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Joan Baez: a cantiga (ainda) é uma arma

Escrito por
Rui Monteiro
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Sessenta anos depois, Joan Baez volta a pegar na guitarra e lança-se numa digressão de despedida que passa por Lisboa. Eis o que se vai ouvir no Coliseu.

Era uma vez a música de intervenção. Uma música que falava da vida dos desafortunados e procurava dar-lhes uma voz agindo, quase sempre, mais política que esteticamente. Ainda  existe, mas já não é o que era. A não ser quando cantada por alguns. Joan Baez, por exemplo, que sexta-feira está no Coliseu.

Alguém se lembra da canção de protesto? Na América foi a banda sonora juvenil da primeira  metade dos anos de 1960, e não se ficou por aí. Com ela nasceu um tipo de cantor, um intérprete que, geralmente vindo da música  folk, com pouco mais do que uma guitarra, e às vezes só com uma guitarra, procurava acrescentar conteúdo social e, na época em que mais se desenvolveu como género musical, compor não só para os trabalhadores explorados pelo capitalismo mas também participar na luta pelos direitos cívicos dos negros e das mulheres e pelo fim da Guerra do Vietname.

Com o tempo os protestantes criaram um cancioneiro que perdurou e ganhou lugar na história da música popular. É uma lista de canções e criadores algo extensa, que, resumindo, começa em Woody Guthrie, prossegue com o seu autoproclamado sucessor, Pete Seeger, encontrando-se nas suas fileiras os notáveis Phil Ochs, The  Weavers, Nina Simone, por um  muito breve momento Bob Dylan, e uma particularmente activa Joan Baez, que tirava considerável tempo a compor e a cantar para participar em marchas e protestos variados.

Obrigado, Donald Trump

Sessenta anos depois de começar a subir aos palcos e se tornar uma estrela capaz de ir além  do mundo da folk, muitos anos também de inactividade passados que, no entanto, não lhe diminuíram a convicção, embora lhe tenham domado a raiva da juventude, como quem  renasce das cinzas, a mulher que em tempos apresentou Dylan ao purista público do Festival Folk de Newport com ele partilhando o palco, aos 77 anos, Joan Baez – entretanto elevada à honra de ser incluída no panteão do Rock and Roll Hall of Fame – regressa, grava um disco,  Whistle Down the Wind, e lança-se numa digressão que anuncia de despedida. E de quem é a culpa (ou a virtude)? Ora, de Donald Trump.

A eleição de Trump, colocando na Casa Branca um truão em modo de chefe supremo do  Twitter, indignou – e despertou – muitas consciências. A Joan Baez, primeiro, fê-la escrever  uma canção, a primeira nuns bons 25 anos (nunca publicada, pois, como singelamente  confessou à revista Rolling Stone, “era mais um desabafo. Não era uma boa canção”), e, por assim dizer, voltar à rua, subindo ao palco como parte do protesto contra a construção de um  oleoduto no Dacota do Norte, ou, no mesmo dia, o ano passado, cantando nas Marchas das  Mulheres em Redwood e em São Francisco.

A digressão, agora de passagem por Lisboa, embora inclua canções do novo álbum, é  dominada pela história, quer da cantora, quer, principalmente, da odisseia da canção de protesto nos Estados Unidos. Na primeira, na segunda e na terceira linha – se assim se pode dizer – deste alinhamento encontram-se temas que marcaram a sua carreira tanto, como, tudo indica, a sua vida, e ainda a evolução da canção de intervenção. Aqui e ali entrecortadas por uma canção de amor (quase sempre perdido, aliás), os espectadores que já esgotaram o Coliseu podem estar certos de poder acompanhar Baez em hinos como “It’s All Over Now  Baby Blue”, “The Night They Drove Old Dixie Down” e “The Boxer”, a canção que a maior parte das vezes encerra um espectáculo, o qual, de acordo com anteriores alinhamentos, conta com apenas três canções retiradas dos seus álbuns, Diamonds & Rust, Honest Lullaby, Whistle Down the Wind, mais 21 versões que vão, entre outros, de Woody Guthrie (“Deportee”), Pete Seger (“Darling  Corey”), Kris Kristofferson (“Me and Bobby McGee”) e Donovan (“Catch the Wind”), Mary Chapin  Carpenter (“The Things That We Are Made Of ”) e Stephen Foster  (“Hard Times Come Again No More”), passando por Violeta Parra (“Gracias a la Vida”), Simon  & Garfunkel (“The Boxer”), Tom Waits (“Last Leaf ”) e Antony and the Johnsons (“Another World”), com paragem obrigatória, claro, em Bob Dylan (“The Times They Are A-Changin’”, “It Ain’t Me, Babe”, “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, “Forever Young”), sem esquecer, em jeito de regresso às origens, o tradicional “The House  of the Rising Sun”.

A voz de Joan Baez é agora um pouco mais densa, porém, mesmo sem o apoio dos seus  então melódicos agudos, continua delicada, quase doce, como se essa fosse a melhor e a mais eficaz maneira de pronunciar as palavras que tantos tocaram e mais ainda incomodaram. Por outras palavras: a Fénix renasceu. E com ela a energia militante que ainda acredita na canção como uma arma.

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