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A oficina da Joalharia Leitão & Irmão é quase um museu

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
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A Joalharia Leitão & Irmão está a caminho dos 200 anos de história e esconde uma oficina de outros tempos muito perto do Chiado. Entre connosco nestes bastidores.

Sobrevive no centro de Lisboa uma oficina única, construída de raiz há quase século e meio com o propósito de reunir artesãos que até então trabalhavam em vãos de escada, para começarem a desenhar e a trabalhar as peças da empresa que chegou a ser eleita pelo rei D. Luís I como Joalheiros da Coroa Portuguesa. A Joalharia Leitão & Irmão tem lojas no Chiado, no Bairro Alto, no Hotel Ritz e também no Estoril. Mas o ponto de partida desta joalharia foi mais distante. Fundada por José Pinto Leitão, encontrou a sua primeira morada na Rua das Flores, a do Porto, em 1822. Uma loja-oficina que rapidamente se destacou a nível nacional e internacional. Primeiro modernizaram o fabrico, entre materiais e maquinaria, e abriram filiais em Londres e Paris (1866). Depois, a arte de bem fazer foi reconhecida pela Casa Real Brasileira, que lhes concede em 1872 o título Ourives da Casa Imperial do Brasil. Na altura, a casa real era liderada por Pedro II, filho de D. Pedro IV de Portugal, que conheceu estes mestres joalheiros durante o Cerco do Porto (1832-33). Cinco anos mais tarde abrem a primeira loja em Lisboa, no Chiado (onde hoje mora a Vista Alegre) e 15 anos depois a Leitão & Irmão é agraciada com o título de Joalheiros da Coroa, a portuguesa. Não é para todos.

 

Fotografia: Manuel Manso

A oficina no Chiado

Muito perto do Chiado, numa localização que não podemos revelar, fica uma antiga oficina de ourives joalheiros, erguida nos anos 70 do século XIX num pátio de um velho palacete. E é um caso único no país, uma vez que foi construída de raiz para a função que ainda exerce em 2019. Um barracão em madeira, com muita luz natural, que mantém a chaminé industrial, talvez a única sobrevivente na zona. “De resto é tudo adaptações”, explica Jorge Van Zeller Leitão, da sexta geração da família Leitão, e o homem que hoje lidera o negócio desta casa histórica, referindo-se a antigas oficinas espalhadas pelo território nacional.

Fotografia: Manuel Manso

A maquinaria que hoje ajuda à criação de peças de decoração e jóias é moderna, mas partilha o mesmo espaço que algumas peças de museu. Falamos das máquinas industriais do século XIX que inauguraram esta oficina e que, apesar de não serem usadas para trabalhar, ainda funcionam. De seis em seis meses são postas a trabalhar para serem limpas e desenferrujadas. “Documentam a renovação industrial portuguesa, de um fazer moderno em Portugal”, diz Van Zeller Leitão. É o caso de um balancé da John M. Sumner & Cia (Manchester), trazido antes de o barracão ser fechado (não passava na porta), suportado num bloco de betão. Não passam também na porta o laminador da marca E. Kurtz à Paris e um pesado cofre da Fábrica de João Thomaz Cardoso – Villa Nova de Gaya, que agora serve de depósito de papéis. “É um símbolo da revolução industrial europeia. O que pode fazer sentido é fazer disto uma oficina-museu e passar a oficina para outro sítio. Transformar num espaço visitável com tudo arranjadinho”, sonha Van Zeller Leitão.

Fotografia: Manuel Manso

Além da maquinaria pesada, encontrámos uma forja a carvão, tapada, entretanto substituída por uma mais moderna, que até tem ligação à internet para programar ciclos de fundição. Ao lado, uma zona de escultura, de onde saem as imagens em cera que se irão transformar nas mais variadas peças. Como um presépio especial, inspirado nos presépios de barro que fizeram a infância de quase todos os portugueses.

Fotografia: Manuel Manso

A casa Leitão descobriu no Norte do país o último modelador desses presépios, Francisco Pinto, que tem sido o responsável pelos moldes do presépio em prata a ser construído pela joalharia. “Vamos em 50 peças, mas vamos acabar em 100”, avança Van Zeller Leitão, referindo-se à data final para a conclusão do conjunto: 2023, 800 anos após ter sido criado o primeiro presépio da história, por São Francisco de Assis. São inúmeras as peças desta joalharia que contam uma história e durante a nossa visita encontrámos a “girafa de fogo”, uma réplica em prata da girafa que Salvador Dalí criou para o seu corso do Carnaval no Estoril em 1964. À venda está ainda “Rhinocerus 1515”, em prata cinzelada, que é uma homenagem ao rinoceronte que D. Manuel I ofereceu ao Papa Leão X.

Fotografia: Manuel Manso

No primeiro andar da oficina há um espaço dedicado às peças mais pequenas, onde alguns dos cerca de 20 ourives joalheiros de serviço se servem de pequenas ferramentas e óculos graduados especiais para não perderem qualquer pormenor. A decorar o espaço também estão peças antigas, algumas vindas de oficinas que já fecharam e uma parede de registos de peças em gesso envernizado do que se foi fazendo por aqui. Peças que, quem sabe num dia não muito longínquo, sirvam a viagem no tempo de um futuro museu-oficina no coração da cidade.

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