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Os Demónios Não Gostam de Ar Fresco
© Bruno SimãoOs Demónios Não Gostam de Ar Fresco

Ingmar Bergman tem vários demónios. Deus é um deles

Em ‘Os Demónios Não Gostam de Ar Fresco’, encenada por Albano Jerónimo e Cláudia Lucas Chéu, exploram-se os tormentos que abarcam a mente de Ingmar Bergman. Está em cena entre 10 e 14 de Abril, no São Luiz.

Escrito por
Beatriz Magalhães
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Sozinho não anda nunca. Acompanham-no os demónios. O medo, a morte, o silêncio. Jantam, conversam, reflectem, elogiam-se, criticam-se. E de Deus ele também não se esquece. Se ele os quiser afugentar, basta ir lá fora, que eles não gostam de ar fresco. Mas também não é que Ingmar queira fugir deles. Partindo do universo do realizador sueco, Ingmar Bergman, Os Demónios não Gostam de Ar Fresco propõe-lhe uma homenagem, cruzando três vertentes – cinematográfica, teatral e musical. Albano Jerónimo e Cláudia Lucas Chéu assinam a encenação, com base no texto de Maria Quintans. Estreia esta quarta-feira, 10 de Abril, no São Luiz.

Na vida de Maria Quintans, Ingmar Bergman sempre desempenhou um papel importante. A partir do seu fascínio pelo trabalho do realizador e encenador escreveu uma peça que se afirma como uma homenagem à figura deste homem, convocando as suas diferentes facetas e a sua relação com os demónios que o atormentavam e que viviam com ele. Pelas mãos de Cláudia Lucas Chéu e Albano Jerónimo, o texto ganha vida em palco. “Quisemos trabalhar a ideia de negativo neste espectáculo e temos toda uma estrutura teatral que é uma espécie de negativo que não é tão conhecida e que, de certa forma, tem estas coisas todas, de um homem mimado, perverso e muito caprichoso”, explica um dos encenadores, Albano Jerónimo.

Os Demónios Não Gostam de Ar Fresco
© Bruno SimãoOs Demónios Não Gostam de Ar Fresco

Porém, a história tem mais que se lhe diga. Podemos chamar-lhe sorte ou até destino, para Maria Quintans foi uma felicidade. Há quatro anos, a escritora enviou o seu texto a Liv Ullmann, em tempos namorada de Ingmar Bergman, e deu-lhe a conhecer a vontade que tinha de fazer uma residência artística no Bergman Centre, em Fårö. Na altura, outras coisas surgiram, a vida deu as suas voltas e Quintans não chegou a pôr pé na ilha sueca. Volvido algum tempo, voltou a contactar Liv Ullmann e a resposta lá chegou. Durante uma semana, a autora e os encenadores estiveram em Fårö, na casa onde o realizador viveu mais de 40 anos. Não só encontraram os demónios de Bergman, como de lá trouxeram o que faltava no espectáculo, até aí ainda em processo de concepção. “Quando viemos de lá, sentimos a necessidade de mudar muitas coisas, porque estivemos na casa onde ele viveu e trabalhou e, portanto, recebemos muita informação do próprio espaço e não só do espaço, é sobretudo aquilo que se percebe que é a vivência desta pessoa naquela casa, naquela ilha”, acrescenta Cláudia Lucas Chéu.

É exactamente deste ponto de partida que se inicia a peça. Na sala Luis Miguel Cintra, no palco, desce um ciclorama, onde passam vídeos do mar, da ilha sueca de Bergman. Passamos a ouvir uma mensagem de voz que Liv Ullmann deixou no voicemail de Maria Quintans, a convidar-lhe a fazer a residência artística na Suécia. Depois de ouvirmos a mensagem, Bergman invade o filme, que constitui a primeira parte do espectáculo. “Nós começámos por trabalhar em filme o texto da Maria e quisemos dividi-lo entre dois blocos concretos, em que a linguagem da câmara era muito mais dentro da cabeça do Bergman na primeira parte e na segunda um ponto exterior, quase dele e nosso. Depois trabalhámos sobretudo as sobreposições, que fez com que nos aproximássemos de uma forma mais íntima e que viajássemos até lá”, continua Jerónimo, já após um ensaio.

Os Demónios Não Gostam de Ar Fresco
© Bruno SimãoOs Demónios Não Gostam de Ar Fresco

À mesa, encontramos Ingmar Bergman num jantar com o medo, a morte e o silêncio. Os três demónios discutem acerca do sentido da vida, do amor, da própria morte, da existência do medo e do silêncio que se impõe e que é imposto. Filmado em Fårö, a preto e branco, e inspirado no trabalho cinematográfico do realizador sueco, o filme vive dos close-ups das personagens e das sobreposições, que mostram partes da casa de Bergman e objectos pessoais dele. “Os filmes do Bergman jogam muito com os planos muito apertados e, sendo que o dispositivo era um dispositivo de cinema em que os actores estão basicamente só a fazer diálogo, era muito importante. Foi essa a lógica, sempre a de criar esta quase invasão para cima do espectador, mais do que intimidade, é quase invadir o espaço do espectador, não dá mesmo para fugir”, continua a encenadora. É de realçar ainda a “incoerência propositada” que é criada nesta narrativa, em que as personagens apresentam uma maquilhagem que se desfaz e escama, de “restos, de ecos de alguma coisa, de pedaços que são também uma espécie de fantasmas”, acrescenta Albano Jerónimo. 

A meio do espectáculo, uma paragem abrupta do vídeo em tela força os actores a continuarem, amparados dos seus guiões e da condução de cena do actor que interpreta Ingmar Bergman no filme. De smoking vestido, de guião numa mão e de cigarro na outra, um novo Ingmar Bergman surge em palco. Enquanto o filme retoma no fundo, entra Deus e os dois conversam e envolvem-se nos braços um do outro. Esta desconstrução das personagens e o jogo cénico que se desenvolve a partir daqui é um dos momentos performativos mais marcantes, que pretende relevar um lado mais leve e lúdico, também presente em Bergman. Há “aqui um lado que é mais dos próprios actores, do trabalho dos actores, da relação que ele teve também com os actores e de assumir algum erro nesse bastidor”, aponta Cláudia Lucas Chéu.

Os Demónios Não Gostam de Ar Fresco
© Bruno SimãoOs Demónios Não Gostam de Ar Fresco

A música ao vivo é uma das partes mais importantes do espectáculo e fica a cargo da violoncelista Eva Aguilar que, a partir de várias obras de Bach, tece uma composição que pontua os diferentes momentos do espectáculo. Depois de surgir um epitáfio de Ingmar Bergman, o ciclorama sobe e, a encerrar a peça, os actores centram-se no palco despido. Um coro entra e canta “Acordai”, de Fernando Lopes-Graça. Durante o processo de criação em que, em simultâneo, foram conhecidos os resultados das eleições, a escolha dos encenadores surge na ideia de “estabelecer um ponto de contacto” com o espectador e que “estamos aqui, na luta, e conscientes e activos para um mundo melhor”, remata Albano Jerónimo. E é assim que acaba, com um "acordai".

São Luiz Teatro Municipal. 10-14 Abr. Qua-Sáb 20.00, Dom 17.30. 12€-15€

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