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Pedra de armas
Gabriell Vieira

Há um unicórnio em Arroios (mas tem um “córnio” muito pequenino)

É sempre triste passar por um edifício histórico e vê-lo a degradar-se. É o caso da Igreja e Convento de Nossa Senhora da Conceição de Arroios.

Helena Galvão Soares
Escrito por
Helena Galvão Soares
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Sobre a porta da igreja, agora entregue à comunidade ucraniana para celebração do culto ortodoxo, está uma pedra de armas com uma coroa no topo. No escudo, a metade direita tem as armas de Portugal – sinal de que há uma rainha ou infanta portuguesa ligada à fundação do edifício. A escoltar o escudo, um leão de ar bonacheirão do lado esquerdo e, do lado direito, um... Não...?! Um cavalo com um espigão no meio da testa? Aquela protuberância só pode ter servido para encaixar uma muito maior: um exuberante corno de unicórnio. Mas, o que faz um unicórnio numa pedra de armas da família real portuguesa?

| Brasão de Catarina de Bragança
Gabriell Vieira |

A rainha do brasão não é outra senão D. Catarina de Bragança, que casou em 1662 com o rei D. Carlos II, tornando-se rainha de Inglaterra. E é daí que vem o unicórnio. Ou, para sermos mais precisos, não é exactamente daí, mas sim da Escócia. O pai de Carlos II, Jaime VI, rei da Escócia, usava a pedra de armas escocesa, com dois unicórnios como suportes (o nome técnico das figuras que escoltam o escudo). A união das coroas de Escócia e Inglaterra durante o reinado de James VI foi simbolizada na heráldica com a combinação dos dois brasões, passando a ter então um leão (inglês) e um unicórnio (escocês). Foi esse brasão que Carlos II herdou e é essa a razão para o leão e o unicórnio aparecerem no brasão de Catarina de Bragança.

Sete anos após a morte do marido, em 1692, Catarina de Bragança regressa a Portugal e em 1705 financia a construção do Colégio Conventual da Companhia de Jesus. É atribulada a história deste edifício: de colégio jesuíta passa a convento de freiras concepcionistas franciscanas, guardou por uma noite as ossadas do marquês de Pombal na sua trasladação, foi anexado pelo Hospital de São José para servir de enfermaria de tuberculosos e variólicos, a igreja foi sede da paróquia de Arroios e deixou de ser, foi quartel da GNR, foi Hospital de Arroios, passou a Hospital Rainha D. Amélia e voltou a ser de Arroios, e foi com essa designação que teve um período de ouro nas décadas de 30 a 50, ao ponto de ser conhecido como “Universidade de Arroios”. Manteve-se como importante centro nacional de prevenção e combate à tuberculose até ao seu encerramento, em 1992.

Apesar de tanta história, o convento/hospital tem, desde 1996, tido um destino incerto, entre pedidos de classificação e o seu contrário: a apresentação de projectos que prevêem a demolição de grande parte do edifício. Em 2012 foi finalmente classificado como Monumento de Interesse Público e foi fixada a Zona Especial de Protecção da Igreja. Infelizmente, nove anos depois, o edifício continua em acelerada degradação. 

Mas não custa sonhar, para mais quando estamos a falar de um unicórnio: esperamos vir a ver o edifício restaurado e o unicórnio de Catarina de Bragança com o garboso corno espiralado de outros tempos. Afinal, é o nosso único unicórnio, caramba.

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