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Gemma Paintin: “Talvez não precisemos de humanos para termos vozes”

O colectivo Action Hero está de volta a Lisboa para apresentar ‘The Talent’ em parceria com Deborah Pearson. Conversámos com a única intérprete em palco, Gemma Paintin.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
 The Talent
The Talent, de Action Hero & Deborah PearsonGemma Paintin em The Talent
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Gemma Paintin e James Stenhouse já percorreram mais de 40 países com as suas obras, incluindo Portugal. Agora, o colectivo de Bristol, mais conhecido por Action Hero, regressa a Lisboa com um novo projecto. Criado em parceria com a escritora, dramaturga e performer canadiana Deborah Pearson, The Talent reflecte sobre o legado da voz humana, ao mesmo tempo que nos questiona sobre o quão importante é ou não a presença do corpo. “Eu e o James trabalhamos juntos desde 2005, mas para esta peça contámos também com a Deborah [Pearson], que já conhecíamos de outras andanças. A ideia surgiu há uns anos, quando estávamos a tomar o pequeno-almoço e começámos a partilhar ideias para um novo trabalho sobre a voz e os seus diferentes registos e extensões”, conta Gemma, que subirá ao palco sozinha. A estreia está marcada para 22 de Abril, no Teatro do Bairro Alto.

Fechada numa cabine de som, uma mulher recria desde anúncios publicitários até áudio-guias de exposições. As ordens chegam-lhe através dos auscultadores. Apesar de ser capaz de convocar qualquer tipo de voz, Gemma não é a estrela de nenhuma das histórias que nos conta. Dá tudo de si e, ao mesmo tempo, absolutamente nada. Afinal, mal ouvimos a sua verdadeira voz. Num momento está a vender-nos uma marca de cereais, noutro soa como um desenho animado. “Não é uma história linear ou tradicional”, avisa a intérprete. “Temos esta mulher, que percebemos tratar-se de uma locutora profissional, porque vai recebendo vários textos para ler e encarnando diferentes personagens, mas não sabemos quem é nem por que é que está sozinha. A peça desafia-nos não só a responder a essas questões como a ir mais longe e a reflectir sobre os sons e as vozes que vamos deixando para trás.”

Produzida na laringe, a voz resulta da vibração das cordas vocais pela passagem do ar vindo dos pulmões. Transformada em fala pelos órgãos de articulação, como a língua, os dentes e os lábios, e ampliada ou modificada pelas cavidades de ressonância, como a boca e as fossas nasais, é um instrumento maravilhoso de comunicação, que nos permite inclusive juntar emoção à palavra através de diferentes inflexões, pausas e variações de ritmo, intensidade ou timbre. Cada um tem a sua, claro. Diferente, única, especial, somos capazes de nos reconhecer mutuamente através dela. Mas qual será o seu legado num mundo onde a inteligência artificial já é capaz de a emular? “É possível criar uma voz que, apesar de nunca ter existido, soa verdadeiramente humana. E é curioso pensar como, ainda que a voz falada nos pareça uma das nossas capacidades mais complexas, talvez não precisemos de humanos para termos vozes.”

Se a voz não precisa do corpo, então o que é que, afinal, faz de nós humanos? É a derradeira pergunta de Gemma, que nos convida não só a ouvi-la mas a perceber como é possível tantos sons diferentes pertencerem à mesma pessoa. “Durante a pandemia, tivemos de nos afastar uns dos outros e falar ao telefone ou através de videochamadas”, relembra a performer. “Éramos apenas vozes, o corpo era de facto uma coisa separada. Foi uma experiência estranha, não podermos abraçar a voz. Isso tem um impacto na forma como nos relacionamos connosco e com os outros.”

Com legendagem em português, The Talent tem três sessões previstas: a de estreia, a 22 de Abril, às 19.30; uma segunda, no dia 23, à mesma hora, mas seguida de conversa no Clube do Espectador; e a terceira e última, no dia 24, pelas 17.00.

Teatro do Bairro Alto (Lisboa). Sex-Sáb 19.30, Dom 17.00. 5€-14€

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