A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Curva loxodrómica de Pedro Nunes
Helena Galvão Soares

Há Matemática no Campo Grande, faltam é as explicações

É provável que já tenha reparado na grande esfera de espirais ou nas sete pontes, mas sabe o que são? Fomos perguntar a Pedro Freitas, da Sociedade Portuguesa de Matemática.

Helena Galvão Soares
Escrito por
Helena Galvão Soares
Publicidade

A esfera de espirais, o lago das pontes, a casinha com chão de xadrez, os jogos de tabuleiro e as 84 placas ao longo do caminho lateral oeste do Campo Grande têm um denominador comum. Na última remodelação do Campo Grande, concluída em 2018, estes elementos foram colocados no jardim, em resultado de uma parceria da Câmara Municipal de Lisboa (CML) com a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM). Como, no entanto, nada os assinala ou explica, a maioria dos lisboetas continua sem saber nem que existem, nem o que significam.  

"A ausência de informação no local é um problema sério, para o qual alertámos desde o início, mas que nunca foi atendido. Havia tabelas explicativas para tudo, só que não foram colocadas", elucida Pedro Freitas, membro da SPM e da equipa que pensou o projecto.

Pedro Freitas
Ricardo Lopes

"As primeiras reuniões começaram em 2011", relembra. "Tudo começou com uma ideia da CML de renovar globalmente este jardim. Uma das pessoas envolvidas era o vereador Sá Fernandes, dos Espaços Verdes. O então presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, o Professor Nuno Crato, soube desta renovação e propôs pôr também aqui alguns elementos de Matemática."
"Fizemos várias propostas de elementos – tínhamos também outros com sólidos geométricos, por exemplo – e depois conversámos e chegámos à conclusão que estes cinco eram adequados."

Indo de Norte para Sul, encontramos quatro bancos com jogos de estratégia, o primeiro dos cinco elementos de matemática do jardim. "O pensamento dos jogos de estratégia é parecido ao matemático, ao pensamento abstracto." São as únicas peças que surgem acompanhadas pelas tabelas elaboradas pela SPM. Nelas ficamos a conhecer a história de cada jogo e as regras para o jogar.

Jogos matemáticos
Helena Galvão Soares| Jogos de tabuleiro: Alquerque, Hex, Mancala e Moinho (na foto).

"Ainda na parte Norte, instalou-se um Quarto de Ames. Para o desenhar, tivemos de contactar o museu de ciência de São Francisco, o Exploratorium. Eles foram impecáveis, responderam no dia seguinte."

Num Quarto de Ames as pessoas parecem aumentar e diminuir de tamanho quando se deslocam. O efeito resulta do facto de os nossos cérebros perceberem a sala como normal, ou seja, cúbica, quando na realidade é trapezoidal, com o chão e o tecto muito mais próximos um do outro num dos lados do que no outro. O chão e outros elementos decorativos, também eles distorcidos, amplificam a ilusão. 

Sala de Ames
Helena Galvão Soares |Quarto de Ames – É uma peça de ilusão óptica criada em 1934 por Adelbert Ames, investigador americano que se destacou na oftalmologia.

"Aconteceu aqui uma coisa que mais ou menos prevíamos, que era o Quarto de Ames tornar-se uma casa de banho", conta Pedro Freitas. "Depois de ver outros Quartos de Ames, outras implementações, percebi que não é preciso quatro paredes, se houver só três paredes é suficiente e fica aberto para o jardim e já não havia o  problema. Eu propus isso, o arquitecto concordou, disse que mandasse um email; eu escrevi de facto, ele deu-lhe seguimento, mas nada aconteceu."

Esta correcção seria muito bem-vinda, já que o Quarto de Ames se encontra tão sujo e vandalizado que impede as pessoas de usufruírem dele. É uma pena, porque é a peça mais imediatamente lúdica de todos os elementos matemáticos do jardim.

Pontes de Konigsberg
Helena Galvão Soares |Em 1735, ao reduzir o problema das sete pontes da cidade de Königsberg a pontos e linhas, demonstrando que a resposta era negativa, o matemático suíço Leonhard Euler estabeleceu as bases da teoria dos grafos.

"Na parte Sul, fez-se um esquema das sete pontes de Königsberg, que inicialmente era um problema de matemática recreativa: temos aqui umas pontes, será que dá para atravessar todas sem repetir nenhuma? O que Euler fez, e que foi muito inovador na altura, foi a maneira como pensou o problema. Ele viu que não dava e disse 'Mas como é que eu posso provar que não dá?'"

"E depois teve a ideia central, que é a que está na origem da tal teoria de grafos, que é toda uma área nova da matemática: aqui não importa a localização geográfica e o tamanho das coisas, o que importa é o que é que está ligado a quê. E passa a ser um problema com linhas e pontos, o que importa são os pontos e as ligações."

"Quando eu passo por um ponto, uso dois caminhos: o de onde venho para chegar ao ponto e o que uso para sair dele; o que entra e o que sai. Portanto, cada ponto está ligado a um número par de caminhos, excepto os pontos de partida e de chegada, os únicos obrigatoriamente ligados a um número ímpar de caminhos. Se olhar para as pontes, todos os pontos estão ligados a um número ímpar de caminhos, portanto não dá. É só isto. Ele resolve o problema de uma maneira muito engenhosa."

Curvas loxodrómicas de Pedro Nunes
Helena Galvão Soares |Curvas loxodrómicas de Pedro Nunes – Esta curva em espiral proposta pelo matemático português Pedro Nunes em 1537, na obra “O Tratado da Esfera”, veio simplificar a navegação em pleno oceano.

"E finalmente, no lado Sul, a tal esfera, com as curvas loxodrómicas marcadas, umas curvas que foram estudadas por Pedro Nunes e tiveram muita importância na altura, para a navegação e para a cartografia." 

"As linhas de rumo de Pedro Nunes, também chamadas curvas loxodrómicas, são curvas sobre a esfera que têm a seguinte característica: o ângulo que fazem com o Norte é constante. Para um navegador dirigir o seu navio ao longo de uma destas linhas, basta manter o ângulo da rota constante em relação ao Norte, que pode ser encontrado facilmente."

"Por causa disto, Pedro Nunes sugeriu a construção de um mapa em que as linhas de rumo sejam representadas como linhas rectas, de modo a facilitar o desenho da rota. Este mapa acabou por ser realizado pelo cartógrafo holandês Gerardus Mercator, que criou em 1569 uma projecção que tem hoje o seu nome, originando um estilo de mapas ainda hoje em uso."

Timeline História da Matemática
Helena Galvão Soares

O quinto e último elemento matemático está instalado ao longo de todo o Campo Grande, no caminho do lado Oeste. É uma linha temporal da História da Matemática, inicialmente com 100 placas, registando 100 eventos importantes da Matemática, abarcando 40 séculos, que começam na Babilónia no século XX a.C. e terminam em 2007.

Timeline História da Matemática
Helena Galvão Soares

"O critério foi, por um lado, acontecimentos importantes, coisas que envolviam personagens importantes ou resultados importantes, ou então, resultados que fossem reconhecíveis por alunos do Secundário. Por exemplo, fala-se de l'Hôpital, da Regra de l'Hôpital, fala-se do Argand, do Plano de Argand, que as pessoas dão no 12º, portanto um aluno de Matemática que venha aqui reconhece algumas coisas que dá na escola."

"As 100 placas estão colocadas à escala, ou seja, se há acontecimentos próximos no tempo, as placas estão mais próximas, se estão mais distantes no tempo, as placas estão mais distanciadas. E as escalas são diferentes no Norte e no Sul porque há mais história para contar a partir do Renascimento. Foi um efeito pensado, que a distância diferente entre as placas despertasse a curiosidade das pessoas. Tal como para as outras peças, também para aqui havia uma placa explicativa, com as escalas. Neste caso não é fundamental para se perceber, mas era mais uma informação, as pessoas sabiam que aquilo está feito à escala."

Timeline História da Matemática
Helena Galvão Soares

E não foi isto o mais grave que falhou na linha temporal. Para grande tristeza da equipa da SPM que coordenou o projecto, a placa referente à Curva loxodrómica de Pedro Nunes, que iniciava a timeline do lado Norte, foi "atropelada" pela ciclovia e desapareceu. Na verdade, não foi a única: há 15 placas que foram planeadas e não se encontram na linha temporal.

"Foi um projecto muito interessante, e o jardim, para além das coisas matemáticas, ficou bonito e é usufruído por diversas pessoas. Foi pena não ter sido terminado", lamenta Pedro Freitas, acrescentando: "Há muitas obras de arte que têm vários níveis de entendimento, e quantos mais desses níveis compreendermos, melhor as apreciamos. Estas obras do Campo Grande têm conteúdo matemático, e sem acesso a esse nível, a apreciação das obras fica muito superficial." 

+ Trienal de Arquitectura arranca em Setembro de pés assentes na Terra

+ Leia já, grátis, a edição digital da Time Out Portugal desta semana

Últimas notícias

    Publicidade