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Livraria Buccholz
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Buchholz. “Queremos que volte a ser um local de cultura na cidade”

A Buchholz está de cara lavada. Fomos redescobrir a renovada, mas para sempre histórica, livraria.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Artigo originalmente publicado na edição de Outono 2023 da revista trimestral Time Out Lisboa

Karl Buchholz tinha 24 anos quando, com pouco dinheiro e muita determinação, abriu uma modesta livraria em Berlim. Estávamos em 1925 e o negócio não tardou a crescer, com sucursais na Europa e nas Américas. Mas foi apenas em 1943 que, fugido da Alemanha nazi, o marchand fundou a Buchholz em Lisboa, oferecendo aos portugueses os melhores livros estrangeiros, uma absoluta novidade. Primeiro na Avenida da Liberdade, depois na Rua Duque de Palmela, para onde se mudou em 1965, a emblemática livraria-galeria – que há muito não está nas mãos da família original – já se encontra numa espécie de quarta vida. Agora, depois de uma temporada encerrada para obras, surge de cara lavada, com uma programação mensal, que promete sagrá-la como um verdadeiro centro de literatura, música, arte e história.

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“Quisemos recuperar a identidade da Buchholz, actualizando-a para os dias de hoje”, diz-nos Ana Rita Bessa. A CEO do grupo LeYa, que detém a livraria desde 2010 (depois de ter sido declarada insolvente um ano antes), chama a atenção desde logo para as “características muito próprias” do interior original, como a madeira, que se encontra novamente por todo o lado. “O fundador tinha esta ideia de uma Babel de madeira, daí também a escada em caracol, que serve essa lógica da torre, razão porque fizemos questão de estirpar o espaço de tudo o que fossem elementos de marketing da modernidade, devolvendo-lhe o seu aspecto mais cru.” O que, na prática, quer dizer que – à excepção de senhoras com fama de antipatiquíssimas atrás do balcão – o interior voltou a parecer-se com o das antigas livrarias alemãs de Gotinga, terra-natal de Buchholz (que, aprecie esta curiosidade, viveu pouco tempo em Lisboa, uma vez que nos anos 50 se mudou para a Colômbia, onde abriu outra livraria).

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No espaço, que se estende por três andares, sobressaem, por um lado, os iluminados recantos com sofás, que convidam a ficar sem pressas a ler; e, por outro, duas inéditas exposições permanentes. A primeira aborda a fundação das Publicações Dom Quixote, a editora criada por Snu Abecassis, que lutou não contra moinhos de vento, mas pelo direito à informação – inclusive a partir dos seus cadeirões de pele, agora à vista num recanto a caminho da cave. A segunda mostra os objectos de trabalho de alguns dos mais marcantes autores dos últimos 50 anos, como José Saramago, António Lobo Antunes e a dupla Ana Margarida Magalhães e Isabel Alçada. Além de manuscritos, reúnem-se cadernos de notas, cartas, fotografias e até uma pedra do vulcão cabo-verdiano Pico do Fogo, tudo cedido pelos próprios autores, familiares ou os seus editores. “Os manuscritos do Lobo Antunes, por exemplo, têm uma história engraçada. Ele começa a escrever com a mão esquerda, com uma letra muito pequenina. Depois, quando sente que o texto está estável, reescreve-o com a mão direita, com uma lupa, para o ver bem e aperceber-se das imperfeições. Já a Lídia Jorge diz que só escreve com caneta roxa”, partilha Ana Rita entre risos.

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O grande destaque é, contudo, “o regresso” de uma zona dedicada à arte e à música. “A livraria original teve, até 1974, uma galeria de arte na cave [por onde passaram artistas conceituados como Carlos Botelho e Hein Semke], que tentámos reinterpretar com uma parceria com a ICON Shop, que tem uma série de autores portugueses que fazem gravuras e as aplicam em livro, como a Bárbara Assis Pacheco, cujos objectos trazemos para aqui, juntamente com trabalhos de outros nomes das artes plásticas, numa selecção a ser renovada todos os meses”, revela. “À cave, regressa também a música, com curadoria da Flur, que até fez uma playlist para a Buchholz.” É, uma vez mais, uma homenagem à história da histórica livraria, que em tempos acolheu uma prestigiada discoteca clássica e etnográfica. “Foi assim conhecida por melómanos. Aliás, o logótipo chegou a dizer ‘Galeria de Arte/ Música Clássica/ e Folclórica’ [slogan agora impresso em sacos de pano que, juntamente com novo merchandise, os leitores vão ter oportunidade de acrescentar à colecção].”

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Trazer de volta à Buchholz o espírito cultural e de proximidade. É esta a missão para o futuro, que se fará de catálogo recheado – destaque para os fenómenos literários contemporâneos, incluindo do pensamento, com secções especializadas em temas fracturantes como género, feminismo e extremismos –, e com diferentes mostras (às permanentes juntam-se as temporárias) relacionadas com os livros, os autores e a literatura. “Não queremos tornar-nos um museu, de todo”, ressalva Bessa. Mas era fundamental criar “momentos de comunhão com os leitores”, que possam servir de possíveis pistas para descobertas, reflexões e debates. Quem sabe, a Buchholz volte a ser frequentada por ilustres figuras (a secção de política costumava atrair políticos como Sá Carneiro e Mário Soares) e a ter uma tertúlia como a que havia durante os anos 60 e da qual nomes como Escada, Noronha da Costa, Eduardo Nery e Malangatana faziam parte.

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Agora, preparem-se, está na hora de começar a ler – à medida da escrita, que se faz a cada dia, – um novo capítulo. A programação dos próximos tempos será uma sequência de celebrações, não a propósito do 80.º aniversário da Buchholz mas, porque não?, dos próximos 80 anos. “Queremos que volte a ser, tal como nasceu, um local de cultura na cidade de Lisboa. Pretendemos, por exemplo, acolher clubes de leitura, que hoje em dia voltam a estar muito em voga, e temos outras iniciativas já na calha, nomeadamente sob o escrutínio de uma curadoria específica, como a que faremos para assinalar os 50 anos do 25 de Abril, porventura com um ciclo de conversas, até porque muitos dos nossos autores viveram esse período.”

Já à nossa espera, para fazer recomendações ou partilhar sorrisos cúmplices, temos a livreira Isabel Ramalhete, que é também uma “grande leitora”. “Quando chego à prateleira e não sei, afinal, o que quero comprar, tenho a quem perguntar. Há espaço para vir, comprar e ir embora, mas às vezes também nos sabe bem a conversa e a troca de ideias, e é bom que não percamos isso de vista”, diz Bessa, que prevê “os maiores sucessos”. “Se esta livraria voltar a ganhar estatuto, estatuto no melhor sentido da palavra, como lugar de encontro onde as pessoas vêm porque faz parte da rotina da cidade, ou que os turistas descubram também aqui a vida cultural portuguesa, terei o maior gozo, porque é o que quero: proporcionar à cidade, sobretudo a quem cá vive e trabalha, a oportunidade de voltar a envolver-se com os livros e com quem os escreve.”

Livraria Buchholz, Rua Duque de Palmela, 4. Seg-Sex 10.00-19.00, Sáb 10.00-14.00.

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