juro que é mentira, a mais recente produção para a infância do D. Maria II, que vai – e não vai – estrear a 6 de Março, no Salão Nobre.
Pode dizer-se que esta é uma “verdade diferente”. Ainda que pareça estar prestes a subir ao palco do Teatro Nacional, a peça irá concretizar-se em diferido na Salinha Online, quando e a partir da casa de cada uma das famílias que a quiserem acolher. “Trata-se de um espectáculo que, na verdade, ainda não viveu, porque os actores não têm no corpo a memória do que é fazê-lo para alguém”, lamenta a encenadora do projecto Boca Aberta, que nasceu em 2015 e tem crescido com visitas das e às escolas, numa parceria com a Câmara Municipal de Lisboa. Agora, para a rede pública pré-escolar, far-se-á o possível: além do vídeo do espectáculo, será disponibilizado conteúdo introdutório, bem como propostas de actividades, para que possa haver “trabalho de continuidade”. A faltar ficará sempre a experiência de transformar as salas de aula para partilhar outras realidades e o peso da arquitectura e da escala do teatro, dos quadros à talha dourada.
Com interpretação de Gonçalo Egito e Sandra Pereira, o espectáculo, concebido pelas dramaturgas Inês Fonseca Santos e Maria João Cruz, aborda não só os diferentes graus de mentira e as intenções por trás de cada uma, como a forma como as usamos para nos relacionar com o mundo. É que, a bem da verdade, muitas vezes mentimos apenas para evitar algum sofrimento – como quando os pais não dizem nada ou adiam a resposta. “É uma forma de mentir, quando as crianças fazem perguntas difíceis e dizemos ‘amanhã respondo’ ou ‘pergunta ao teu pai”, descreve Catarina, que não glorifica a mentira, mas também não a condena de forma peremptória. “Às vezes, não dizer até é pior que mentir, porque nos deixa sem chão, como nos aconteceu com a pandemia. Todos gostávamos de acreditar que é mentira, mas nem sequer sabemos muito e estamos desesperadamente à procura de uma verdade qualquer. Não há um adulto que nos diga ‘isto vai ser assim, fica descansada’.”
Descansada é, na verdade, como a rapariga de que falámos no início do texto gostaria de ficar no final da história toda. Mas atenção: para que esse desejo se torne realidade, terá de convencer o irmão a parar de mentir – ou, pelo menos, a inventar menos e só da parte da manhã. Antes, haverá tempo para brincar com a beleza das inverdades e visitar o planeta Mun, onde vive, entre muitos outros habitantes de arame e metal, um robô que é a batedeira de bolos da mãe. “O próximo foguetão parte daqui a 72 minutos e 18 segundos”, anunciará o mentiroso-mor. Nós corrigimos: daqui a uns dias, muitos minutos e outros tantos segundos.
Filmado em alta resolução e com várias câmaras, Juro que é mentira ficará disponível gratuitamente e contará com versões com audiodescrição e interpretação em Língua Gestual Portuguesa.
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