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Landim celebra os dez anos de ‘Kamikaze’, “uma lufada de um vento diferente”

O rapper do Casal de São José, em Mem Martins, vai estar no B.Leza a recordar as canções de um dos mais importantes discos do rap crioulo, lançado em 2013.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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A chegada de Kamikaze, há dez anos, “foi uma lufada de um vento diferente numa altura em que o rap crioulo estava em ebulição”. Quem o diz, sem falsas modéstias, é o autor desse documento, desse monumento, Landim. E diz a verdade. O rapper já tinha largado várias canções no mundo, em mixtapes e discos como Rap Krioulo 1 Nation, mas desde os primeiros instantes da “Intro” do álbum de 2013 se percebeu que este seria diferente. E foi. É por isso que esta quinta-feira, vai estar no B.Leza a celebrar os dez anos de Kamikaze, rodeado por fãs, amigos e convidados do seu bairro, o KSJ (Casal de São José, Mem Martins), e de outras margens de Lisboa que a sua música tocou.

É humilde quando fala do concerto desta quinta-feira no B.Leza. “Estas datas e marcos na minha ainda jovem carreira são importantes de celebrar e relembrar junto com os meus, de agora e de antes, e de sempre”, resume. Sobre o disco de há dez anos, no entanto, versa com outra confiança. “Fizemos questão de marcar a diferença na escolha de beats, na escolha de temas e assuntos abordados. Tudo um trabalho de equipa, composta por Jonny Jay, Fumaxa, Singa, Btg e eu, e outros que participaram no projecto, como Timor, Riddell (Kova M). Tentámos enriquecer o projecto com o máximo de faixas boas possíveis. Criar um projecto grande, 15, 20 faixas. O resto é história.”

Uma história que se confunde com a história dos últimos anos de rap crioulo em Portugal. Durante anos, o género existiu à margem,  dos centros de influência e poder, sem qualquer mediatismo. Nos bairros, porém, ganhava tracção – “os jovens e as massas”, diz Landim, queriam ouvir alguém rimar na língua que falavam. E à medida que a internet tornou os velhos media e a sua benção menos importantes, o rap crioulo foi ganhando visibilidade. “A questão linguística foi ultrapassada a partir do momento em que vários artistas obtiveram acesso a melhores estúdios, produtores, filmmakers, editores de vídeos melhores, e aí o rap crioulo começou a ser visto de outra maneira”, garante. “A possibilidade de independência musical que o Youtube, o Spotify e outras plataformas permitem, também fizeram com que os artistas descobrissem uma fórmula de se auto-sustentarem, inclusive ganharem muito dinheiro com as suas músicas, atraindo assim o interesse do dito mainstream.”

“Hoje, o YouTube, Spotify, entre outros, permitem aos criadores ‘crioulos’ terem as suas plataformas e agendas independentes, e remuneradas onde podem promover os seus trabalhos. Lá podemos encontrar vídeos, entrevistas, programas, todo o tipo de conteúdo semelhante ao que hoje em dia se consome na televisão, por exemplo, mas falado em crioulo e referente ao panorama da actualidade da sociedade crioula”, exemplifica. “Existe um mundo ‘crioulo’ online, que eventualmente haverá de chegar à televisão. Essa é uma esperança e também objectivo. A biodiversidade dos consumidores contribui para a desmarginalização da nossa imagem enquanto cultura e indústria, e demonstra o potencial de retorno financeiro/pedagógico/social que poderíamos obter caso houvesse mais investimento e mais oportunidades para o artista afro”, desenvolve.

A falta de oportunidades não é só um problema para os artistas africanos e afro-descentes. Prejudica todas as pessoas racializadas que se esforçam para ganhar a vida neste país. Quando alguém diz que “Portugal não é um país racista”, quem não é branco só pode rir-se, ou chorar, ou sentir uma raiva crescer nos dentes. Às vezes, as três ao mesmo tempo. “Senti [o racismo] bem cedo na pele, infelizmente”, garante Landim. “Mas com isso aprendi muito, e sempre tive muito orgulho na minha cor. Com o tempo fui aprendendo a saber estar no meu canto, e na minha zona, no meu bairro. Sei perfeitamente quais são as áreas e zonas, e estabelecimentos e restaurantes e etc., onde a simples presença de alguém da minha cor incomoda. [É ainda] pior se formos três ou quatro. Mas sei também que, com humildade, simpatia, inteligência e um pouco de convivência com outros, tudo muda. Faz parte do ser humano sentir receio do que desconhece. Ter medo do diferente.” 

É impossível medir a influência que isso teve em si e na sua música. “Incluímos muita da dor da nossa gente nas nossas letras e canções, então não poderia não ser influenciado, como homem negro residente em Portugal. Primeiro como homem, depois como músico”, observa. “Mas sei que quem me ouve sente que alguém tem de falar sobre isso, alguém tem de dizer algo, e nós fizemos e ainda fazemos parte dessa luta contra o racismo, cada vez que vamos à procura de algo melhor na vida, seja em que ramo laboral for.”

Tem perfeita consciência de que seria mais fácil travar essa batalha se rimasse em português. No mínimo, estaria há muito numa grande editora. Mas “abdicar do crioulo nunca. E muito menos o faria pelo simples facto de tentar chegar a uma editora ou obter um contrato. Sei que se cantasse em português os meus ouvintes poderiam aumentar para 10,12 milhões, a um nível nacional e tudo seria diferente. Certamente teríamos mais radio time, outro tipo de exposição mediática e impacto na indústria musical PALOP”, admite. “Mas não deixa de ser ainda mais saboroso alcançar, ou almejar a esses objectivos, cantando a minha língua materna, o crioulo. E não deixa de ser possível. Mas fica mais difícil e mais demoroso, isso sim. Sem dúvida.”

B.Leza. 23 Nov (Qui). 22.00. 10€

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