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Claire rousay continua a documentar a era da solidão. Agora em canções

A compositora norte-americana vai estar esta terça-feira, 10, na ZDB. Com uma guitarra, um computador e a sua voz digitalmente manipulada, a cantar para nós. Sobre nós.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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A compositora norte-americana claire rousay é um dos nomes cruciais da música contemporânea. Começou por ser uma improvisadora e baterista de free jazz e música experimental, mas ainda antes da pandemia estreou-se a compor uma electrónica ambiental, mais sentimental do que cerebral, ornamentada com field recordings e vozes desmaterializadas. Depois de uma estreia emocionalmente arrasadora no Out.Fest, há cerca de um ano, regressa a Portugal para um concerto único na Zé dos Bois nesta terça-feira, 10.

Nos dias e nos meses que se seguiram à sua passagem pelo Barreiro, claire rousay continuou a lançar discos desafiantes e belos, em colaboração com artistas como E Fishpool (Distance Therapy), Circuit Des Yeux (Sunset Poem), Jacob Wick (anything you can do...) ou Anne-Françoise Jacques (a very busy social life). Poemas espectrais e fábulas para o eremoceno, relatos da era da solidão e da internet; uma música a que muitos e a própria autora – com a língua colada à bochecha, suspeitamos – chamam emo-ambient. 

Desde então, porém, tem metido cá fora menos material. Apenas um par de singles – “Deceiver”, com Helena Deland, em Maio; e “Sigh In My Ear”, pela venerada editora de música indie e emo Saddle Creek, em Agosto – e umas quantas canções e esboços partilhados com os subscritores da sua conta no Bandcamp, onde todos os meses coloca “cerca de 40 minutos de música”, pelas suas contas. Ela própria subscreve e apoia o trabalho de criadores que admira no Bandcamp e no Substack, e admite “adorar a ideia”.

Este tipo de assinaturas, em plataformas como as referidas ou o Patreon, são uma forma de os fãs se sentirem mais próximos dos autores que admiram e estabelecerem uma relação parassocial com eles. “Quando subscrevemos algo que dá acesso a material inédito e exclusivo, sentimo-nos mais próximos dos artistas do que as outras pessoas. Nem que seja porque sabemos melhor o que andam a fazer”, aponta a compositora. “Uma coisa de que gosto no Bandcamp é que os subscritores têm acesso a uma espécie de chat. Quando partilho algo, eles podem interagir comigo e uns com os outros nos comentários. É um bocado como uma rede social, mas mais intimista.”

A música que partilha com os assinantes da sua conta no Bandcamp dá uma ideia do que anda a ouvir e daquilo que está a fazer. Porque, apesar de não estar a editar tantos discos e peças como punha cá fora durante a pandemia e no ano passado, não tem parado de compor música. Quando falamos, umas semanas antes do concerto na ZDB, está na sua casa em Los Angeles, a tocar e a produzir música. E desde que chegou a Lisboa, no sábado à noite, mal parou de trabalhar – só durante umas horas, para espairecer, nas noites de domingo e segunda-feira. “Não tenho passado tanto tempo a gravar discos, mas tenho estado a trabalhar noutros projectos. Encomendas para festivais e assim”, explica. “Contudo, tenho um par de discos na gaveta. Devem sair no próximo ano.”

Recentemente, claire assinou por uma histórica editora independente, cujo nome não pode ainda revelar, mas que sempre admirou. E as novas composições são diferentes daquelas que a tornaram conhecida nos últimos anos. Descreve a música que está a fazer e vamos ouvir em primeira mão esta terça-feira, 10, como “calma e subtil”, e tem andado a ouvir muito slowcore e cantautores indie – continua, no entanto, a escutar também free jazz e música experimental. E ela própria começou a tocar guitarra. Na ZDB, vai estar munida da guitarra, da sua voz e de um computador para processar tudo isto. Descrever o que anda a fazer como slowcore digital não seria despropositado.

A aproximação à guitarra e à escrita de letras deve-se a uma vontade de "expressar o que sente". Foi a mesma razão por que trocou a bateria pelo computador e o free jazz pelo emo ambiental, uma vontade de comunicar mais directamente, de se expor. De fazer outros sentirem o que sentia quando ouvia pop-punk e emo quando era mais nova. Brincamos que, à medida que envelhece, parece estar a tentar recuperar o fulgor da juventude. “É uma boa observação”, concorda. 

Mas não é só isso. “Honestamente”, diz, “à medida que fui tendo mais contacto com meios e pessoas que se levam muito a sério, que compõem música muita densa e difícil, e mais ligadas à academia, comecei a sentir saudades das canções mais directas que ouvia quando era mais nova. Ninguém ali ouvia canções ou fingia que não ouvia e sentia que tinha de se justificar. Fartei-me disso. Não queria sentir que estava a apagar uma parte de mim. A ser uma pessoa que não era eu.” E fez muito bem. Na noite de terça-feira, 10 de Outubro, vamos ouvir claire rousay como ela é, inteira. A fazer música de agora, enformada por quem é, foi e há-de ser.

Zé dos Bois (Bairro Alto). 10 Out (Ter). 22.00. 10€

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