Notícias

Model/Actriz: “Queria ser tão destemido como a Demi Moore”

A banda formada em Boston vai marcar presença no MEO Kalorama. Antes, esteve à conversa com a Time Out sobre o seu disco mais recente, ‘Pirouette’, e sobre o que podemos esperar do concerto de 20 de Junho.

Hugo Geada
Escrito por
Hugo Geada
Jornalista
Model/Actriz
DR | Model/Actriz
Publicidade

É difícil encontrar palavras para descrever as canções de Model/Actriz, uma das bandas mais inovadoras e entusiasmantes do momento, que regressa a Portugal, a 20 de Junho, para actuar no MEO Kalorama. Entre rock, punk, noise, avant-garde e electrónica, não nos pomos a jeito no difícil caminho de definir o género de estilo musical que produzem. Como podemos colocar um rótulo a algo que consegue ser ao mesmo tempo confrontacional, directo e violento, mas também sensível, confessional e emocional?

Para responder a estas perguntas, falámos com o vocalista Cole Haden e o baterista Ruben Radlauer que nos guiaram pelas entranhas de Pirouette, o segundo disco da banda, editado em Maio do presente ano. Neste trabalho, a banda explorou uma abordagem mais assumidamente electrónica e dançável – com o cantor a descrever em diversas entrevistas a sua admiração por cantoras pop como Kylie Minogue e Lady Gaga –, mas sem nunca perder de vista a visceralidade e brutalidade do álbum de estreia, que deixam na retaguarda, Dogsbody (2023).

Em conversa com a Time out, os artistas abrem o livro sobre o processo criativo, os filmes de terror que inspiraram a sua discografia (Cole envergava uma t-shirt de O Último Exorcismo – Parte 2 durante a entrevista) e o que podemos esperar do espectáculo que marca o regresso da banda a Portugal, depois de duas paragens na Galeria Zé dos Bois e em Paredes de Coura.

Quando é que surgiu a ideia para criar Pirouette?  
Cole Haden: Em Setembro de 2023. Foi durante a nossa tour e tínhamos uma semana de descanso em Nashville, onde ficámos hospedados num Airbnb. Foi lá que tivemos a nossa primeira discussão real sobre fazer um álbum que fosse radioso e tivesse a capacidade para viver na pista de dança. Queríamos que despertasse uma sensação utópica e eufórica. Na altura, ainda não sabíamos que o título seria Pirouette e que estaria tão focado na minha infância. Mas foi nessa fase em que conseguimos entrar neste espírito. 

Houve algum episódio ou momento que vos ajudou a perceber que a infância seria um foco tão importante no processo criativo?
CH: Já no nosso primeiro disco, Dogsbody (2023), tinha vontade de falar sobre este tópico, mas não estava pronto para o fazer de uma forma tão literal. Quando escrevi a "Doves", fiquei muito feliz, mas achei que ainda estava demasiado próximo do Dogsbody, no sentido em que é demasiado poético. A canção acabou por servir como um ponto de partida. Fez-me perceber que tinha de ir mais longe. Precisava de tornar as coisas mais desconfortáveis e falar sobre coisas de que nunca tinha falado antes. Assim que entrei neste estado de espírito tudo mudou. 

Quão difícil foi partilhar com o mundo essas histórias tão pessoais e sensíveis?
CH:  Assim que lançámos a "Cinderella" fiquei um pouco ansioso. Esta música descreve como, quando era mais novo, queria ter uma festa de aniversário inspirada neste filme da Disney. Estava muito nervoso para perceber como os fãs iam reagir a esses versos. Nos nossos concertos, essa é uma das partes mais barulhentas e efusivas. O que começou como um nervosismo foi substituído por um sentimento de apreciação e validação. Foi algo muito surpreendente.   

Depois do relato que fez sobre a festa não ter ido para a frente, chegou a conseguir concretizar esse desejo? 
CH:  A festa chegou a acontecer. No fundo, foi uma festa normal. Havia um bolo de aniversário, lembro-me da música, mas depois havia vestidos.  

Para mim, a vossa música é muito cinemática. O primeiro álbum, Dogsbody, faz-me sempre pensar em filmes de body horror do David Cronenberg ou no Titane (2021) de Julie Ducournau, devido à agressividade, à sensação mecânica dos ritmos e os temas que exploram sobre o corpo humano. Houve algum filme que vos inspirou a fazer este novo álbum?
CH: O Titane foi, sem dúvida, uma grande influência para o Dogsbody. No caso do Pirouette, diria que A Substância teve um peso muito grande. Na faixa "Departures" chego inclusive a mencionar a Demi Moore [protagonista do filme], porque vi o filme, precisamente, no mesmo dia em que a gravámos.

O que é que o filme tem para ter sido uma inspiração tão intensa?
CH: Há qualquer coisa na náusea que o filme proporciona que me permitiu ultrapassar os meus próprios limites. Queria ser tão destemido como a Demi Moore foi na sua performace.  

É muito interessante referir isso. Em várias entrevistas mencionou como algumas estrelas pop inspiraram a sua música pela forma como conseguem escrever letras destemidas e sem filtros. Consigo perceber como A Substância consegue ter espaço na sua música. Também consigo imaginar o Smile 2 a inspirar o disco. 
CH: Sim! A personagem do Smile 2 é literalmente uma estrela pop a enfrentar os seus traumas. As scream queens são uma trupe que me interessa muito. Elas são divas como as estrelas pop. A Samara do The Ring (2002) é uma diva. A Substância também pode entrar nesta caixa e é sem dúvida o primeiro filme que penso como influência.

Model/Actriz é uma banda que tem na sua génese um espírito muito punk rock, seja pela atitude confrontacional, no vosso nome, nas letras, na performance, na atitude... Isto é algo surge naturalmente ou houve uma conversa na banda sobre o tipo de postura que teriam?
CH: Eu, definitivamente, não sou envergonhado.
Ruben Radlauer: A parte mais punk da banda é que o Cole não é um punk tradicional, nem nunca o foi. Ele não veio dessa cena, ao contrário de mim e do Jack Wetmore [guitarrista]. Quando vimos o Cole a fazer a sua performance de arte insana, com uma mistura de pop, percebemos imediatamente que isso era muito mais interessante e inovador do que qualquer coisa que estava a acontecer na cena punk.

Imagino que tenha sido bastante motivador.
RR: Estamos a desafiar os limites. O punk já existe há 50 anos e, na maior parte dos casos, está completamente separado da sua ideologia. Neste momento, os projectos mais punk são aqueles que estão mais afastados dos termos técnicos do estilo. No nosso caso, sinto que é o Cole que traz o punk para a banda, por estar sempre a testar os limites, trazendo estes elementos mais sensíveis e teatrais a que não estamos habituados neste género musical.

Hoje em dia temos muito estilos que adoptaram o espírito reivindicativo do punk como a música electrónica ou o funk.
RR: É verdade, isso é algo que me interessa e de que sou bastante fã. A música punk não evoluiu nos últimos anos. É por isso que é incrível ouvir pessoas que fazem constantemente frente à tradição e que estão a cuspir na cara da indústria musical. Por exemplo, o Nicolas Jaar, de quem sou um grande fã, é dos melhores a fazer isto. Ele consegue criar projectos para financiar e ajudar crianças na Palestina ou no Chile. Nesta fase, ultracomercial e capitalista em que estamos presos, acredito que é necessária muita coragem para pensar fora da caixa. Mas é importante recordar que muita desta tradição começou na cena punk e que continuam a existir círculos que têm esta preocupação.

Do primeiro para o vosso segundo álbum, houve uma grande transformação no vosso som e na forma como se apresentam. Existe algo que gostariam de experimentar no vosso próximo projecto?
CH: Eu não gosto de fazer promessas falsas, mas posso revelar que já comecei a pensar no tipo de álbum que gostaria de fazer e qual estaria no topo da minha lista. No entanto, isto é algo que ainda não conversámos em privado, por isso não há muito que possa adiantar. Depois de um álbum inspirado pelo Titane, outro por A Substância, ainda temos de esperar por mais filmes de terror deste ano, talvez o Bring Her Back... está a receber boas críticas.
RR: Por mim podíamos fazer um filme inspirado pelo Meet the Fockers [risos].

E em relação ao vosso espectáculo ao vivo. Tal como houve uma evolução na vossa música, o mesmo aconteceu nos vossos concertos?  
CH: O concerto parece ser muito mais rápido. Estamos a tocar durante um pouco mais de uma hora, mas há a sensação, pelo menos em cima de palco, de que o espectáculo tem a capacidade de acelerar mais rápido do que antes. Sinto, finalmente, que a música está a encaixar com a forma como esperávamos entrar num estado de trance, a la música de club, nos nossos espectáculos. Só gostava que houvesse mais momentos em que o público canta connosco. Gostava que os fãs memorizassem as letras para poderem cantar connosco.
RR: Desde que o disco foi lançado temos visto que as pessoas têm vontade de cantar as letras. Sinto que isto é uma amostra de como os fãs estão a identificar-se com este trabalho e de como estamos a conseguir uma boa forma de comunicar com as pessoas. Tem sido uma viagem muito emocionante.

Parque da Bela Vista. 19, 20 e 21 Jun (Qui, Sex, Sáb). 55€-105€

🏡 Já comprou a Time Out Lisboa, com as últimas aldeias na cidade?

🏃 O último é um ovo podre: cruze a meta no FacebookInstagramWhatsapp

Últimas notícias
    Publicidade