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Na dúvida, este palco pode ser o altar de uma igreja

Escrito por
Miguel Branco
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Religião e Moral é a terceira palestra-performance de Maria Gil e de M̶i̶g̶u̶e̶l̶ Bonneville, que completa o ciclo O Pessoal é Político, que apresentam integralmente no CAL de quinta-feira a domingo.

Isto começa como deve começar: com uma citação. Melhor: com duas, ditas à boca de cena, com a cortina ainda fechada. A seguir é fazê-la correr, rasgar a introdução que sempre se parece impor, e contemplar uma imagem real de dois fantasminhas que envergam camisas de dormir. Ao que parece estamos ainda na introdução. Depois, aí sim, arranca o primeiro texto desta nova palestra-performance de Maria Gil e de M̶i̶g̶u̶e̶l̶ Bonneville chamada Religião e Moral. Os dois artistas que formam o Teatro do Silêncio aterram no Temps d’Images com o ciclo O Pessoal é Político, no qual regressam a Medo e Feminismos (2013) e Amor e Política (2015), os dois primeiros episódios deste conjunto de palestras-performances que agora se conclui. É para ver tudo, no CAL, de quinta-feira a domingo.

Este projecto – não no sentido temporal, mas talvez no peso que carrega, na sua responsabilidade – veio de longe. Em 2012, Maria Gil – indignada com uma percepção pitoresca que as pessoas tinham do Lavadouro Público de Carnide, casa do Teatro do Silêncio, aquela lógica do “ai que giro que é estas mulheres ainda lavam a roupa à mão”, como se, na verdade, isso não fosse sintoma de uma profunda crise económica e mais ainda de árduas condições de vida daquelas mulheres, provavelmente sem máquina de lavar a roupa ou sem dinheiro para pagar essa energia – convidou Bonneville (que habitualmente assina com o M̶i̶g̶u̶e̶l̶ rasurado) para pensar onde estavam em relação ao feminismo. Ao qual associaram uma lista de medos, nesta coisa de dois conceitos que parecem não ter muita relação. Parecem.

Assim foi também a ideia que uniu amor e política, quando entrevistaram políticos portugueses e lhes pediram, como diz a canção dos Santos & Pecadores, que falassem de amor. Tudo sob o formato de palestra-performance: “A ideia de palestra foi uma coisa a que chegámos por querer que fosse uma relação muito directa com o público. Tornar pública a palestra, como um lugar de uma arena onde se debatem coisas”, afirma Maria Gil. Esses momentos mais textuais, de encarar a plateia, são entrecortados por imagens ou performances que servem para processar os textos. Em Religião e Moral é também assim, sobretudo perante dois textos-testemunhos altamente ambíguos, duros, intensos, que nos fazem considerar infinitas possibilidades ou impossibilidades de parágrafo para parágrafo. No fundo, duas autobiografias espirituais, o problema com as instituições, a catequese imposta e a respectiva libertação, a expectativa de que sejamos agradáveis em almoços de família, o excesso de racionalização vigente, rezar na dúvida, o quotidiano como bicho papão, o corpo como templo, saber ser todos. “Os nossos textos não significam aquela coisa de: pronto, agora temos uma hora para dizer mal da religião católica, não é isso, não são as nossas historinhas com a religião que nos fizeram mal, é a nossa relação com a espiritualidade e a religiosidade, que está para além disso”, enquadra Maria Gil.

Palavras que serão recebidas no escuro: “Tem também que ver com a ideia de desaparecimento, não querer aparecer nem estar, não querer ter a nossa imagem colada à nossa voz. E tem que ver com o lado da escuta, também, se não estás a ver, a parte da escuta fica muito mais salientada”, afirma M̶i̶g̶u̶e̶l̶ Bonneville. Só estamos de ouvidos.

CAL – Primeiros Sintomas. Medo e Feminismos Qui 21.30. Amor e Política Sex 21.30. Religião e Moral Sáb 21.30, Dom 19.00. 5-7€. 12-15€ (preço especial trilogia).
criação e interpretação
Maria Gil e M̶i̶g̶u̶e̶l̶ Bonneville
espaço cénico João Miller Guerra
direcção técnica Nuno Patinho

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