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Música, Ópera de Câmara, O Homem dos Sonhos
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Após “sete anos de sonho e de luta”, António Chagas Rosa volta à ópera

A partir de um conto de Mário de Sá-Carneiro, António Chagas Rosa criou ‘O Homem dos Sonhos’, uma ópera que se estreia esta sexta-feira no São Luiz.

Joana Moreira
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Joana Moreira
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“Maldita vida, vida maldita.” São as palavras de arranque de O Homem dos Sonhos, a ópera de câmara que sobe ao palco do São Luiz, em Lisboa, de 4 a 6 de Fevereiro. É entre a vida maldita e o plano onírico que vivem e dançam (por vezes literalmente) as duas personagens desta “metáfora da alienação” pensada por António Chagas Rosa, que assina a composição e o libreto.

Fascinado com o conto homónimo de Mário de Sá-Carneiro, o compositor português, de 61 anos, sonhou durante quase duas décadas com este projecto. “Fiquei entusiasmado porque entretanto já tinham passado muitos anos desde a minha última ópera, houve uma evolução, nós crescemos, as coisas mudam, e fiquei com a expectativa de poder vir a ser feito um dia, mas não foi fácil encontrar essa abertura”, confessa à Time Out. Foi Catarina Molder, directora da companhia Ópera do Castelo, que em 2017 o desafiou a tirar a ideia da gaveta. “Atirei-me ao trabalho e escrevi a versão de canto e piano”, recorda o compositor, que optou por não acrescentar novas palavras ao texto e definir duas personagens: um Narrador e um Homem dos Sonhos. Um homem comum e outro que conhece “outras cores, outros panoramas”. “No fundo, o homem dos sonhos como personagem e o narrador são duas emanações da personalidade de Mário de Sá-Carneiro, são como dois avatares, dois prolongamentos do mesmo núcleo”, explica Chagas Rosa.

Música, Ópera de Câmara, O Homem dos Sonhos
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A encenação é de Miguel Loureiro, a direcção musical de Jan Wierzba. E se na voz do Narrador está o barítono Christian Lujá, a surpresa é mesmo a escolha da soprano Catarina Molder para voz do Homem dos Sonhos. A imagem de divulgação do espectáculo – um rosto coberto – não era, afinal, uma mera opção estética ou uma referência inofensiva à obra de Magritte. “O facto de o homem dos sonhos ser personificado por uma cantora e não por um cantor a mim exprime-me um pouco a alma feminina do Mário de Sá-Carneiro”, justifica o compositor. “Acho que um génio que produz um conto destes merece ser revivido de uma forma que ajude a que a história passe cá para fora. O facto de ser um personagem feminino a cantar o homem dos sonhos traz uma tensão extra à ópera e à interação entre os outros personagens.” Para Catarina Molder, interpretar este homem está a ser “libertador”. “As relações de abuso são iguais seja em que sexo for, não interessa, as pessoas abusam, manipulam, amam, atraiçoam da mesma maneira independentemente do credo”, diz à Time Out. “No fundo o Homem dos Sonhos é um contador de histórias, não sabemos se é um grande charlatão, possivelmente é um charlatão”, atira.

A também directora da Ópera do Castelo, que há muito desejava produzir uma ópera de António Chagas Rosa, destaca os “sete anos de sonho e de luta” para ver este projecto no palco. “O nosso país tem ainda um grande preconceito em relação à ópera porque a desconhece, infelizmente. Há muito poucas possibilidades de apresentar ópera e tem havido pouca iniciativa privada de companhias que se organizem também porque não tem havido apoio estatal”, lamenta. “Sempre me preocupou muito este afastamento da ópera da vida real, da vida das pessoas, porque é uma forma tão rica e devia estar muito mais no centro das artes performativas contemporâneas e não está porque se cristalizou. A ópera tem de se abrir e tem que entrar em diálogo.” Até chegar ao São Luiz “foi um largo caminho de portas fechadas, de emails não respondidos, o habitual”, diz. Por agora, o sonho concretiza-se em Lisboa, segue para o Teatro Municipal da Guarda e chega ao Teatro Viriato, em Viseu. E depois? Tal como O Homem dos Sonhos, há desejos de mais: “eu conheço outros panoramas, eu conheço outras cores, eu conheço o que quero”.

São Luiz Teatro Municipal. Sex-Sáb 20.00, Dom 17.30. 12€-15€

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