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Kendrick ainda é o rei, mas foi SZA que roubou a noite em Lisboa

Numa noite que podia ter sido arruinada por problemas técnicos e desorganização no Estádio do Restelo, os dois artistas norte-americanos entregaram um dos melhores concertos do ano em Portugal.

Hugo Geada
Escrito por
Hugo Geada
Jornalista
Kendrick Lamar e SZA no Estádio do Restelo
Paulo Pinho/DR | Kendrick Lamar e SZA no Estádio do Restelo
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Já foram escritos e reescritos todos os elogios do mundo sobre Kendrick Lamar, por isso, não é surpresa que, este domingo, 27 de Julho, no Estádio do Restelo, ainda que tenha demorado a aquecer, tenha oferecido um concerto a transbordar de energia e difícil de esquecer. O que não estávamos à espera era de como SZA (co-cabeça de cartaz deste concerto) acabaria por roubar as luzes da ribalta.

Apesar de a digressão ser intitulada Grand National Tour, os dois norte-americanos dividirem o protagonismo no material promocional e o concerto acontecer com momentos intercalados e conjuntos de interpretações, era óbvio que a maior parte das pessoas estava presente para ver o rapper de Compton. Eram as suas t-shirts que dominavam, era o seu nome que chamavam antes do concerto e era o protagonista da maior parte das conversas que ouvíamos antes de entrar no recinto.

No entanto, foi Solána Imani Rowe que se destacou, não só pela grande produção, que contou em palco com uma formiga gigante, uma bola de luzes enorme e um fato com asas, mas pelo enorme talento e entrega em cada momento que se encontrou em palco. Houve R&B, disco, baladas, solos de guitarra e músicas sobre matar os ex-namorados e, mesmo que tenha demorado até o público perder a vergonha e participar nas cantorias, foram muitas as vozes que acompanharam a autora de “Kill Bill” e ajudaram a elevar a performance da norte-americana, numa noite que poderia ter sido uma desilusão enorme à conta de problemas técnicos e de organização. Vamos por partes.

SZA
Paulo PinhoSZA

Uma epopeia (que podia ter sido) trágica

Uma hora e meia. Este foi o tempo que demorámos a entrar para a plateia em pé (a Time Out tinha um bilhete para a bancada nascente inferior, mas, por um alinhamento cósmico, teve acesso a este ingresso e optou por experimentar ver o concerto no relvado onde joga o Clube de Futebol “Os Belenenses”). Os poucos seguranças que estavam a fazer a revista a entrar no estádio causaram um congestionamento caótico que levou a que muitos apenas conseguissem entrar já o DJ Mustard (produtor de Kendrick que fez a primeira parte do espectáculo) tivesse terminado a sua actuação.

Não bastando esta tortuosa peregrinação, com o caminho repleto de lixo, especialmente no corredor antes de ser revistado, com comida e garrafas de água (quase) a bloquear o caminho, os problemas continuaram. Quando o concerto arrancou, às 20.00 (o início estava marcado para as 19.00) deparámo-nos com uma qualidade de som deplorável. O som estava tão baixo e pouco envolvente que mais parecia que Kendrick estava a actuar uns quilómetros mais à frente, no Passeio Marítimo de Algés, e estávamos todos a ouvir à distância no Restelo. Mal se ouvia a voz do rapper e, num espectáculo tão focado naquilo que este tem para dizer, isto parecia ser uma receita para o fracasso. O tamanho do palco também não ajudava, pouco ou nada se conseguia ver do que estava a acontecer ou até mesmo dos ecrãs.

Por momentos tememos o pior, mas a solução passou por voltar para trás e adoptar uma bancada como base de operações. A vista não era a melhor, com as casas de banho portáteis plantadas mesmo à frente, mas pelo menos já tínhamos um ângulo de visão para os artistas e, entretanto, o som já estava mais bem equilibrado, sendo possível ouvir mais nuances de cada canção, além dos baixos que rasgavam as colunas.

Kendrick Lamar
Paulo PinhoKendrick Lamar

Podíamo-nos focar nas coisas boas e nos momentos maravilhosos que os artistas proporcionaram, mas, num espectáculo onde os bilhetes custam entre 55€ a 410€, achamos inaceitável que tais problemas aconteçam – e talvez ainda estejamos um bocado ressentidos por a interpretação de “King Kunta” ter sido completamente chacinada pelos problemas de som.

Mas falemos então de música.

O rei e a estrela

Vamos ser honestos: Kendrick não precisava de abrir a boca uma única vez durante o concerto e os seus fãs teriam arranjado forma de tornarem este um concerto memorável e especial, com mosh (apesar de terem sido proibidos pela organizadora do festival, a Live Nation), saltos, cantorias e tudo mais. No entanto, observámos várias facetas do homem que venceu o Prémio Pulitzer em 2018.

K-Dot criou malhas suficientes para várias vidas. O rapper podia apenas basear os seus espectáculos ao vivo nos êxitos passados, em canções de gangster rap de Good Kid, M.A.A.D City ou no jazz rap de To Pimp a Butterfly, mas escolhe explorar as batidas mais minimalistas de GNX ou as narrativas complexas de Mr. Morale & the Big Steppers. Nem sempre tudo funciona à primeira tentativa, só ali no terceiro acto, depois de uma inspirada “family ties”, música do seu primo Baby Keem, é que o público e o artista pareciam despertar e mostraram-se prontos para começar o concerto a sério.

Não vamos fugir à verdade: o homem é um animal munido de canções potentes que deitam qualquer estádio abaixo – destaques para momentos como “Alright”, “Bitch, Don’t Kill My Vibe” ou “DNA.” – e é complicado apontar alguma coisa a um espectáculo tão intenso, mas somos exigentes: gostávamos de ver mais elementos analógicos na música de Kendrick. Quão melhor soariam as músicas com banda ou apenas com uma batida conseguida através de um instrumento? Não sabemos porque é que o artista deixou de actuar neste formato (forreta?), mas sonhamos com as possibilidades e novas texturas que poderiam oferecer a canções que (por si só) já são inacreditáveis.

Kendrick Lamar
Paulo Pinho/DRKendrick Lamar

No espectro oposto (e a complementar) está a performance de SZA. Tudo é maximalista. Desde os adereços gigantes, as liberdades que os membros da sua banda tomam, as coreografias em cima de palco, o dramatismo da performance e (claro está) o talento.

Seja de joelhos, enquanto autografa discos ou enquanto dança, a cantora deixou tudo em palco e não deixou uma emoção impune entre o público. Repleta de carisma, seja a interpretar “Scorsese Baby Daddy” com um fato de borboleta que simboliza a sua metamorfose, a balada “Blind” que arrancou alguns dos mais intensos coros do público, a obrigar todos os membros do público a abanar o rabo com “Rich Babby Daddy” ou a viralíssima ameaça aos ex-namorados “Kill Bill”, SZA encantou as pessoas que foram de propósito para a verem, mas também, certamente, acabou por roubar o coração a todos aqueles que pensavam que só se iam render ao rap de Kendrick.

Kendrick até pode ter recebido uma das maiores ovações da noite depois da loucura que foi ouvir ao vivo (outro momento extremamente viral) “Not Like Us”, canção usada como arma contra Drake, rapper canadiano rival do artista de Compton, mas a surpresa mais agradável da noite foi ouvir, durante o último acto do concerto, depois dos artistas interpretarem juntos “luther”, o estádio irromper em gritos pelo nome da artista, valendo inclusive aplausos e um sorriso de orgulho do camarada com que partilhava palco.

SZA
Paulo Pinho/DRSZA

No entanto, deixando de lado esta competição (que apenas existe na nossa cabeça), acreditamos que os melhores momentos da noite foram as colaborações entre SZA e Kendrick. A escolha de fazerem os sets intercalados é vencedora, conferindo uma boa dinâmica ao espectáculo, criando um crescendo que culminava no clímax de um dueto. “All The Stars” ou “LOVE.” foram especiais, mas ainda estamos arrepiados depois de ouvir “luther”.

O duo despediu-se sob uma chuva de aplausos – e depois de terem ouvido o público cantar “esta merda é que é boa” – ao entrar no Buick Regal que adornava o palco. Em vez de arrancar em direcção ao pôr-do-sol, este desceu na sua plataforma para dentro do palco. Assim foi a apoteótica despedida de dois artistas que vieram a Portugal porque são dos melhores do mundo a fazer a sua arte, num concerto que durou mais de duas horas e contou com mais de 50 músicas. Pode ser difícil perdoar ausências como “Father Time” ou “Nosetalgia”, mas vamos embora para casa a sonhar com o reencontro com estes dois artistas e como podem estes potenciar superar a noite que entregaram no Restelo.

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