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Francisco Romão PereiraCarris Metropolitana

Da “cultura do carro” à oferta, o que nos afasta dos transportes públicos?

A Portugal Mobi Summit arrancou quarta-feira para debater o futuro da mobilidade. Aumentar a oferta foi uma das prioridades apontadas, mas também é preciso redesenhar as cidades.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
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Inovação, aplicações electrónicas, acção climática, micro-mobilidade e dependência do automóvel. Estes foram alguns dos temas debatidos nesta quarta-feira, 29, na Nova SBE, em Carcavelos, por especialistas da área da mobilidade. Um dos painéis partiu de uma questão central, que nos persegue há anos: “O que nos afasta dos transportes públicos?” A resposta é complexa. Envolve a qualidade e a oferta da rede de transportes, mas também aspectos culturais, como a saída relativamente recente de uma longa ditadura ou a facilidade com que usamos (e estacionamos) o automóvel nas grandes cidades, comparativamente a outros pólos europeus.

À margem do evento, em entrevista à Time Out, Rui Lopo, administrador da Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML, empresa criada há três anos para gerir os autocarros na região de Lisboa, bem como estudar e implementar políticas de acessibilidade, mobilidade e transportes), admitiu que há resistência ao uso do transporte público, sim, mas que “o que é cultural em Portugal é o uso do carro”. “Se os transportes corresponderem às necessidades das pessoas, elas vão.”

No entanto, há dois factores que contrariam a migração do transporte individual para o colectivo, segundo o responsável: “a facilidade com que se usa o automóvel, ainda, nas cidades” e “algum word of mouth [passa-a-palavra] de que as coisas não funcionam” no sistema de transportes públicos. E funcionam? “Não na perfeição, ainda há muito a melhorar. Há que reconhecer que é preciso mais oferta e que a viagem nos transportes deve ser agradável e confortável para qualquer pessoa de classe média alta”, diz, frisando o facto de que a rede de transportes da Área Metropolitana de Lisboa é maioritariamente utilizada por pessoas com baixos rendimentos. 

Reforçar o número de autocarros ao mesmo tempo que se reduz o número de operadores envolvidos e o grau de interdependência entre eles na rede têm sido das principais apostas da TML, medidas que têm atraído mais pessoas ao sistema e que têm permitido coordenar os horários de forma mais eficaz, segundo o administrador. Se os autocarros continuam cheios, acredita Rui Lopo, é porque quanto maior é a oferta, maior é a procura. Neste momento, a TML transporta por dia “um número superior a 550 mil pessoas por dia” e opera, também diariamente, 20 mil serviços. “Quando falham 0,5%, falham mil e centenas de pessoas são afectadas”, ilustrou o responsável, para explicar a que “word of mouth” negativo se referia quando o assunto é a mobilidade colectiva em Lisboa.

Na visão de Diogo Martins, orador no mesmo painel e coordenador do Grupo de Trabalho para a Promoção da Acessibilidade na Rede de Transporte Público de Lisboa, além de melhorar o planeamento e os serviços para atrair mais pessoas para o sector público dos transportes, também é necessário “falar mais com os passageiros, saber do que precisam”. De um lado, “grande parte das pessoas não se sente ouvida”, do outro, também elas precisam de ter mais informação, simplificada e sistematizada. “Se eu tivesse todas as aplicações que existem, o meu telemóvel não teria capacidade”, brincou o especialista, referindo-se às ferramentas dirigidas a pessoas com mobilidade reduzida, como o próprio. “Se houver esta complicação toda, a tecnologia não serve para nada”, rematou.

“Tirar os carros tornou-se uma inevitabilidade”

“Tivemos muitos anos uma oferta cara e complexa de transportes, ao nível da aquisição de títulos. Também contámos com grandes cortes na oferta, sobretudo no período da troika. Agora, tem-se vindo a fazer um trabalho muito importante nos últimos anos, na simplificação de tarifários, por exemplo. Antes havia mil combinações possíveis [de viagens intermodais]. Mas ainda há muito a fazer”, referiu Tiago Farias, professor no Instituto Superior Técnico e ex-presidente da Carris, da Transtejo e do Metropolitano de Lisboa. Uma das prioridades é “atrair as pessoas para uma experiência positiva dos transportes, quer ao nível colectivo quer da micro-mobilidade”, como as trotinetes ou as bicicletas de uso partilhado. Outras são “reforçar a rede” ao mesmo tempo que se investe no “pensamento estratégico da cidade”. 

Colocando na equação constrangimentos orçamentais, Rui Lopo admitiu que o processo de melhoria “é complexo e longo”. Implica “gerir expectativas e capacidades”, a curto prazo, e, a longo prazo, “trabalhar os campos da infra-estruturas e da mão-de-obra”, que apresentam carências assumidas. “Não há pessoas para conduzir autocarros, e o mesmo se passará nos barcos e no metro.” Já a melhoria das infra-estruturas (paragens e estações, por exemplo) é um dos pontos mais complexos da ordem de trabalhos. “Se calhar em Algés ou no Campo Grande já não cabem os autocarros todos. Vamos ter de mexer nisso também.” 

Já fora do âmbito de actuação da TML, para resolver problemas como a falta de fiabilidade quanto a horários e circulação de meios de transporte, há uma urgência bem identificada: “Temos de tirar os carros da cidade.” A qualidade das redes de transportes depende “do funcionamento das cidades e também dos contextos metropolitanos”, analisou Rui Lopo. A medida é sensível e, em muitos pontos, impopular, mas o administrador considera-a uma “inevitabilidade” do presente. “Podemos exonerar os políticos dessa responsabilidade, porque não há outra coisa a fazer neste momento”, diz. 

Como resumiu Tiago Farias, durante o debate, é preciso que mudem “a liderança e a visão de quem está a gerir as nossas cidades”. “Não é só ter um sistema verde”, mas também redesenhar o território, apostando em modelos de circulação mais curtos e flexíveis (em referência ao conceito da “cidade dos 15 minutos”). “Se não apostarmos nesses caminhos, dificilmente lá chegaremos.”

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