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Emília Ferreira tenta fazer mais com menos. Após horas com a Time Out no Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado (MNAC), é por email, após a entrevista, que resume com o que espera que a sua direcção contribua para o futuro do museu. “Muito directamente, espero deixá-lo melhor do que o encontrei”, escreve.
São muitas as questões que pairam sobre o museu instalado no Convento de São Francisco, no centro histórico de Lisboa, da colecção à exploração do edifício, passando pelas limitações orçamentais, ou pela própria relevância perante a criação de um novo museu de arte contemporânea no Centro Cultural de Belém, que deverá juntar a Colecção Berardo, a Colecção Ellipse e parte da Colecção de Arte Contemporânea do Estado.
A começar, a designação do museu tem sido pretexto de controvérsia. Em 1911, nasceu como Museu Nacional de Arte Contemporânea. Com o incêndio do Chiado, em 1988, e apesar de o fogo não ter atingido o espaço, o MNAC foi renovado. Reabriu em 1994, mas com um novo baptismo: Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado. Para Emília Ferreira, o acrescento, porventura “por ser mais curto se torna mais apelativo”, induz ao engano. “Há muita gente estrangeira que vem cá e pensa que vem aqui ver uma coisa sobre o incêndio, ou que vem conhecer coisas sobre o Chiado”. “Há coisas que carecem de desambiguação, as pessoas não têm de adivinhar. Nós é que temos de comunicar de forma eficiente”, diz a historiadora de arte, que entrou para a direcção do MNAC em 2017 e foi reconduzida no cargo em Março deste ano, após um concurso público internacional.
As três palavras – Museu do Chiado – pintam-se em todos os materiais, de paredes a folhetins. Porém, “[a alteração] nem nunca saiu em Diário da República, e, portanto, estou sempre a dizer que esse não é o nome do museu. Esse nome não existe legalmente”, diz a sua directora, revelando o único motivo que segura esta nomenclatura. “Como se deixou de pagar à empresa que criou o site, nós deixamos de aceder a um determinado nível de backoffice, e portanto não conseguimos mudar o nome do museu”, assume, adiantando que chegou até a propor à ex-ministra da Cultura, Graça Fonseca, “se isso conseguia sair em Diário da República, [para] fazer mesmo cair o Museu do Chiado do nome”. “Queremos voltar ao nome original”, afirma.
O problema é semântico, mas sintomático dos problemas que o museu atravessa. Em 2020, a exposição Dissonâncias, que reunia obras que nos últimos dez anos entraram para a colecção do museu, foi sendo adiada e esteve mais de dois meses montada sem abrir por falta de dinheiro para projectores e sinalética. “Quando entrei, em Novembro de 2017, nessa altura ainda nomeada, fiz logo uma informação à tutela dizendo que estávamos em ruptura de stock, a iluminação que tínhamos vinha ainda do período da reinauguração. Eram necessários 40 projectores de uma forma muito, muito básica. Eram mais de 40 mil euros. E não foi possível. Na altura foi-me dito: ‘isso tudo não, mas talvez metade’.” Até hoje, o pedido não resultou em nenhum. Este ano, dentro do quadro de uma exposição na galeria Millennium BCP, com orçamento desse mecenato, foram comprados quatro projectores de recorte. “Ficam, obviamente, ao serviço do museu. Mas precisamos de mais”, avisa a responsável.
Não é só o material que tem prazo de validade. O envelhecimento do pessoal nos museus é uma realidade e tem vindo a agravar-se com a saída de funcionários. Em 2019, o Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia (Starq) alertou a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para um possível risco de encerramento do Museu Nacional de Arqueologia (MNA), porque quase metade do pessoal do seu quadro tinha idade superior a 60 anos. No MNAC, a situação não é diferente. “As equipas estão a envelhecer, vão saindo algumas por reforma, outras porque vão para o privado porque é mais aliciante”, explica a directora. “Temos neste momento três curadores conservadores responsáveis pelas colecções. Dessas três pessoas a mais nova tem 58 anos.” A situação piora se pensarmos que quem sai não tem a quem transmitir conhecimento, e que, sem a possibilidade de integrar novos técnicos no quadro de pessoal, o corte nos serviços é inevitável.
O fenómeno é visível no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), por exemplo, onde várias salas vão sendo encerradas por falta de vigilantes. Semelhante cenário se verifica no MNAC. “Estamos há vários meses a fechar à hora de almoço porque é a única maneira que temos de não ir fechando parcialmente exposições durante o período da tarde”, constata Emília. “É algo que está diagnosticado, a tutela sabe, mas também, lá está, há decisões que não dependem da própria tutela.” Além do encerramento do museu das 13.00 às 14.00, de terça a sexta-feira, e das 14.00 às 15.00, aos fins-de-semana e feriados, há mais de um ano que só está em funcionamento a bilheteira da Rua Serpa Pinto. Quando os serviços não são suprimidos, há um custo. É o caso do Serviço Educativo, cuja responsável está, desde Abril do ano passado, sem remuneração. “Tem continuado a colaborar connosco porque assumiu um compromisso e tem continuado a honrá-lo”, mas “era absolutamente central que a situação dessa pessoa fosse resolvida e que ela passasse a integrar a equipa”, admite Emília, que confirma que o Ministério da Cultura está a par da situação.
Basta percorrer a agenda noticiosa dos últimos anos para perceber que os problemas no MNAC não se cingem à escassez de recursos e ambiguidade na nomenclatura. O museu foi sendo desconsiderado na hora de encontrar destino para a Colecção SEC e as obras de ampliação para aproveitar os espaços herdados em 2015, tanto do antigo Governo Civil como da PSP, actualmente degradados, não só têm sido adiadas como nem sequer estão contempladas na verba que o museu vai receber ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), como vários outros museus, palácios e monumentos da DGPC. O milhão e 800 mil euros que calha ao MNAC do pacote financeiro vindo de Bruxelas para alavancar a recuperação do país em cenário de pandemia servirá apenas para “responder a urgências”. “Questões muito directas relacionadas com o sistema de ar condicionado, as fachadas, estruturas, coisas que têm a ver com a urgência de funcionamento e de salubridade do edifício”, enumera Emília Ferreira. “Depois veremos a que mais é que chega.”
Outro dos aspectos que cabe esclarecer é como é que o Museu Nacional de Arte Contemporânea se articulará com o futuro Museu de Arte Contemporânea de Belém, “em princípio” o nome do museu que o Governo planeia para o CCB, onde existe hoje o Museu Colecção Berardo. Em Maio, quando anunciou a criação deste novo organismo, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, recusou a hipótese de concorrência entre os museus, pois o de Belém será “muito mais contemporâneo e internacional”, e o do Chiado continuará focado no “século XIX e XX da arte portuguesa”. Num artigo de opinião no jornal Público, em Julho, as historiadoras de arte Raquel Henriques da Silva e Adelaide Duarte, e o coleccionador Francisco Capelo, alertavam: “depauperado de meios, aliás como todos os museus e monumentos tutelados pela Direcção-Geral do Património Cultural, ele [MNAC] corre o risco de vir a ser um parente pobre do novo organismo”. Emília Ferreira espera que não. Diz, aliás, que “tem existido diálogo com o ministério”, embora nunca a tutela tenha abordado com ela o assunto do novo museu. “Nunca se falou”, afirma. A directora do Museu do Chiado recusa-se a fazer futurologia sobre se a criação do novo espaço compromete a existência do que dirige, mas crê que “ambas as instituições podem funcionar em complementaridade”. “A minha única questão é quando ouço dizer que se vai criar finalmente o museu nacional de arte contemporânea. Sobretudo porque este museu foi fundado em 1911, já tem 111 anos. Portanto, não é propriamente uma fundação pela qual estejamos à espera. Poder-se-ão fazer críticas ao espaço, à colecção, e nós somos os primeiros a sentir essas lacunas e essas falhas. Agora não façam de conta que este museu não existe. Esse tem sido um dos problemas, fazer de conta que ele não existe”.
Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 659 — Outono 2022.
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