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Fred: “Quero mostrar-me no estado mais honesto”

Escrito por
Tiago Neto
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A família, os amigos, a vida que passou e a que está por vir, trazidos à luz por um disco em nome próprio – o primeiro –, que actua como purgatório. Na música de Fred Pinto Ferreira não há finais felizes ou viagens pouco tumultuosas. Ainda assim, ao fundo, é o amor que nos há-de encontrar. Ou ele assim o quer para o concerto desta quinta-feira, no Lux.

Resumir-lhe o corpo de trabalho à bateria é redutor, ainda que as passagens por Yellow W Van, Buraka Som Sistema ou 5-30 nos façam acreditar numa simbiose profunda com este instrumento. Os dias foram sempre de uma inquietude a que as baquetas serviram de terapia. Mesmo nos trabalhos de estúdio e de produção para outros músicos. Ao pai, Kalú, e aos Xutos, deve o exemplo e a música, que diz servir a banda sonora da própria existência. Aos filhos agradece a paz, e a Sam The Kid, Carlão, Valete ou Marcelo Camelo as referências.

A conversa arranca na casa que viu nascer O Amor Encontra-te no Fim, o primeiro álbum de Fred inteiramente a solo, editado a 3 de Maio, e que combina sonoridades como o hip-hop e a electrónica. Foi ali que se debateu grande parte do tempo em isolamento. “Estava 14 horas fechado, sempre a produzir, a ler, a bater com a cabeça na parede. Ler ajudou-me muito.” Pela sala há vestígios de vida: livros, teclados e cigarros mortos no cinzeiro, ilustrando uma desordem funcional. Basquiat foi quem lhe serviu de rastilho para a obra, ainda que não lhe atribua toda a responsabilidade pelo feito. Essa tem outro mérito.

“Foi uma necessidade que tive porque passei uma altura estranha da minha vida. Comecei a pô-la em perspectiva e a pensar sobre o que estava a fazer bem e mal, onde é que podia melhorar como pessoa, amigo, companheiro, pai e profissional. Isso levou-me para um processo de introspecção profundo, que me mudou para sempre, e nesse processo mexi muito nos sentimentos. Fiquei fechado na minha sala meses, sozinho.”

A dureza deu lugar a uma honestidade desarmante que pela primeira vez o empurra para a frente do holofote. Ele, um dos nomes mais profícuos da indústria na última década, que sempre preferiu o púlpito dividido por quem o acompanha, condensa neste disco o seu próprio manifesto. “Queria ser honesto e a minha honestidade é aquilo. Apesar de ser importante saber o que tu sentes e pensas, é importante para mim exteriorizar. Ou seja, tal como aceitas a onda do bom e do mau dentro de ti, é bom falar sobre as coisas como elas são.”

A urgência é palpável ao longo de toda a conversa, mesmo que a incerteza e a insegurança o façam estremecer. “Ia entrar por um mau caminho dentro de mim, ia ficar amargurado, precisava de exteriorizar”, mesmo que o plano, ao princípio, não passasse pela edição. “Pensei que eram só músicas que ia guardar, para passar o tempo”. Não eram. “Tinha esse sonho mas nunca considerei que fizesse algo com tanta qualidade como as minhas referências e as pessoas que admiro, então sempre tive essa insegurança comigo.”

“Continuo a ser inseguro mas os Orelha [Negra] ajudaram-me muito, o Tekilla também, outros amigos, o meu filho mais velho. Deram-me força, incentivaram-me a fazer, porque se não tivesse acontecido, provavelmente não tinha avançado”, diz. “É uma coisa que me prejudicou a vida toda, a insegurança. É uma das coisas que ‘pesquei’ na tempestade, e não é uma coisa que consigas trabalhar em dois, três meses, ou em um ano. Não é que eu tenha perdido o medo mas ganhei uma esperança de que se tu fores honesto contigo, disseres o que sentes e fizeres o que sentes, mesmo que as pessoas não gostem, respeitam-te.”

Pelas fendas, as faixas foram chegando, e os contrastes começam a construir-se. Ele, sem pudor, admite que estava “mais para baixo do que para cima” durante o processo, mas a funcionalidade criativa também depende disso. “O teu corpo está sempre em movimento e tu também, por dentro. Se te deixares ir, estás sempre nesses altos e baixos, e é porreiro poderes aceitar isso. Foi o que fiz, aceitei. ‘Estou todo fodido esta semana’, mas vou trabalhar à mesma.”

Fotografia: Duarte Drago

Já com o trabalho editado, chega-lhe a capacidade de se encontrar. A “tempestade”, como lhe chama, não está totalmente para trás mas, de igual modo, o futuro já não o assusta. “Consigo olhar para trás e para a frente. Não digo isto com miserabilismo, digo-o como uma coisa minha, interna, de não ter olhado por mim, de não ter descansado, de ter pensado mais nos outros do que em mim em certas alturas. Isso começa a criar-te uma cena que, se quiseres ir dentro de ti, consegues mexer-lhe, está lá.”

E ele mexeu. Por toda a coragem que falar através de um trabalho extraordinariamente pessoal lhe trouxe, a ideia que o passou a acompanhar é a de que o futuro é agora. “Não posso viver em função da luz lá à frente. E isso ajudou-me muito a mudar.”

Esta quinta-feira é dia de levar ao Lux todos os meses que ficaram para trás. O disco, composto por 15 faixas, conta com participações de Marcelo Camelo, Carlão (com quem partilhou os 5-30), AMaura ou Francis Dale – “pessoas que me são próximas e com quem partilhei esta minha dor”. No palco, Fred terá uma última guerra, mais uma contra si, aquela em que todos os medos desaguam na libertação. “Vou arriscar fazer coisas que nunca fiz, como cantar. E tocar piano e cantar ainda pior, tocar viola e cantar ainda pior.”

“Tem de ser assim”, continua, “não estou preocupado com a parte técnica, é mais do que isto. E aqui é a minha história e quero preservá-la de uma forma boa, quero mostrar-me no estado mais honesto”. Em termos cénicos “quero criar a sensação que tive quando fiz o disco, aquela claustrofobia dentro da sala, a tensão, faz sentido que transporte isso para o concerto até porque este disco é uma história de amor e deu-me gozo pensar nisso dessa forma.”

Lux, Qui 23.00, 12-20€.

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