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©Giovanni RufinoNicholas Pinnock em For Life

Esta é a história de resistência que 50 Cent queria mesmo que víssemos

Nove anos depois, Aaron Wallace sai em liberdade – mas continua atormentado pelo tempo indevido que passou na prisão. A segunda temporada de ‘For Life’ estreia-se nesta quinta-feira.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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A história de Isaac Wright Jr. não dava um filme. Desde o momento em que Curtis “50 Cent” Jackson o ouviu contar como tinha passado cinco anos preso numa cadeia de máxima segurança, em Nova Jérsia, por um crime que não tinha cometido, como tinha batalhado para provar a sua inocência, estudando, defendendo em tribunal outros como ele, injustamente encarcerados, recorrendo do seu próprio caso, conquistando a pulso a liberdade, ingressando depois na faculdade para se fazer a advogado de pleno direito, desde esse momento que o rapper transformado em produtor televisivo soube que a história de Isaac Wright Jr. teria de ser recontada numa série com várias temporadas. A segunda das quais tem estreia portuguesa nesta quinta-feira, dia 3, no AXN. E vai mostrar-nos como a libertação de um preso não se traduz num grande momento de distensão. É um processo.

Aaron Wallace, o protagonista inspirado em Isaac Wright Jr., vai deixar a prisão, mas a prisão não o deixará a ele. A vida fora do cárcere “é um choque para ele”, diz Nicholas Pinnock, o actor que dá corpo à personagem, numa conferência de imprensa via Zoom. “Ele está a braços com muita coisa. A tentar ser advogado, a lidar com a sua própria vida no exterior – a relação com Marie [a mulher, que continuou a sua vida sem ele], a relação com Jasmine [a filha adolescente], com Roswell [o antigo senador estadual que o ajuda] e, mais importante, consigo mesmo, sendo um homem livre.” Aaron não volta para a vida como ela era. Essa vida já não existe. E “é difícil para Aaron medir e calibrar essas coisas”. “Ele está constantemente à procura de caminhos para tudo o que faz no exterior”, acrescenta Pinnock. “Mesmo que não o vejamos, mesmo que não esteja escrito no argumento, é nisso que estou a pensar quando retrato o Aaron: como é que ele se sente com estas coisas?”

A pergunta fica no ar, mas no rectângulo ao lado desta videoconferência está alguém capaz de responder com conhecimento de causa: o próprio Isaac Wright Jr., um dos produtores executivos da série. “Andei doente durante cerca de dois anos. Irregular. Estava tudo fora do lugar”, recorda. Isaac foi condenado em 1991 e libertado em 1996. Em cinco anos, o mundo mudou. Tudo lhe parecia diferente. “Os telemóveis! Quando fui preso, os telemóveis carregavam-se dentro de uma mala, ao ombro. Quando saí, dava para os pôr no bolso.” É quase caricato, risível. Para Isaac, no entanto, esse desalinhamento com a realidade afectava-o fisicamente. “As mudanças que estavam a acontecer acresciam ao facto de eu ainda me sentir desequilibrado. Foi um grande desafio para mim essa altura.”

For Life acontece no nosso tempo. Portanto, a angústia de Aaron é similar à de Isaac mas as questões que o vão assolar são outras. É a pandemia da Covid-19 (sim, a televisão é assim tão rápida) e o movimento Black Lives Matter, que está umbilicalmente ligado ao tema da série. “Os acontecimentos deste Verão empurraram a série ainda mais para o zeitgeist, e claro que vamos arranjar forma de integrar esses acontecimentos”, adianta o criador Hank Steinberg, referindo-se aos protestos que se seguiram ao assassinato de George Floyd às mãos da polícia de Minneapolis. “É um desafio apaixonante e assustador. Sentimos que temos muita responsabilidade, mas também uma grande oportunidade.”

Ainda não se disse, mas é evidente que tanto Isaac Wright Jr. como o seu decalque ficcional são afro-americanos. A grande diferença entre a história de ambos é que o primeiro foi preso nos anos 1990. Não havia redes sociais. Os negros, as minorias, os pobres eram perseguidos e aprisionados nos EUA sem provas e sem questionar a bondade dos agentes e procuradores que os queriam atirar para os calabouços. Ainda no ano passado a minissérie da Netflix When They See Us, de Ava DuVernay, nos recordou como era. Práticas promovidas directa e indirectamente pelo selvagem combate às drogas que partiu da Administração Reagan e destruiu famílias e comunidades por todo o país. “Estavam a aniquilar as minorias e os pobres, com impunidade”, sublinha Isaac, que tinha 29 anos quando foi condenado a uma pena perpétua acrescida de 72 anos, acusado de ser o mentor de uma rede de tráfico de droga. Isaac era produtor musical.

Para conquistar a liberdade, teve de conseguir o impossível: levar um agente da polícia a confessar em tribunal. “Era o equivalente a Cristo a andar sobre as águas”, observa. “Um agente da polícia nem ia depor naquela altura. Se fosse e dissesse que o sol era azul, o júri acreditava nele. Era esse o tipo de honra com que entravam num tribunal.” Este foi o motivo por que 50 Cent fez questão de basear For Life em factos reais, nestes factos reais, em vez de optar, como foi aconselhado por investidores e advogados corporativos, por uma história inteiramente ficcional. “Sinto que a série diz muito sobre o que tem acontecido”, afirma. Este tipo de injustiças “sempre existiu, não é novo”. Mas agora a tecnologia mudou a percepção pública para a violência e a discricionariedade policiais. É importante que haja uma relação entre o que se vê nas redes sociais e na televisão.

Isaac Wright Jr. explica aonde 50 Cent quer chegar (apesar de a forma como Aaron se liberta na série não coincidir com o que aconteceu com ele): o facto de se tratar de uma história verdadeira permite-nos “acreditar que um negro poderia fazer algo assim no sistema de justiça criminal” norte-americano. Porque isso é certo – parece impossível. “Assim, a verdade não só permite abordar estas questões como mostra que tudo é possível, independentemente da cor da pele. Mesmo quando se é negro, mesmo quando se faz parte de uma minoria, mesmo quando se é pobre, mesmo quando não há respostas, todas as coisas são possíveis neste sistema, e todas as coisas são possíveis neste país se nos empenharmos. Isso é muito, muito importante”, diz Isaac. “Sem esta verdade, o público aceitaria [uma história assim] da mesma forma que o faz quando pode parar de ver a série e procurá-la no Google? Sabem que mais? Este homem realmente existiu, estas coisas aconteceram mesmo.”

AXN. Qui 22.45 (estreia T2).

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