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Muito Barulho por Nada
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‘Muito Barulho por Nada’. Um Shakespeare cómico e feminista

O Teatro do Bairro regressa às ruínas do convento do Carmo para mostrar mais um clássico. "É o [texto de] Shakespeare mais feminista que eu já vi", diz António Pires.

Joana Moreira
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Joana Moreira
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A intemporalidade nos textos de Shakespeare e a vontade de os tornar acessíveis aos espectadores que passam o Verão na cidade. São dois dos argumentos que levaram o encenador António Pires a querer revisitar mais um texto do dramaturgo inglês no palco criado temporariamente no Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa, até 20 de Agosto. 

Muito Barulho por Nada (Much Ado About Nothing, no original) marca o regresso a William Shakespeare (depois de Rei João, em 2020) do Teatro do Bairro, que há vários Verões vem tomando as ruínas do Convento do Carmo para levar teatro a novas audiências. A estratégia é assumida. “[Queremos] sair do teatro e meter o espectáculo na rua, ir à procura das pessoas”, diz Pires à Time Out. O resultado é, constata, um público ecléctico, de turistas – o que motiva a legendagem da peça em inglês – a famílias “que vêm passar o dia a Lisboa, que passam por ali e vêm que há teatro”. 

Por não se tratar de um “público fiel que vai ao teatro não sei quantas vezes por ano”, o encenador reforça a importância de insistir na dramaturgia clássica e levá-la à cena “de uma forma simples, em que o público perceba o que lá está”. Neste caso, o que “está” nesta comédia shakespeariana, escrita algures entre 1598 e 1599, e traduzida para português por Sophia de Mello Breyner (nos anos 90 para o Teatro da Cornucópia), é uma crítica à ordem moral e aos costumes, e uma denúncia da situação da mulher no contexto patriarcal do período isabelino. “É o [texto de] Shakespeare mais feminista que eu já vi”, garante o encenador.

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A hora e meia de acção decorre em Messina, capital da Sicília, e gira em torno de dois casais. Pelo meio, exploram-se questões como a quebra da castidade antenupcial, a obsessão com o conceito de virgindade, a exigência da modéstia, o tratamento da mulher enquanto moeda de troca, ou o casamento como operação de transação comercial, de fortunas e influências. A misoginia que domina o discurso das primeiras personagens em cena contrasta duramente com a voz de Beatriz, elemento feminino de um dos casais e figura que representa a indignação face à subjugação da vontade feminina sobre todas as coisas.

“São personagens que reivindicam uma vontade de estar juntos um com o outro. Desde aí é uma oposição ao casamento feito pelos cânones sociais da época”. Mas “ela [Beatriz] é o bobo e é uma mulher, o que não é de menos”, sugere António. “Diz mal da forma como o casamento se organiza, como a mulher é tratada, fala com eles [homens] por igual, isto tudo à época e sendo um bobo”, acrescenta. Num tom cómico, às vezes irónico outras vezes literal, a personagem está em constante reivindicação, com um ou outro momento de lamentação (“já que à força de querer não me posso tornar um homem, hei-de morrer mulher à força de desgostos”, diz a determinada altura).

Para António Pires, resta-lhe continuar a usar a parceria “feliz” com o Museu Arqueológico e o Teatro do Bairro para mostrar os clássicos a quem ainda não se confrontou com eles. “Os temas são contemporâneos. É isso que os clássicos têm. Quando olhamos para eles hoje conseguimos ver coisas lá. São textos muito abertos, que falam da humanidade, e a humanidade muda muito devagar. Muito mesmo.”

Museu Arqueológico do Carmo. 27 Jul-20 Ago. Seg-Sáb 21.30. 16€

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