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antigona na amazonia
Moritz Von Dungern

Na Amazónia, Antígona vive e luta pela terra que é sua

‘Antígona na Amazónia’, encenada por Milo Rau, centra-se na exploração da floresta amazónica, num diálogo com a tragédia de Sófocles. Na Culturgest, é apresentada a 11 e 12 de Novembro.

Escrito por
Beatriz Magalhães
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A 17 de Abril de 1996, um grupo de trabalhadores rurais protestava, pacificamente, em Eldorado de Carajás, no estado do Pará, no Brasil. Mais de uma centena de polícias militares irromperam no local e, às suas mãos, morreram 21 pessoas. É neste massacre que se centra Antígona na Amazónia, peça encenada por Milo Rau, em colaboração com o Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST). À luz da tragédia de Sófocles, Antígona, e num diálogo entre a luta do MST, o conhecimento dos activistas indígenas e a experiência vivida pelos intervenientes da produção, a peça estreia-se em Lisboa a 11 e 12 de Novembro, na Culturgest. Segue para o Teatro Municipal do Porto, a 16 e 17.

Tal como Antígona se insurge contra Creonte, os activistas de Eldorado de Carajás insurgem-se contra o Estado moderno. Este Creonte do século XXI é responsável pelo desalojamento daqueles que vivem na natureza, e daqueles que, desde o massacre de 1996, vivem e lutam com o MST por uma causa que não deixam esquecer. É destas vivências que parte Antígona na Amazónia. “A proposta veio deles, começámos a trabalhar e a reflectir no mito da Antígona, porque é um conflito sobre a terra, entre uma sociedade mais dissidente, a Antígona, e um Estado capitalista, o Creonte”, explica o encenador à Time Out, por videoconferência. 

No palco, a poeira da terra assenta e a peça está prestes a começar. De um lado, os brasileiros Frederico Araújo e Pablo Casella; do outro, os belgas Sara De Bosschere e Arne De Tremerie fazem parte de um elenco que se estende por vários quilómetros, até ao estado do Pará. O que acontece ao vivo é uma reconstituição do que se passa nos vídeos que, por vezes, passam no fundo, mas também é uma extensão da acção que decorre nos vídeos. Na verdade, estes são “uma janela que se abre para o norte da Amazónia”, mais especificamente para Eldorado de Carajás e também Marabá, onde, mais à frente, conhecemos um dos povos indígenas da floresta amazónica, o Akrãtikatêjê.

antigona na amazonia
Kurt van der elst

A utilização de vídeo é especialmente importante visto que a maioria dos activistas participantes na peça vivem no Brasil. Porém, mesmo apenas existindo através de um ecrã, tomam-se “as pessoas como tão reais como as pessoas em palco, mais reais até”, e “a ausência torna-se noutra forma de presença”, diz o encenador.  

Em sequências de vídeos e encenações em palco, em que as mudanças de roupa e de adereços acontecem sob o olhar dos espectadores, é contada a história do massacre de 1996, recorrendo à interpretação das personagens de Antígona. As cenas são intercaladas por passagens em que os actores falam, na primeira pessoa, acerca do processo de concepção da peça, da sua experiência com os sobreviventes do massacre e com os activistas do MST. Com a destruição e exploração da Amazónia como pano de fundo, não deixa de tocar em temas como a pandemia da covid-19, a ditadura militar brasileira, de 1964 a 1985, e a presidência de Jair Bolsonaro.

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Kurt van der elst

 

Se o espectáculo pode ser em si uma manifestação de activismo, Milo Rau não concorda inteiramente. Antes pensa que uma peça de teatro “pode estar no centro do activismo ou pode reflectir acerca do activismo” e que “a arte pode ser activista” – “mas acho que também devemos tomá-la como uma análise do activismo e uma análise da forma como o activismo pode funcionar”. Daqui, uma questão é levantada e prende-se com o facto de a peça ser produzida por uma instituição europeia, a NTGent, em colaboração com o MST, e como isso releva os possíveis problemas que originam deste encontro, relacionados com a “solidariedade global”.

Antígona na Amazónia não é a primeira nem certamente será a última peça a reinterpretar um mito grego e, para o encenador, aqui, a tragédia de Sófocles tornou-se algo novo, “a produção mudou-a completamente”. Questiona-se a ganância humana, a devastação da natureza, a exploração de terras, a resistência e a luta política, perante um cenário em que o estado do Pará e a cidade de Tebas tornam-se um só. No fim, continua tanto, ou até mais presente, a frase que é cantada no começo da peça: “Muitos são os monstros, mas nada é mais monstruoso que o Homem”.

Culturgest. 11-12 Nov. Sáb 21.00 Dom 17.00. 16€

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