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Assim é a vida dentro de um crocodilo

Escrito por
Miguel Branco
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Rui Neto faz uma reescrita de Dostoiévski na sua primeira criação para o São Luiz. O Crocodilo ou o Extraordinário Acontecimento Irrelevante estreia esta quinta e é a vida num estômago animal.

A vida doméstica sempre foi um belo ponto de partida. Aquela coisa de se estar a empacotar, a mudar de casa, e idealizar, finalmente, uma estante organizada de livros, uma parede inteira no novo lar. Foi mais ou menos assim que Rui Neto chegou a este O Crocodilo ou o Extraordinário Acontecimento Irrelevante, que estreia esta quinta na Sala Mário Viegas do São Luiz. Foi a casa dos pais roubar as suas colecções a metro dos anos 60 e encontrou KroKodil, conto de Dostoiévski que desconhecia e que mais não é que um homem que vai a um parque natural ver um gigante crocodilo albino (a atracção central lá do sítio) e acaba engolido, sobrevivendo dentro do estômago da criatura.

Em primeiro lugar, Rui Neto interessou-se por este ser um conto inacabado, ou seja, como é que ele lhe daria a volta, como é que aquilo teria um fim na sua cabeça. “Depois foi o lado surreal do texto, estava habituado a um outro universo de Doistoiévski, uma coisa mais formal e isto é até um bocado idiota, no sentido da surpresa. Parece que te exige enquanto leitor uma crença quase infantil. E ainda o aspecto político inerente ao texto, pareceu-me muito contemporâneo. Estes três aspectos deram-me material para recontar isto, não ficar preso à ideia de vou levar um conto do Doistoiévski a cena”, explica o encenador.

A primeira co-produção de Rui Neto com uma estrutura deste género deu-lhe esta vontade de reescrever. Ivan, o alimento do crocodilo, é aqui muito mais interessado por biologia – chegando mesmo a propor uma lua de mel separada da sua mulher, ela em Paris, ele nas Galápagos – e há também um narrador, amigo de Ivan, com motivações diferentes daquele sugerido por Dostoiévski no original: “Naquela altura, em que estava a escrever isto, estava apaixonado pela voz do Benedict Cumberbatch, que fazia a voz de um documentário da Netflix sobre o Pacífico Sul, chegava a casa e não era ver filmes, ligava o iPad, punha os phones e adormecia com as imagens do Pacífico Sul e a voz do Benedict Cumberbatch. Aquela voz começou a ser um narrador desta história e começou a minar o universo visual e imagético, esta coisa das Galápagos foi uma coisa minha, que achei que fazia sentido introduzir aqui”, enquadra.

O Crocodilo ou o Extraordinário Acontecimento Irrelevante traz também música a cena, um acordeão – que para Rui Neto tanto é Rússia, como é Portugal – que serve de pano sonoro para alguns momentos musicais cheios de parvoíce. A par disto, há o guardador do crocodilo que vê política neste caso, sugerindo a criação de uma nova burguesia à boleia do acontecimento, talvez desejando privatizar o crocodilo, e ainda o médico que vê o sucedido como uma oportunidade científica de relatar como é a vida no interior do estômago de um crocodilo. Interesses agradados, por aqui, não faltam. Resta saber o que pensa Ivan.

Texto e Encenação Rui Neto. Com Ana Guiomar, Miguel Raposo, Miguel Sopas e Rui Melo

São Luiz Teatro Municipal. Qui-Sáb 21.00. Dom 17.30. 6-12€.

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