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"Para o Gérard, as cores são pessoas. Com a mesma diversidade, com personalidade, com a mesma luz". As palavras de Éric Corne fornecem o indispensável par de lentes necessário para percorrer a exposição "Gérard Fromanger. O Esplendor", no Museu Coleção Berardo, a primeira do pintor francês em Portugal e a primeira retrospectiva desde a sua morte, em Junho do ano passado. Amigo e curador, enaltece o autor que reflectiu sobre política e sociedade, que olhou para as ruas de Paris como observatório das vivências ocidentais do século XX. Este sábado, dia 19 de Fevereiro, a primeira visita guiada acontece às 17.30, orientada pelo próprio Corne.
São mais de 60 quadros, organizados em 26 séries. Em cerca de seis décadas de criação, que irrompe no clima quente dos movimentos sociais e políticos da década de 60, Fromanger debruçou-se sobre a actualidade, sem reservas ou tabus. A pintura, arma assumida e cujo papel foi questionando ao longo dos anos, foi o suporte que manteve até ao fim, muitas vezes em combinação técnica com a fotografia, mestre de um figurativismo distorcido do realismo social.
Numa exposição que não segue um alinhamento cronológico, a segunda sala detém o visitante com as representações garridas do quotidiano parisiense. São telas de séries como Le peintre et le modéle, Boulevard des Italiens e Annoncez la Couleur. Quiosques, manchetes, montras, cartazes de filmes e teasers de cinema erótico — paisagens povoadas por vultos vermelhos (a cor que mais ressalta na obra de Fromanger, especialmente latente na recta final da exposição), reflexões em torno de conceitos como anonimato, voyeurismo e desinformação.
No início dos anos 60, o traço da pop art atravessou o Atlântico e chegou a França. A valorização dos temas contemporâneos e o interesse pelos domínios do gosto popular e até da cultura trash estabeleceram afinidades entre a obra do pintor francês e o novo género, nascido nos Estados Unidos. O uso da cor é outra das intercepções. "Mas ele mantém uma atitude muito mais enraizada na pintura, do pincel, em contraponto com o lado muito mais mecânico da pop art", completa Éric Corne.
A fotografia e a quadrícula foram outros dos recursos usados pelo artista. O real capturado através de uma câmara foi, muitas vezes, transposto para a tela, à mercê de pinceladas e manchas de cor. Mais tarde, a fotografia assumiria na obra de Fromanger a dimensão de ícone em representações figurativas. As fases sucedem-se na extensa e profícua obra do pintor — caos, sensualidade, hedonismo e exercícios tão auto-biográficos como a referência à própria carta astral ou o quadro Le Coeur fait ce qu'il veut — Cardiogramme, pintado em 2014, na sequência de uma complicação do foro cardíaco.
Tal como as experiências na primeira pessoa, lugares e afectos foram tendo o seu peso no seu imaginário pictórico. A passagem pela China suscitou críticas ao regime do país, nos anos 70, da mesma forma que a paisagem da Toscana, depois de se ter mudado temporariamente para Siena, está igualmente representada na sua obra. Uma das salas da exposição está ainda reservada aos retratos — Michel Foucault e Paula Rego, entre outros.
Numa exposição que começou a ser planeada em 2018, ainda com a participação do próprio autor, a retrospectiva culmina com Film-tract nº 1968, curta-metragem de Jean-Luc Godard, com a marca inconfundível do pintor. "Gérard Fromanger. O Esplendor" (título inspirado no poema "O Esplendor", de Álvaro de Campos) abre portas ao ao público esta quinta-feira, 17 de Fevereiro, e assinala o arranque da Temporada França-Portugal 2022 em solo nacional. Fica patente até 29 de Maio.
Museu Coleção Berardo, Praça do Império (Belém). 21 361 2878. Seg-Dom 10.00-19.00. Entrada: 5€ (gratuita ao sábado). Visitas guiadas: Sáb (19 Fev) 17.30, com o curador Éric Corne, e Sáb (26 Fev, 26 Mar, 2 Abr e 21 Mai) 16.00.
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