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No verão de 2016, a América estava em polvorosa. As eleições presidenciais estavam ao virar da esquina e as campanhas de Donald Trump e Hillary Clinton partiam o país ao meio. Um dos temas quentes era a violência policial de que a população afro-americana era vítima uma e outra vez, numa sucessão de casos sem fim que denunciava essencialmente dois problemas estruturais nos EUA: o racismo e o sentimento de impunidade que este faz grassar nas forças de segurança diante de cidadãos não-brancos. Particularmente activo naquela altura, o movimento Black Lives Matter chegou a contar com o apoio de quem não costuma intervir no espaço público – os atletas profissionais. Foi em Julho que as estrelas da NBA LeBron James, Carmelo Anthony, Chris Paul e Dwyane Wade subiram ao palco dos ESPY Awards para pedirem o fim da violência. No entanto, um mês mais tarde, um protesto silencioso, que passou duas semanas despercebido, teve incomensuravelmente mais impacto. O protagonista? Colin Kaepernick, quarterback dos San Francisco 49ers.
Kaepernick é o jogador de futebol americano que se ajoelhou durante a The Star-Spangled Banner, o hino norte-americano, no início do quarto e último jogo de pré-época da sua equipa, ainda em Agosto de 2016, tendo continuado a fazê-lo durante o resto da época nas partidas da principal liga da modalidade, a NFL. No entanto, o que deveria ter sido uma forma respeitosa de protesto serviu de rastilho para, do outro lado da barricada política, acusarem Kaepernick e quem a ele se juntou de desrespeito aos EUA. Não foi inesperado. Nos três jogos antes, Kaepernick tinha permanecido sentado durante o hino, ao contrário dos colegas, de pé. Só à terceira um jornalista reparou. No final, o jogador explicou-se: “Não vou levantar-me para demonstrar orgulho pela bandeira de um país que oprime pessoas negras e não-brancas. Para mim, isto é maior do que o futebol [americano] e seria egoísta da minha parte se o ignorasse. Há corpos nas ruas e pessoas com licenças pagas e impunes por homicídio.” Kaepernick foi depois aconselhado a ajustar o protesto, de forma a torná-lo mais respeitoso: ajoelhando-se, em vez de ficar sentado, o que originou um gesto simbólico e o que é hoje uma imagem icónica do activismo contra a violência policial.
Colin a Preto e Branco, minissérie que se estreia segunda-feira na Netflix, não é sobre essa história. É sobre o que vem antes. Sobre a juventude de Kaepernick, filho adoptivo de uma família bem-intencionada mas branca que o deixava sem referências para navegar as dificuldades próprias de um miúdo negro na América. Jaden Michael (The Get Down, série de Baz Luhrmann e Stephen Adly Guirgis para a Netflix) interpreta o jovem Colin, com a narração feita a partir do presente pelo próprio Kaepernick. Os pais, que já haviam perdido dois filhos quando acolheram Colin, às cinco semanas de idade, são encarnados por Nick Offerman (Parks and Recreation) e Mary-Louise Parker (Erva). Ao longo de seis episódios de 30 minutos, ficamos a conhecer melhor as raízes de Kaepernick e os desafios por que passou para se tornar num desportista de elite – e deitar tudo a perder por convicção: em 2017, com apenas 29 anos, rescindiu contrato com os 49ers e não voltou a ter lugar em qualquer equipa da NFL; o que o levou a processar a liga por lhe bloquear o acesso ao jogo.
Kaepernick está creditado como co-criador de Colin a Preto e Branco. A outra é Ava DuVernay, realizadora do filme Selma: A Marcha da Liberdade, do documentário A 13.ª Emenda e da minissérie Aos Olhos da Justiça (When They See Us, no título original). No ano passado, quando a produção foi anunciada, DuVernay disse que, “com o seu acto de protesto, Colin Kaepernick desencadeou um debate de âmbito nacional sobre raça e justiça com consequências de grande alcance para o futebol, para a cultura e para ele, pessoalmente”. “A história do Colin diz muito sobre identidade, desporto e sobre o espírito inabalável do protesto e da resiliência”, acrescentou. “Procuramos dar uma perspectiva nova às diferentes realidades que os negros enfrentam”, afirmou Kaepernick, também nessa altura. “Exploramos os conflitos raciais que enfrentei como homem negro adoptado numa comunidade branca, durante a minha adolescência. É uma honra dar vida a essas histórias em colaboração com a Ava, para que o mundo as veja.” Para que as veja e para que perceba que ajoelhar-se foi a maneira que Colin encontrou para ficar realmente de pé.
Netflix. Seg (estreia)
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