A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Futebol de caricas no Grupo Recreativo Cultural e Desportivo de Leião
Francisco Romão PereiraFutebol de caricas no Grupo Recreativo Cultural e Desportivo de Leião

Futebol de caricas: a improvável modalidade que se joga com as mãos

Apesar do nome, não é coisa de crianças: há uma Associação Portuguesa de Futebol de Caricas, a Liga Nacional, o Campeonato, com 12 equipas, e a Taça de Portugal, que na época passada contou com 24 atletas em representação dos seus clubes.

Helena Galvão Soares
Escrito por
Helena Galvão Soares
Publicidade

“Aqui no Leião, temos treino todas as quintas-feiras, às nove da noite. Somos dos poucos clubes com treinos regulares. Ao fim do dia, apetece é ficar no sofá, mas depois vamos, e vale sempre a pena. Somos cinco atletas, mas agora um está lesionado”, diz ao telefone José Carlos Freitas (aka Zé Carlos). “Mas não se lesionou nesta modalidade”, apressa-se a esclarecer, entre risos, convidando-nos a assistir ao próximo treino.

Rumamos então ao Pavilhão Multiusos do Grupo Recreativo Cultural e Desportivo de Leião, onde constatamos que boa-disposição é o nome do meio desta equipa. “É uma experiência que tem um ano e pouco. A pedido de milhões de pessoas [gargalhada] começámos a ter futebol de caricas”, diz Nuno Gonçalo, o presidente. “Foi o Luís Dias, que jogava, e o Zé Carlos, que foi nosso atleta de atletismo, que vieram propor o futebol de caricas. E foi aceite, claro. O custo foi relativamente baixo, comparado com as outras modalidades, que são todas muito caras, e para nós tem sido uma super-mais-valia, pela curiosidade que tem suscitado [o Leião já apareceu em dois programas de TV]. Fizemos aqui a 1.ª jornada do campeonato e entretanto a 5.ª jornada vai ser também aqui”, conta. “Estamos a ser conhecidos pela modalidade mais improvável que se pudesse imaginar.” 

Luís Silva, Luís Dias e José Carlos Freitas
Francisco Romão Pereira / Time OutLuís Silva, Luís Dias e José Carlos Freitas

O custo da modalidade é muito baixo, explica Luís Dias, porque “isto é tudo artesanal”: é preciso um tampo (o campo tem 170x110 cm), alcatifa canelada, e as redes das balizas, por exemplo, são feitas “com aqueles sacos de lavar meias”. Quanto ao onze, as caricas nunca estiveram em garrafas, senão estariam deformadas: são compradas a cervejeiras artesanais (300/2€), e os guarda-redes são tampas de plástico de Santal ou Pleno, que são as que têm a maior medida legal (15x30 mm). São enchidas com plasticina, para ficarem mais pesadas e oferecerem maior barreira aos remates. O peso total máximo das 10 caricas é de 25,7 gramas e o do guarda-redes 15,5 (sim, antes das provas é tudo pesado numa balança de precisão). “A bola é a única coisa que não é artesanal”, conclui Luís. “Antigamente usávamos as bolas da Lego, mas os espanhóis, de há uns anos para cá, mandam fazer milhares na China, mais baratas, de melhor qualidade e um bocadinho maiores e mais pesadas. E todos os anos mudam de desenho. Estas duas são as deste ano e esta é do ano passado. Para a próxima época já estão a preparar umas novas.”

As referências aos “espanhóis” são constantes, dado que no país vizinho o futebol de caricas tem grande popularidade e existe há mais de 20 anos; o primeiro torneio português, em 2019, em Resgais, Torres Novas, contou com a participação de jogadores de Cáceres.

A carica é jogada com os dedos em pinça. Em jogo estão as equipas do Manchester United de 1993 e do Belenenses de 1989
Francisco Romão Pereira / Time OutA carica é jogada com os dedos em pinça. Em jogo estão as equipas do Manchester United de 1993 e do Belenenses de 1989

“Vamos jogar?”, desafia Luís. O problema é que quando abre as caixas das equipas, começamos a soltar “uaus!” – que estojos, que caricas! E quem os fez está à nossa frente: José Carlos e Luís Dias não só são jogadores, como são dois dos cinco ou seis jogadores no país que desenham equipas.

“O Zé usa assim um estilo mais moderno, eu gosto mais dos clássicos, equipas mais antigas. Para além de jogar, desenhar as equipas também é um hobby. Até as caixas são feitas por nós”, explica Luís Dias, que reproduz equipas históricas ao pormenor, investigando, na imprensa (ainda a preto e branco) e nos clubes, qual era exactamente o equipamento e quais os jogadores de determinada época. Sobre a mesa está o Manchester United de 1993 e a caixa que mais encanta toda a gente: o Belenenses de 1989 (ano em que ganhou a sua terceira Taça de Portugal), onde, entre outros minuciosos detalhes, até se pode ver nas camisolas o logotipo da extinta seguradora O Trabalho, patrocinadora da equipa, além dos nomes e números dos jogadores, claro.

Caricas soltas do Sporting e Nápoles (e Forest Green Rovers e Holanda) e caixas e equipas do Vieira SC e Belenenses 1989
Francisco Romão Pereira / Time OutCaricas soltas do Sporting e Nápoles (e Forest Green Rovers e Holanda) e caixas e equipas do Vieira SC e Belenenses 1989

“No caso do Luís ele desenha mesmo as equipas, usa um programa de desenho; eu utilizo outra técnica, vou à internet, saco as camisolas, e entretenho-me”, diz José Carlos. “É como o Luís diz, o hobby não é só jogar, é tudo o que rodeia também o jogo. É fazer as equipinhas, é fazer as caixinhas. Toda a gente gosta de ter as suas... A cada torneio que vou, há sempre alguém ‘Zé Carlos, pá, precisava de duas caixas para os meus miúdos, uma do Inter Milão, outra do Wolverhampton’. Isto acaba por ser uma modalidade que aproxima as pessoas. Os miúdos, que passam a vida agarrados às Playstations, quando nos vêem jogar, vêm jogar, gostam e ficam.” Luís acrescenta, com entusiasmo: “E agora já chegamos a fazer provas temáticas. Por exemplo, na Taça de Portugal de Futebol de Caricas, que vai realizar-se em Coimbra, em Junho, todos os jogadores têm de levar uma equipa portuguesa e jogar com ela.”

“Então vamos jogar?”, desafia de novo Luís Dias. “Isto é uma réplica do futebol, a única diferença é que no futebol há fora de jogo, nas caricas não, e também não há fora de campo. Existem penáltis, livres directos, cantos, lançamentos, pontapé de baliza, tudo...” Mas também existe mão?, perguntamos-lhe. “Existe, sim senhora! Se a bola vier do adversário e cair dentro de uma carica minha, é mão.”

Marcação de pontapé de baliza, com o posicionamento de dedos que lhe é específico
Francisco Romão Pereira / Time OutMarcação de pontapé de baliza, com o posicionamento de dedos que lhe é específico

Duas regras a reter antes de se dar o pontapé de saída: para poder rematar à baliza, a carica tem de estar no meio-campo adversário e o jogador tem de anunciar que vai rematar e com que carica, para que o adversário possa posicionar a defesa e o guarda-redes.

Começa o jogo, continuam as dicas. “As caricas são mais leves do que a bola, o que cria uma dificuldade acrescida principalmente na altura do remate, que é quando queremos jogar com mais força. Contrariamente ao que parece, muitas vezes não é tanto a força, é mais o jeito com que a carica bate que importa”, explica José Carlos. “Um jogador que comece agora a jogar, ao fim de meio ano está com bom nível”, encoraja Luís. “É um jogo que exige alguma destreza – acertar na bola, saber rematar, controlar a bola, colocar a carica no sítio certo – e exige alguma táctica, mas aprende-se rapidamente.”

O nosso entusiasmo cresce e José Carlos exclama para a outra ponta da sala: “Presidente, já estamos a fazer treino de captação!” 

Experimente a fazer isto em casa

No site da Associação Portuguesa de Futebol de Caricas (futebolcaricas.pt) há seis tutoriais que apresentam o material necessário, onde o encontrar e ainda instruções passo a passo para construir tudo o que precisa para jogar futebol de caricas. Encontra lá também as regras da modalidade, o calendário dos jogos e os contactos das equipas nacionais. Na Grande Lisboa, além do Leião (Oeiras), o Futebol Clube do Prior Velho (Loures) deverá também disputar a próxima época da Liga Nacional. 

+ Quer ajudar o IPO Lisboa? Recicle pilhas e equipamentos eléctricos

+ BEERiceira. Festival de cerveja artesanal estreia-se em Setembro 

Últimas notícias

    Publicidade