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Salvámos a Primavera
Ilustrações de Bart LebySalvámos a Primavera, de Joana Louçã e João Camargo

Joana Louçã e João Camargo desafiam as famílias a salvar a Primavera

O aquecimento global está a mudar o clima, e há estações a desaparecer. Em ‘Salvámos a Primavera’, Noa e Rosa juntam-se aos seus amigos da escola para pensar na melhor solução para o problema.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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A chegada da Primavera deve-se a um fenómeno astronómico chamado Equinócio – o preciso momento em que a luz solar incide da mesma forma sobre os dois hemisférios, fazendo com que o dia e a noite tenham a mesma duração, cerca de 12 horas cada. Depois disso, os dias tornam-se mais longos e ensolarados, e as noites mais curtas e amenas. Mas, numa manhã fria como se fosse Inverno, Noa e Rosa – duas crianças como outras quaisquer – viram-se forçadas a perguntar por que é que, lá fora ainda chovia copiosamente. Afinal, a palavra “Primavera” deriva do latim primo vere, que significa “primeiro Verão”. O início da nova estação deveria trazer bom tempo. O que é que se faz quando o tempo não bate certo? É o que Joana Louçã e João Camargo tentam explicar aos mais novos em Salvámos a Primavera, um livro ilustrado sobre as alterações climáticas.

“Em 2019, quando começaram a haver mobilizações e greves climáticas, as miúdas – eu e a Joana temos duas filhas – começaram a fazer várias perguntas lá em casa. Nós até estávamos bastantes informados, mas a linguagem que usávamos não era a mais indicada para passar a mensagem. Por isso, nessa altura, pensámos que talvez fosse uma boa ideia fazer uma coisa mais direccionada para os mais novos [a partir dos seis anos], e as nossas filhas ajudaram na co-concepção da ideia, na medida em que testámos muitas vezes com elas, para ver se percebiam [as explicações em que fomos pensando]”, conta-nos João Camargo. Doutorado em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Lisboa, João é investigador do ISCTE, activista do movimento Climáximo e autor do livro para crescidos Manual de Combate às Alterações Climáticas, editado pela Parsifal em 2018.

O clima trocado por miúdos

O tema da crise climática não só está na ordem do dia como se trata de um dos maiores desafios do século. De acordo com o Relatório Especial do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU, estamos perante uma emergência sem precedentes. Além dos efeitos – claramente negativos – já serem visíveis, desde secas prolongadas a chuvas torrenciais e outros fenómenos meteorológicos extremos, as previsões não são nada animadoras. O Sul da Europa e a Península Ibérica, por exemplo, são apontadas como as regiões da Europa potencialmente mais afectadas pelas alterações climáticas, inclusive por inundações, cheias repentinas, ondas de calor, incêndios rurais e galgamentos costeiros. Mais do que discutir o assunto, é preciso agir. Mas como é que se fala de um tema tão complexo de uma forma séria e, ao mesmo tempo, descomplicada?

Em Salvámos a Primavera, tudo começa em casa de Noa e Rosa, que tomam consciência das estranhas mudanças de temperatura que estão a ocorrer. Já na escola, depois de conversarem com os amigos, as irmãs decidem formar um plano infalível para voltar a ter as estações do ano direitinhas nos seus lugares. Mas o “Grande Plano para Salvar a Primavera”, que tem várias fases como qualquer bom plano, só funciona com a ajuda de todos. “Não queríamos focar-nos muito em decisões individuais – infelizmente é esse o foco geral dos livros que encontramos sobre o tema –, mas sim no colectivo. Foram as greves climáticas de 2019 [também conhecidas como Semana Global do Futuro] que inspiraram a acção colectiva de milhões de crianças e jovens em todo o mundo. Porque, na verdade, as acções colectivas são as únicas que podem fazer a diferença”, avisa João. “É o que vemos no livro. Estas crianças tomam conhecimento do problema em conjunto, zangam-se em conjunto e decidem agir em conjunto.”

Com ritmo e sentido de humor, a história esclarece conceitos como aquecimento global (“é uma espécie de aquecimento central com o controlo remoto avariado”), alterações climáticas (a razão por que há cada vez mais furacões, secas, cheias e tufões) e emissões (“uma espécie de nuvens que saem dos carros, dos aviões e das fábricas e que fazem muito mal ao nosso planeta Terra”). E faz mais: dá pistas para possíveis soluções. “As crianças ainda não têm na cabeça muitos dos impedimentos que os adultos têm, por isso muitas vezes um problema complexo também é complexificado pela visão geral da sociedade e da economia. Por exemplo, as perguntas que surgem no final são as perguntas que a sociedade muitas vezes usa para evitar fazer o que é preciso ser feito em relação à crise climática. O segundo livro, Salvámos o Outono, que sairá no Outono, irá abordar bastantes delas – sendo que nós sabemos que é possível fazer todas aquelas coisas que lá estão identificadas [como viajar e produzir alimentos] de outra maneira, – e também a resistência que há à descarbonização – que, no fundo, são as batatas”, revela-nos João, por entre risos.

No livro, as batatas são a ferramenta de combate escolhida pelas crianças. Mas, para perceber porquê, terá de ler. Nós só estamos aqui para o desafiar. “É preciso tentar construir ferramentas alternativas, nomeadamente de transporte e de produção de energia. As empresas que construíram todas [as formas de fazer] anteriores [fizeram-no] sem nos consultar. Aliás, muitas vezes até contra a vontade de várias populações em vários sítios do mundo”, lamenta o autor. “E é preciso perceber também que o clima já está diferente. Já não vivemos exactamente no mesmo mundo onde tudo isto foi criado, e não há volta atrás. As crianças já só conhecem esta nova realidade, e as coisas já estão más, mas temos de travar os piores cenários que ainda estão em cima da mesa, porque podem piorar bastante. Nós [em Portugal] até já passámos por alguns eventos [extremos], como os incêndios florestais, secas e ondas de calor. O Verão passado foi um exemplo claríssimo disso, e provavelmente este ano será ainda mais grave, porque vai haver ‘El Niño’, que é um fenómeno meteorológico que afecta a circulação atmosférica a nível global. Mas nós podemos fazer alguma coisa, isto é, nós sabemos exactamente o que é preciso fazer.”

O Climáximo, movimento pelo qual João Camargo é activista, luta pela redução drástica das emissões de gases de efeito de estufa durante as próximas duas décadas e pela manutenção do aquecimento terrestre abaixo de, no máximo, 2ºC em comparação com níveis pré-industriais. Para isso, há várias coisas que se podem fazer, como a substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia limpas e sustentáveis, públicas e até geridas pela comunidade. O próximo livro, Salvámos o Outono, “não vai ser um manual de soluções: vai continuar a ser um livro para crianças. Mas vai introduzir vários desses tempos, desde energia e transportes até agricultura.”

Salvámos a Primavera, de Joana Louçã e João Camargo. Bertrand Editora. 32 pp. 13,30€

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