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É no Largo do Carmo que Lúcia Fragoso vai à bolsa. De lá tira uma coluna de som portátil que, acredita, vai dar mais "ambiente" à visita. Da pequena JBL vermelha, pendurada no tote bag, sai o som de uma guitarra portuguesa, como quem diz: "Estão a ver? Era disto que eu estava a falar." Estamos numa visita turística entre a Baixa e o Chiado. O foco é "o lado artístico e a identidade" de Lisboa, onde entram personagens como Bordallo Pinheiro ou Eça de Queiroz.
"Vivemos cá há oito meses mas não conheço nada da cidade. Foi por isso que viemos", conta Margaret (nome fictício), uma das participantes, referindo-se a ela e ao marido, imigrados do Canadá. "Procuram casa para comprar?", perguntamos, já que a visita é conduzida por uma agente imobiliária. "No way", assegura a cliente. O dólar está muito baixo e as casas em Lisboa estão impossíveis. Estamos a arrendar. Mas tivemos de sair do Canadá porque o Governo fez muita coisa errada no último ano, há muita instabilidade política, enfim, as coisas não estão bem. Além disso, temos família na Europa", continua.

Embora seja agente imobiliária, Lúcia Fragoso explica que o objectivo das visitas que organiza de forma regular no centro histórico não é vender casas. "No final, falo sobre os preços na zona, sim, o tipo de arquitectura que se pode encontrar... Não mais." Na despedida, há-de oferecer a cada participante um postal que funciona como cartão-de-visita, com o seu nome e contactos no verso. Na identificação, mais abaixo, lê-se "Lúcia Fragoso: Curadoria na Arte de Viver e Investir".
O contexto é este: "Durante a pandemia, comecei a ler muito sobre Lisboa, a fazer muita pesquisa e, em 2023, iniciei estes percursos, porque é algo com o qual me identifico. Também organizo eventos na área das artes, tenho este propósito de levar arte às pessoas", diz. As visitas à "Lisboa antiga" são divulgadas sobretudo através das redes sociais, pelo seu perfil pessoal. Em suma, "não há intermediários". No último ponto do passeio, o Largo do Camões, já depois de Lúcia ter apresentado as páginas finais do dossier que leva na mão, onde há T3 ou T5 entre os dois e os quatro milhões de euros, cada um dará o que quer ou que pode: de cinco a 20 euros.
"Só quatro milhões?!"
"Uma casa com arquitectura pombalina, que foi reabilitada mantendo a traça original, com elevador, garagem e vista para o Tejo é o topo dos topos", descreve a agente durante a visita, depois de mostrar o preço do metro quadrado em Lisboa – 5659 euros – e no Chiado – 7765 euros –, outro topo. Um participante norte-americano vislumbra, entre as fotografias de apartamentos, um T4 de tectos trabalhados, varandim, o clássico piso de tábua corrida. "Só quatro milhões?!", provoca.

Dos presentes ninguém quer comprar mas todos olham com curiosidade. Conhecer a oferta disponível teria até dado jeito, há uns meses, a Gloria (nome fictício), quando esta se arrependeu de ter escolhido o empreendimento Prata Riverside Village, no Braço de Prata, para viver. "Foi horrível, detestei", partilha a imigrante que chegou da Califórnia a Lisboa em 2021. "Agora vivo na Sidónio Pais [junto ao Parque Eduardo VII]. Para mim, é a melhor rua de Lisboa! Não quero sair dali, não estou à procura de casa, mas já fiz várias tours. Gosto de conhecer a história e hoje também tinha quem me fosse passear os cães", explica a americana na casa dos 70 anos.
No grupo de oito, há pessoas dos Estados Unidos, do Canadá, da Rússia. A maioria vive cá, está estabelecida. Conhece pouco ou nada da história da cidade. Mas acham fascinante o humor preciso de Bordalo, questionam qual a fronteira entre a Baixa o Chiado, perguntam sobre escritores, conhecem a casa onde viveu Pessoa. "E porquê tesouras nos desenhos da calçada?", pergunta um deles, na zona entre a extinta Barbearia Campos e o espaço Fidelidade Arte, no Largo do Chiado.

O Chiado é um dos bairros comerciais mais caros do mundo, com os preços das rendas a atingirem sucessivos máximos históricos. No final de 2024, o valor de um estabelecimento prime era de 1620 euros por metro quadrado ao ano, de acordo com um relatório da imobiliária Cushman & Wakefield, que analisou 138 localizações. Também no plano da habitação, a curva de preços é ascendente, ficando a oferta acessível apenas a milionários, incomportável para um Almada Negreiros ou um Ramalho Ortigão. De acordo com a plataforma Idealista, em Junho, o valor por metro quadrado no bairro era de 7550 euros. O máximo atingido foi de 9063 euros por metro quadrado, em Novembro de 2023 (540 mil euros por uma casa de 60 metros quadrados).
Além das visitas guiadas pela cidade, Lúcia Fragoso organiza eventos em apartamentos de luxo. Em Fevereiro, por exemplo, um duplex na Rua das Flores, avaliado em quase dois milhões de euros, foi escolhido como palco de uma exposição na presença de cinco artistas. "Durante o evento, os convidados poderão explorar não só as obras expostas, mas também os recantos do imóvel, que se encontra disponível para venda por 1.980.000 euros", pode ler-se na página do Idealista sobre a iniciativa, considerada uma "fusão entre o universo artístico e o mercado imobiliário premium". A exposição abriu-se a "um grupo exclusivo de 50 convidados, incluindo coleccionadores, investidores e apaixonados por arte e design de interiores". O mesmo imóvel da Rua das Flores (de três pisos e 378 metros quadrados, incluindo o jardim privativo) ainda se encontra à venda no site da The Agency, por 1,89 milhões de euros.
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