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A sociedade num garrote: 'Purificados', de Sarah Kane, estreia em Cascais

Escrito por
Miguel Branco
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A dramaturga inglesa, pela mão do jovem encenador Gonçalo Carvalho, chega ao Auditório Fernando Lopes-Graça, na nova produção da Palco13, esta quarta-feira. Por lá fica, até ao fim do mês, num universo gore e perturbado, onde ninguém se cura. 

Um agarrado de all-star e capuz sente a falta dela, contorce-se, quer sair. Um aparente dealer, engravatado, não deixa, dá-lhe uma dose fatal. Aparente porque, mais do que dealer, Tinker é justiceiro, pseudomédico, cabecilha de um lugar aterrador, uma espécie de centro de correcção, um matadouro com cortinas transparentes, um hospital abandonado, um lugar onde se vai morrer, alucinando. Estamos em Purificados, de Sarah Kane, um grito anti-sociedade, que Gonçalo Carvalho, da Palco13 (estrutura criada pelo mesmo e pelo actor/encenador Marco Medeiros, entre outros), encena no Auditório Fernando Lopes-Graça, em Cascais. 

Na sua segunda encenação, Gonçalo Carvalho atira-nos para um universo gore-junkie (algures entre Saw e Trainspotting) mas onde o sangue é só mais um veículo de uma violência, que supera o visível. “Vejo este médico como uma extensão da sociedade. Alguém que faz o que lhe dizem, não conhece o amor. Ele é o corpo das vozes que a Grace ouve. É o carrasco. Quem dá a sentença somos nós (sociedade). As vozes que a Kane escreve são as vozes do mundo que a julga e que a julgou. Como todas as outras personagens, também o Tinker está à procura da sua própria purificação. Também ele quer sair”, explica o encenador. 

Grace é a irmã do tal rapaz que sucumbiu ao garrote e à seringa de Tinker. E Grace vem ao tal sítio procurar as suas roupas, procurar-se. E não há pior sítio do mundo para se estar indefeso. 

O doutor é sádico, infalível, de tal maneira que, tal como Grace – que jamais volta ao pensamento racional, a quem só resta tentar agarrar a memória do irmão – também Rod e Carl, um casal pouco conectado, em fases diferentes: o primeiro apregoa o agora e o segundo quer amar e quer o futuro. “Acho que a Sarah Kane colocou o Rod e o Carl porque naquele sítio a sociedade julga o amor. O Carl diz que o ama e fica sem língua. O Carl escreve para o Rod e fica sem mãos. O Carl dança para o Rod e fica sem pés. O Rod ri. Ri de revolta. Ri porque sabe que nem com a morte se deixa de amar”, identifica Gonçalo. 

Portanto sim, é isto, um bando de gente a querer purificar-se. Sendo que por aqui a purificação exige conspurcação, exige alucinações incestuosas, membros cortados por uma serra. Todos estão presos. Até a stripper que acaba por fazer o doutor dançar, que é o asilo de Tinker,  por lhe conferir humanidade, ou, pelo menos, traços de. E neste caldeirão gore e macabro qualquer traço, qualquer brisa de normalidade é bem-vinda.

Auditório Fernando Lopes-Graça (Cascais). Qua-Sáb 21.30. 7.50-10€. Erradamente, na edição da Time Out Lisboa que está nas bancas dizemos que 'Purificados' estreia apenas quinta-feira, algo que não é verdade. Estreia esta quarta. As nossas desculpas.  

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