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Benjamin Clementine de regresso a Lisboa

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Benjamin Clementine dá um concerto no Campo Pequeno na quinta-feira. Traz o segundo disco, I Tell a Fly.

“E então, do nada/ Do nada absoluto, nasci eu, Benjamin,/ Para que, quando um dia me tornar alguém,/ Me lembre sempre que vim do nada”, canta Clementine em “Condolence”. O vácuo absoluto não existe, mesmo no abismo negro entre as estrelas, e na sua viagem a caminho deste planeta Clementine foi absorvendo materiais heteróclitos: música para piano impressionista ionizada, chanson francesa em estado gasoso, ecos deformados de synth pop, estilhaços de música barroca, pulsações minimal-repetitivas, música de câmara sideral.

Um músico dito normal não saberia o que fazer com esta colecção de bizarrias, mas Benjamin Clementine, que aterra quinta-feira no Campo Pequeno, tem talentos sobre-humanos: o dele é o de dar coerência e sentido a elementos que as leis da Física ditariam ser irreconciliáveis.

O álbum de estreia, At Least For Now, de 2015, assentava na voz e no piano, com um baixo e uma bateria a dar impulso adicional a algumas faixas e uma secção de cordas a providenciar dramatismo. Foi distinguido com o Mercury Prize de 2015.

Alguns dos que o saudaram, contudo, receberam com reserva a estranheza ainda mais retorcida de I Tell a Fly, de 2017, em que o piano passou a partilhar o protagonismo com electrónica e cravo (uma ave rara no pop-rock), os floreados e maneirismos vocais se tornaram mais extravagantes e o espectro atmosférico se dilatou para abarcar uma teatralidade afim de Tom Waits e Nick Cave. A crítica que se arroga o papel de “provedor do ouvinte médio” decretou que desta vez Clementine tinha ido longe de mais ao fazer um disco cuja digestão requeria demasiado tempo e atenção, que se perdia em rendilhados barrocos e se regozijava na sua própria idiossincrasia.

Porém, o milagre de I Tell a Fly é que nenhum gesto é gratuito e nenhuma opção invulgar foi tomada pour épater le bourgeois. E as letras de Clementine, embora enraizadas na sua experiência de vida, não estão viradas para o seu umbigo, questionam o mundo lá fora: o bullying, no sentido restrito e lato (“Phantom of Aleppoville”), os refugiados que demandam a Europa e se deparam com a xenofobia (“God Save the Jungle”).

Noutras ocasiões, como em “Gone”, do primeiro álbum, tece penetrantes reflexões sobre o que andamos a fazer neste mundo: “O que há nos relacionamentos que nos escapa sempre?/ Aqui estamos nós, sempre convencidos de que aprendemos algo/ Para depois levarmos uma palmada e compreendermos que não somos/ Mais do que aprendizes da vida”.

A música de Clementine é a palmada que nos desperta para a nossa ignorância sobre nós mesmos e o universo.

Campo Pequeno. Qui 21.30, 23-40€

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