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Whitewashing, Alkantara Festival
Luca Ferreira/AlkantaraWhitewashing, Alkantara Festival

Contra exclusões e repressões, o Alkantara volta para nos fazer mexer

De 10 a 26 de Novembro, o Alkantara Festival toma sete espaços da cidade para falar do que nos inquieta, mesmo quando não usa palavras.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
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Questões de género, racismo, culturas indígenas, colonialismo, extracção de minério, monocultura e espaço público. Como já nos habituou, o Alkantara Festival não é apenas diverso nas formas de expressão mas também nos temas e nas geografias que acolhe. Entre os dias 10 e 26 de Novembro, o festival de artes performativas que acontece em Lisboa há 17 anos, regressa com espectáculos em sala, intervenções no espaço público, festas, encontros e conversas, para pôr a nu inquietações contemporâneas de pontos extremos do globo. Porque “a dança pode ser um espaço para experimentar o nosso lugar na natureza, na cultura, na sociedade”, como afirma a direcção artística, composta por David Cabecinha e Carla Nobre Sousa. Dentro do programa geral, há também lugar para dois pequenos ciclos  Side Trip, Terra Batida e Kilombo  que partem, respectivamente, de um conjunto de residências artísticas na Beira Baixa e do trabalho conjunto de artistas convidados que "têm contribuído para o panorama cultural" do presente. 

A abrir o programa está Whitewashing (nos dias 10 e 11, no Teatro do Bairro Alto), uma performance em que Rébecca Chaillon e Ophélie Mac começam por esfregar o chão e depois os corpos negros com lixívia para contestar duas práticas de racismo: quando actores brancos interpretam personagens de outros grupos étnicos ou quando se omitem propositadamente realidades desagradáveis ou perturbadoras para beneficiar a “imagem branca”. 

Destaca-se também o espectáculo de Calixto Neto, onde uma feijoada brasileira (nos dias 17 e 18, no São Luiz Teatro Municipal) se faz rodear de músicos e bailarinos e de histórias pessoais e políticas, durante duas horas e meia, para questionar a relação entre Brasil, Portugal e a diáspora africana. Dito de outro modo, o festival lança a pergunta: “De que outra forma se pode contar o prato nacional feijoada?” Também questionando convenções, a bailarina e coreógrafa Gaya de Medeiros apresenta Pai para Jantar (de 17 a 19, na Black Box do Centro Cultural de Belém), um jogo sobre o que é ser homem e o que está socialmente estabelecido sobre este papel. O espectáculo compete com Blackface (também de 17 a 19, no Teatro do Bairro Alto), em que Marco Mendonça se apresenta a solo para denunciar momentos e práticas da história e do teatro que serviram para caricaturar pessoas negras como “pouco inteligentes, preguiçosas, mentirosas, entre outros defeitos”.

Feijoada, Alkantara Festival
Raoul Gilibert/AlkantaraFeijoada, Alkantara Festival

Já o programa Terra Batida uma espécie de mini-festival dentro do Alkantara (de 11 a 14 de Novembro) parte de uma série de residências artísticas no Fundão (cenário de agressões à natureza como as Minas da Panasqueira, mas também da “invenção nacional da cereja”) para falar da relação dos corpos com o meio ambiente, sublinhando o seu estatuto de “sensores de paisagens”, “incubadores de vírus”, mas também “arguentes de um processo de reparação”. 

Também Kilombo é um espaço de acção dentro do Alkantara, dinamizado pelo colectivo Aurora Negra, que propõe “um lugar de celebração, reunião e resistência” através do cinema, da música, da comida e da performance, no São Luiz Teatro Municipal. Aqui, será possível assistir às performances Dragon Soup, de Carolina Varela (dia 17), ou a CorpoLento (dia 18), de Luan Okun, ou aos concertos de Mário King (a 17) e do Mestre Braima Galissá e Orquestra de Batucadeiras de Portugal (a 19).

Na recta final do festival, Sónia Baptista sobe ao palco do São Luiz (nos dias 24, 25 e 26) para brincar com os “pequenos afrontamentos” do envelhecimento, em Sweat, Sweat, Sweat; e Nadia Beugré apresenta Profético (dias 24 e 25, na Culturgest), uma peça para a qual convidou pessoas de uma comunidade transgénero da Costa do Marfim, onde cresceu, para falar de lutas de sobrevivência e pela liberdade. O festival encerra com Fazer Noite (dias 25 e 26, no Teatro do Bairro Alto), uma conversa inusitada entre a encenadora Bárbara Bañuelos e Carles A. Gasulla, guarda nocturno num parque de estacionamento; e com Uirapuru (a 25 e 26, no São Luiz Teatro Municipal), uma viagem às florestas e mitos do Brasil, mas sobretudo “um convite para nos concentrarmos, para nos prepararmos para escutar o mundo”.\

Há também tempo para intervir no espaço público, mais especificamente em Marvila, onde o grupo subversivo japonês Chim↑Pom from Smappa!Group (a convite do CAM - Centro de Arte Moderna da Gulbenkian) agita a rua com performances, concertos, workshops, mas também castanhas e jeropiga. Nesta Side Trip, o colectivo reclama, assim, “a rua como espaço de convivialidade” em tempo de gentrificação. 

Para os mais resistentes, estão programadas, ainda, duas festas Alkantara: a de abertura, no dia 10, na A11 Galleries, um antigo espaço industrial em Alvalade; e a de encerramento, uma “celebração da comunidade LGBTQIAP+negres” no dia 25, na Garagem da Culturgest.

30 anos de um caminho que foi dar ao Alkantara

Apesar do Festival Alkantara existir desde 2006, a semente que o lançou a Lisboa completa este ano três décadas. Em 1993, a bailarina Mónica Lapa (1965-2001) fundava o projecto Danças na Cidade “para tornar visível o trabalho da primeira geração de artistas de dança contemporânea em Portugal”. Ao longo do tempo, a iniciativa foi integrando novas formas de expressão artística, com grande foco na performance, até se tornar no Alkantara, um evento internacional de referência, marcado pelos dez anos de direcção de Thomas Walgrave (até 2018). 

Além do festival, a Associação Alkantara dinamiza, ao longo do ano, o número 99 da Calçada Marquês de Abrantes com residências artísticas, formações e ensaios, um trabalho “essencial” para a promoção de “práticas artísticas de forma sustentada e crítica”, nas palavras do director David Cabecinha.

Vários locais. 10-26 Nov. Vários preços

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