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Televisão, Séries, Adult Material
©Geovanni RufiniAdult Material

‘Adult Material’, a pornografia do ponto de vista das mulheres

Protagonizada por Hayley Squires, a minissérie britânica aborda a indústria porno com drama e humor. Sem moralizar. Estreia-se esta sexta-feira na HBO.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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Billy Crystal não queria acreditar. Mulheres a fingir orgasmos? Porquê? Para quê? Com ele, pelo menos, nunca havia acontecido. Ele saberia com certeza a diferença. É então que Meg Ryan revira os olhos, se endireita na cadeira e demonstra com destreza a fantasia sexual em que os homens vivem. Foi há mais de 30 anos, em When Harry Met Sally... (Um Amor Inevitável, em português). Além de Billy Crystal, ou da personagem de Billy Crystal, e de todos os figurantes que enchiam o diner onde a cena é rodada (“I’ll have what she’s having”, acaba a pedir uma delas), Meg Ryan deixava o recado ao vasto auditório da comédia romântica de Rob Reiner. Mas talvez não tenha sido suficiente. Ou talvez, entre ficção e realidade, os homens, ou parte deles, prefiram a ficção – desde que as suas necessidades imediatas sejam satisfeitas. É o que parece acontecer em particular com os consumidores de pornografia: o sexo é descontextualizado, o prazer é falso e as relações entre personagens são frequentemente violentas, abusivas, humilhantes. No mínimo, delirantes ou luminosamente etéreas, irreais. E depois? Mesmo assim, os sites de conteúdos para adultos estão entre os mais visitados do mundo – três deles são maiores do que a Netflix.

Adult Material mostra os bastidores dessa indústria, através da experiência de uma actriz bem conhecida nos meandros hardcore da internet britânica: Jolene Dollar. Nome artístico que resguarda o nome verdadeiro de Hayley Burrows, a protagonista desta minissérie de quatro episódios, que chega à HBO nesta sexta-feira. Hayley é uma mãe de três e orgulhosa ganha-pão da família (o companheiro, Rich, interpretado por Joe Dempsie, o Gendry de A Guerra dos Tronos, gere-lhe as redes sociais). Uma mulher desempoeirada, independente, que começa por nos mostrar o lado cómico de tudo isto – acedendo a fazer vídeos para saciar os desejos fetichistas dos fãs, revendo a lista de coisas para fazer durante as filmagens, dando-se ao role playing entre admoestações a uma criança, ou (e cá está o momento Meg Ryan) fingindo um orgasmo enquanto aguarda pacientemente que o carro saia imaculado do dispositivo de lavagem automática –, mas que logo nos conduz para as suas contradições, incapacidades e constrangimentos, para as suas inquietações. Embora tenha uma carreira bem-sucedida e o dinheiro seja mais do que suficiente, Hayley tem 33 anos e o fim da linha como estrela pornográfica aproxima-se. O que fará a seguir?

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©Geovanni Rufini

A homónima Hayley Squires (a mãe desamparada de Eu, Daniel Blake, de Ken Loach) é quem dá corpo à protagonista, e a crítica britânica não tem senão elogios a fazer-lhe. À sua capacidade de retratar uma mulher tão forte e resiliente quanto consciente de que o poder reside quase integralmente nas mãos dos homens que dominam a indústria; de que é sobre as mulheres que recai o ónus de levar o acto sexual um pouco mais longe, de o tornar um pouco mais ousado e transgressor, para que alguém pague para o ver num tempo em que toda a gente quer tudo de graça. Significando isso que as personagens masculinas são uns pulhas manipuladores e opressores? Não. Há momentos de confraternização, de amizade, de brincadeira, de dúvidas sobre o trabalho – tal como em qualquer escritório. A abordagem de Adult Material não é a preto e branco, não é binária. E no entanto lá estão as relações desiguais de poder, a coerção directa ou velada, a disponibilização do corpo, assim como as consequências para a saúde mental tanto de quem participa nestes vídeos como para os seus. A vida escolar de Phoebe (Alex Jarrett), a filha adolescente de Hayley, por exemplo, não é nada facilitada pelo trabalho da mãe – que, além do mais, ainda lhe dá conselhos estarrecedores sobre consentimento, desculpabilizando os ímpetos masculinos.

Esta produção original do Channel 4 (que, entre muitas outras coisas, nos deu Black Mirror) é uma obra de e sobre mulheres. Escrita por Lucy Kirkwood e realizada por Dawn Shadforth (que até recentemente tinha sobretudo videoclipes no currículo, entre os quais vários de Kylie Minogue e Jamiroquai), Adult Material detém-se ainda sobre uma terceira personagem feminina: Amy (Siena Kelly), uma jovem de apenas 19 anos que entra na indústria para ganhar dinheiro enquanto recupera de uma lesão que a impede de dançar. Não é muito mais velha do que Phoebe, e Hayley vai dar-lhe a mão e tentar ajudá-la neste início, mas é ela, Amy, que vai mostrar o quão desestruturado, em termos pessoais, e impiedoso é este meio.

Como vão reagir a isso os consumidores habituais de pornografia? Apesar de o moralismo não ter aqui lugar – seja o puritano, à direita, seja o reivindicativo, à esquerda –, esta minissérie não se coíbe de nos mostrar os podres da pornografia, nem inibe o desejo de inquietar onanistas e amarelar-lhes as risadas. E esta nem deve ser da missa a metade.

HBO. Sex (Estreia).

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