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Belmiro
Gabriell Vieira

Experiências pós-confinamento: Belmiro, a versão mais pessoal e ambiciosa do Bel'empada

O cozinheiro do Bel’empada abriu um restaurante em nome próprio. Fomos lá matar saudades dos melhores ovos da cidade.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda
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Há menos restaurantes de boa cozinha tradicional portuguesa do que se possa pensar. A cidade tem tascas simpáticas e depois tem umas quantas instituições de onde dificilmente saímos sem deixar 50 euros. No meio, pouca coisa. 

Este Belmiro tem desde logo a virtude de se posicionar nesse meio, como já se posicionava o Bel’Empada, restaurante de onde descende – aqui glosado no ano passado. A razão da insistência da crítica tem só a ver com o facto de o Belmiro ser uma versão mais pessoal e ambiciosa do Bel’empada. 

O mentor, cozinheiro e dono é Belmiro de Jesus (Adega da Tia Matilde, Charcutaria, Salsa e Coentros). Belmiro sabe de comida, respira comida e conhece produto de excepção. No Bel’empada já era assim, no Belmiro continua assim. Por outro lado, o novo espaço, junto ao Campo Mártires da Pátria, ganhou muito. 

Jantei lá numa noite quente, no deck da esplanada. A Rua do Paço da Rainha é um oásis citadino, com passeios amplos, árvores frondosas, casas baixas e a extraordinária Capela do Paço da Bemposta, onde está a Academia Militar. Uma maravilha. A abertura do restaurante coincidiu com o anúncio de obras de requalificação da zona. Num futuro breve, haverá ainda mais passeio e ainda menos carros. Com ou sem informação privilegiada, terá sido por isso uma excelente transferência, a pensar no curto e no médio prazo. 

Vamos ao relato dos acontecimentos. Chegámos e estava tudo numa azáfama. A sala interior, com lugar para 40 pessoas, praticamente vazia. Cá fora, por outro lado, a esplanada quase cheia, 14 lugares sentados – e Belmiro e outra empregada suando as estopinhas. A recepção foi afogueada, toca e foge, percebeu-se logo que havia dificuldades (mais tarde, uma empregada justificaria as falhas no serviço com a falta de duas pessoas na sala). 

Já sentados, chegou rápido o couvert e com ele entradas que não foram pedidas, como um queijo fresco de cabra e empadas – as mesmas servidas do Bel’empada, massa fina, recheio saboroso. Boas azeitonas, boa broa de milho. E boa carta, praticamente decalcada do Bel’empada, ainda que com vários “não temos” importantes. Cozinha assente em produto e receituário entre o Alentejo e Trás-os-Montes, região berço do chef. 

Novidade mais evidente, que me lembre, a possibilidade de se optar por dois menus de degustação. Pareceram-me ambos uma boa opção e escolhi o maior, com direito a entrada, quatro pratos principais (doses reduzidas) e sobremesa – por 35 euros. Quem decide os pratos é o chef, havendo a possibilidade de se indicar “o que não se gosta”. 

A abrir, as imprescindíveis migas de batata e ovo continuam soberbas. Ovos húmidos, mais gemas que claras, em camadas, e batatas às rodelas fritas. Sem as batatas, já seriam dos melhores ovos mexidos de Portugal, com as batatas invadem a Ibéria e fazem corar de vergonha tortilhas e afins. Absolutamente clássico, grande jóia de Lisboa e do mundo. 

O primeiro prato principal chegou tarde mas chegou bem. Arroz de tomate malandro, filetes de sardinha frita previamente estagiada em salmoura. Seguiram-se as costeletinhas de cabrito grelhadas (duas), já grandinhas para o diminutivo, bem temperadas de bom azeite e coentros e grelos. Depois, uma codorniz corada em molho português, banha, muito alho e louro – excelente. Por fim, naco de bovino “cruzado com maronesa da minha terra” – explicação do próprio Belmiro, que veio à mesa. 

A maronesa é um bicho selvagem como um touro, um animal estupendo. Alguns produtores podem passar dias sem as ver, perdidas (de felicidade) que andam nas montanhas. A sua carne é mais rija por isso, mas incomparável em sabor. Os nacos vieram acompanhados com um esparregado farinhoso e podiam ter sido mais bem trabalhados, quer na maturação, quer na grelha, que os marcou sem os caramelizar. 

A terminar uma das melhores sericaias que se comem em Lisboa (no país!), pouco açúcar, o doce a vir do mel. 

Em síntese. O Belmiro está melhor do que a Bel’empada e é muitas vezes espectacular, ainda que capaz do melhor e também do menos bom. Pena a demora no serviço e que as opções de degustação se tenham ficado por confecções mais rápidas e simples, não incluindo pratos de tacho, nem caça. Faltaram à degustação os arrozes, a sopa de tomate e bacalhau, os sames, a feijoada de lebre e tudo o que é caça. 

Coisas menores, nestes tempos de grande exigência. 

Belmiro está na luta.

Paço da Rainha, 66 (Campo Mártires da Pátria). 21 885 2752. Seg-Sex 12.00-00.00. Preço médio: 35€ 

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