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Frederico Barata está sozinho em palco. Será louco?

Escrito por
Miguel Branco
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Integrado no Temps d’Images – e para ver no CAL sábado e domingo –, Paixão Segundo João é uma criação da Companhia Macaco Nu, de Frederico Barata, que nos atira para a esquizofrenia e solidão. A loucura é não ir ver.

Um homem – que mais tarde conheceremos como Eu-Ele – tenta levantar-se. Só que uma força invisível, provavelmente interna, não o permite. É o desespero de quem tenta de sair de si, com o som grave de uma shruti box (instrumento indiano da família do harmónio e do acordeão). A personagem enverga um casaco vermelho desportivo, umas botas laranja vibrante e boxers. Quando finalmente se dá o caso de vencer o tal peso que para baixo o atirava, Eu-Ele pergunta: “Quem sou?”. Depois pergunta pelo tio, se o tio vem, diz “Olá, pai”, pede limonada para todos. E aí percebemos-lhe a solidão, a esquizofrenia, o manicómio em que os paus de esfregona são campainhas e póneis de baloiço são elevadores, né? Né, porque é o articulador discursivo que Eu-Ele mais usa.

Paixão Segundo João, texto do italiano Antonio Tarantino,é o primeiro espectáculo da Companhia Macaco Nu, fundada no final de 2018 por Frederico Barata e Sara Ribeiro, e parte da Lei 180, que instituiu o fim dos manicómios em Itália, em 1978. No espectáculo, todos foram para casa, mas Eu-Ele ficou, sozinho, abandonado, encurralado, com os seus amigos imaginários.

Integrado na programação do Temps d’Images, Paixão Segundo João passa pelo CAL – Primeiros Sintomas sábado e domingo.

A vontade de Frederico Barata de fazer o seu trilho, de criar a sua estrutura, deixar de esperar que os trabalhos lhe viessem parar ao colo, é antiga. Depois de dois anos a trabalhar na Companhia João Garcia Miguel, num tempo em que em simultâneo co-fundou os Auéééu, o actor e criador decidiu avançar. Sara Ribeiro mostrou-lhe o texto e à primeira leitura ficou decidido: “tinha que ser feito”.

Passou demasiado – será? – tempo sozinho, na sua sala de ensaios no Seixal, a tentar decorar este texto, a tentar perceber como levantar um objecto dramatúrgico de extrema exigência para um actor, cheio de repetições, perguntas sem resposta, amigos imaginários, doutores, guardas, vozes que quase nunca respondem de volta, esse fervilhar da demência tão atribulado, tão próprio de quem não tem eixo. No fundo, começou a ser Eu-Ele: “Quando começo a decorar o texto e percebo que era tão difícil, a dificuldade que o texto tem era o espectáculo, essa impossibilidade de estar sozinho, esse ‘porra, porque é que estou sozinho?’, esse sentimento real, porque é que estou sozinho aqui, porque é que não tenho mais ninguém, porque é que fui escolher esta peça. Acho que foi a partir daí, pensar que tinha que usar isso”, explica.

A esta loucura com tanto de caricato como de angustiante junta-se a densidade da bateria de Gabriel Ferrandini, com quem se tinha cruzado em Rosa. Espinho. Dureza., em Abril, numa criação do próprio Ferrandini, apresentada no D. Maria II. Complicado, né?

CAL – Primeiros Sintomas. Sáb 21.30. Dom 19.00. 5-7,5€. 

De Antonio Tarantino
Criação Companhia Macaco Nu
Com Frederico Barata
Voz e figurinos Sara Ribeiro
Música Gabriel Ferrandini

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