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© Alexander Andrews/ Unsplash

Há uma peça de teatro a ser criada ao telefone com idosos da Amadora

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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O Teatro de Identidades, que dinamiza a prática teatral entre a população sénior do concelho da Amadora, continua a manter contacto com os mais velhos, mas à distância de uma chamada telefónica. O objectivo é superar estes dias mais difíceis, criando uma peça de teatro com o testemunho de todos. A estreia está prevista para Outubro, o Mês do Idoso.

Há cada vez mais iniciativas a serem criadas ou reinventadas para transmissão nas redes sociais. Mas ainda há camadas da população sem acesso a elas. A pensar nos mais velhos, sobretudo os mais solitários, o Teatro de Identidades decidiu continuar a manter contacto com os idosos com que já trabalha desde 2012, em centros de dia e centros de convívio de seniores. As sessões, que estão a acontecer ao telefone, vão servir para reflectir sobre o papel da arte em contextos de emergência e criar uma nova dramaturgia, que a encenadora, actriz e professora Rita Wengorovius planeia levar a palco em Outubro. “Não sabemos se acontecerá, mas já temos datas, porque é importante criar esta sensação de futuro, para os motivar”, esclarece a responsável pelo projecto. “Até costumamos dizer na brincadeira que agora ninguém pode morrer porque vamos estrear a peça no Mês do Idoso.”

Antes da actual pandemia, o projecto de investigação com seniores Teatro de Identidades dinamizava aulas semanais de teatro, movimento coreográfico, voz e canto em cinco instituições particulares de solidariedade social, mas também nas residências privadas de seis agregados familiares, compostos por seniores isolados e em situação de dependência física. “Trata-se de um projecto-piloto em teatro para e com a comunidade”, esclarece Rita ao telefone, o meio de comunicação usado actualmente para continuar a estimular a prática teatral entre a população sénior. “Estamos a falar de arte participativa, onde todos somos actores. Mesmo neste momento, não somos espectadores desta pandemia, podemos ter um papel dentro dela. Que papel é esse? Esta é apenas uma das questões a trabalhar.”

Entre as actividades a serem desenvolvidas por mestres e mestrandos de Teatro e Comunidade, na Escola Superior de Teatro e Cinema, destaca-se a leitura de histórias ao telefone, inspiradas no livro Histórias ao telefone, de Giani Rodari, artista pedagogo das escolas de Reggio Emilia. Mas os próprios idosos estão a ser incentivados a contar histórias. Os actores dão o mote com contos, que estimulam a criatividade, para que os seniores continuem essas narrativas. “Há seniores mais expeditos que se têm voluntariado para ligar aos mais frágeis, que sofrem de enfermidades como Alzheimer e demência, e fazerem este trabalho de artistas com os seus pares”, revela a também directora artística do Teatro Umano. “Queremos dar voz a esta comunidade de idosos, até para sairmos do lugar comum, dos estigmas e preconceitos, de que só nos criam entraves, porque temos aprendido muito com eles.”

No final da quarentena, o objectivo desta iniciativa de “teatro ao telefone”, dinamizada para quebrar o isolamento social causado pelo encerramento dos centros de dia da Amadora, é levar uma peça a cena a partir de uma “nova dramaturgia comunitária”, criada em conjunto com os idosos intervenientes, que têm entre 50 e 95 anos. “Já temos ideias concretas que nasceram com eles. Um idoso falou-nos de forrar o palco com arame farpado, como se estivessem presos em casa. Um outro de fios, para fazer telefones antigos. Por isso no fundo é vê-los também como treinadores e, por um lado, fazer um paralelismo com outros textos dramatúrgicos, escritos também em alturas de quarentena. Por outro, não reforçarmos o quotidiano, mas tentarmos ver esta crise como uma possibilidade, pelo menos para criar momentos simbólicos de beleza e interacção”, acrescenta.

A estreia do espectáculo está prevista para Outubro, Mês do Idoso, e Rita Wengorovius garante que “a ideia não é fazer um teatrinho, nem um teatrão”, conceitos associados a entretenimento ou à imitação do mau teatro profissional. “Mas sim um teatro com rigor e qualidade artística, como temos sempre feito e como queremos continuar a fazer, levando os idosos a teatros, como o Teatro da Trindade, por exemplo, onde há luz, há som, há um palco a sério, onde é possível dignificar a prática.”

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