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Pedro Medeiros
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‘Ecos Coloniais’ questiona o colonialismo que persiste

Com o fim da ditadura caiu o império. Mas ainda hoje se fazem sentir ecos dos tempos do colonialismo – e muitos deles ressoam neste livro. Falámos com um dos autores.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
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Em Junho de 2020, a estátua do Padre António Vieira, inaugurada em 2017 no Largo Trindade Coelho, foi vandalizada com a palavra “descolonização” (entre outros elementos), acendendo um debate sobre os símbolos do colonialismo em Portugal no espaço público. A escultura em bronze ocupa um dos capítulos de Ecos Coloniais, escrito por Cristiano Gianolla e Giuseppina Raggi, investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Mas há mais, muito mais ecos por descobrir nesta edição com a chancela da editora Tinta da China, num trabalho coordenado pelos historiadores Ana Guardião e Miguel Bandeira Jerónimo e pelo sociólogo Paulo Peixoto, integrado num projecto de investigação mais abrangente chamado ECHOES – European Colonial Heritage Modalities in Entangled Cities. Académicos, activistas, museólogos e jornalistas assinam os mais de 30 capítulos deste livro, num exercício colectivo de investigação sobre o património histórico e cultural de Lisboa com ligações à história colonial e imperial portuguesa.

Miguel Bandeira Jerónimo, também docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, explica como foram reunidas todas estas contribuições, salientando dois objectivos principais: “Apresentar vozes e argumentos plurais e, também, oferecer textos rigorosos e problematizadores dos múltiplos ecos coloniais em Portugal, abordando as formas diversas através das quais estes podem ser identificados, escutados e compreendidos. Estando ligado a um projecto de investigação europeu, o livro beneficiou do trabalho feito pelos seus investigadores. Mas procurou incluir outros olhares, vindos de várias esferas de reflexão e intervenção pública”, descreve.

A Praça do Império, o Bairro das Colónias, a Rosa-dos Ventos, o Monumento a Luís Vaz de Camões, o óleo Os pretos de Serpa Pinto [que faz parte do acervo do Museu do Chiado] ou o Monumento a Sá da Bandeira são algumas das peças centrais deste exercício “provisório”, que também destaca o futuro Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas, a caminho do Campo das Cebolas, ou o mural de Marielle Franco, assinado por Vhils numa parede do Panorâmico de Monsanto. Mas “provisório” porquê? “No sentido em que os casos apresentados requerem mais investigação, não estando esgotados. Mas provisório também no sentido de o livro ser um inventário muito reduzido de casos, temas e problemas a partir dos quais as histórias, os patrimónios e as memórias associados ao passado colonial podem, e devem, ser interrogados. Este trabalho não deve parar.”

Todos os textos são acompanhados por imagens a preto e branco do fotógrafo Pedro Medeiros, com excepção do capítulo “Monumento ao Trabalhador Africano”, da autoria de Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro, também historiador. Por uma razão muito simples (ou, se calhar, um bocadinho complicada): é um monumento que não existe. “Esse reconhecimento pode ser feito a partir da história, mas também nas formas a partir das quais esta é evocada no espaço público”, defendem os autores, na página 125.

No texto que dá o arranque destes ecos, os três coordenadores lamentam alguns “pecados” cometidos por outras reflexões teóricas dentro deste tema, como o “uso superficial e selectivo”. Mas como é que este projecto contraria esses pecados? Miguel Bandeira Jerónimo esclarece: “Estes assuntos estão na ordem do dia, aqui como lá fora, onde têm sido estudados e debatidos com muito maior profundidade e rigor e há mais tempo. O debate aceso pode, e deve, resultar de muito trabalho e reflexão, explorando as várias dimensões dos problemas, evitando a sedução da frase feita, pronta a consumir com rapidez, apaziguando e mobilizando os já convertidos. Em Portugal, adoptámos depressa os argumentos em contenda noutros contextos, mas não a responsabilidade de proceder, aqui, às investigações aprofundadas que os sustentam. Um dos resultados é o uso superficial e selectivo da história colonial e das suas múltiplas consequências no presente. Carecemos de muito mais investigação, para perceber cada vez melhor o modo diverso, e consequente, como a questão colonial condicionou e continua a condicionar a sociedade portuguesa.”

Para o historiador, há ainda escassez e falta de profundidade na investigação, o que pode ser explicado pela dimensão da academia ou mesmo do jornalismo de investigação em Portugal. A “persistência, popularização e naturalização de vários mitos de excepcionalidade associados à história imperial e colonial de Portugal” podem ser outros dos entraves ao aprofundamento do tema no nosso país. “Muitas destas investigações são demoradas, difíceis e nem sempre conclusivas. Por estas e outras razões, não são de muita utilidade para os que procuram, acima de tudo, visibilidade pública com o assunto.”

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